domingo, 4 de julho de 2010

A Pastoral Social da Igreja num mundo adverso


Vivemos uma cultura centrada no indivíduo, na economia e no poder. O bem social e o transcendente são realidades marginais. Prioritário é produzir poder ou riqueza e consumir. O ideal de vida é a realização profissional e a progressão na carreira. Este objectivo sobrepõe-se, em muitos casos, aos critérios éticos, à ecologia da vida e do planeta, à realização familiar, às relações sociais e à vivência religiosa. O subjectivismo, o relativismo, a corrupção escondida, a injustiça e a mentira são algumas das facetas possíveis da vivência privada da pessoa que podem conviver lado a lado com a vida normal e cumpridora dum cidadão nos aspectos em que é controlado pela pressão social ou por normas jurídicas ou religiosas. Gera-se assim uma vida dupla, com critérios éticos diferentes: quando age em privado, impera a lei do “eu” e de tudo o que lhe convém; quando age controlado por uma autoridade exterior ou teme que venha a ser fiscalizado e descoberto, submete-se às normas da lei do Estado, da Igreja ou da organização onde está integrado. Num mundo globalizado e sem fronteiras, urbanizado e incógnito, tolerante e egoísta, torna-se cada mais difícil a regulação e o controle da transparência de pessoas, empresas e instituições. Daí a corrupção instalada, os cristãos não praticantes ou intermitentes, os escândalos revelados de pecados escondidos de políticos, empresários e cristãos.
A sociedade parece-se a um campo de batalha “civilizada” de indivíduos, empresas, partidos, clubes e igrejas que querem afirmar-se, vencendo os outros em lucros e poder. O emprego e o seu salário são o meio normal de realização, mas no fundo todos sonham ser ricos sem trabalho. Daí haver tantos adeptos dos jogos da sorte e da aparição na vitrina do poder ou dos MCS. A vitória a curto prazo sobrepõe-se à sustentabilidade a longo prazo. A actual crise económico-financeira resulta, principalmente, desta aposta no curto prazo e na ausência de ética nos meios utilizados.
A falta de referência ao transcendente e a dependência do sucesso leva a um grande vazio de sentido e a uma grande solidão. Para preencher este vazio recorre-se ao consumo continuado de produtos, de prazer e do mundo virtual (televisão, internet e droga). Esta vida não satisfaz por isso é preciso criar uma “second live” à medida dos nossos sonhos. É uma busca desesperada para descobrir fora o que não se encontra dentro. A emoção e o êxtase do momento ganham prioridade sobre sustentabilidade e a eternidade da felicidade. O sofrimento, o fracasso e a doença são uma ameaça a este ideal de vida e criam revolta e pânico.
Quem não produz nem tem capacidade para competir torna-se invisível e um peso para a sociedade. As crianças, os desempregados, os idosos, os doentes e os países subdesenvolvidos sentem-se e são marginalizados da engrenagem deste mundo. Assiste-se à diminuição da natalidade porque os filhos são vistos como um encargo. Aumenta o negócio de lares porque os doentes e idosos exigem presença e não há tempo para eles. Em tempos de crise económico-financeira, os países cortam nos apoios sociais e na ajuda aos países mais pobres, porque é preciso salvar o “meu” futuro e o “nosso” mercado.
Onde falta o amor e a abertura a Deus, o homem não compreende a linguagem da comunhão, do bem social, da defesa da vida, da solidariedade, da subsidiariedade, da gratuidade, da justiça e da caridade na verdade. A Doutrina Social da Igreja é uma ilustre desconhecida para uns e vista com suspeita por outros.
A recente visita do Papa a Portugal mostrou um povo acolhedor e com sentimentos cristãos. Bento XVI sentiu-se revigorado e fortalecido no seu ministério, após a campanha mundial que o tentou desacreditar porque quis enfrentar com verdade o problema da pedofilia na Igreja. Os MCS que antes colaboraram na campanha do contra, agora renderam-se à simplicidade e profundidade dum homem de Deus que peregrina a Fátima e visita o seu povo. O Papa deixou-nos uma mensagem densa e profunda. Animou-nos a fazer um verdadeiro encontro com Cristo, sacramento do Amor do Pai por nós. Desafiou-nos a ser uma Igreja missionária, capaz de fermentar a vida social e política e de anunciar a boa nova de Cristo a toda humanidade.
Os bispos portugueses compreenderam esta mensagem e, por isso, na assembleia extraordinária de 17 de Junho aprovaram a Carta Pastoral sobre o rosto missionário da Igreja e o Instrumento de trabalho que orientará o itinerário sinodal da Igreja em Portugal até Novembro de 2011.
Mas as pessoas não se convertem com documentos ou catequeses teóricas. Só o encontro com Cristo vivo poderá levar-nos a viver com horizontes de eternidade, a iniciar um seguimento marcado pela coerência de vida, a abrir-nos à comunhão e à celebração comunitária da fé, a sentir-nos irmãos, a promover a fraternidade entre todos, a comprometer-nos com a justiça e a ecologia. São «os corações os verdadeiros destinatários da actividade missionária do Povo de Deus» . Se evangelizados, podemos testemunhar o Evangelho da esperança em privado ou em público, e animarmos outros a viver o caminho alternativo que nos é proposto por Cristo. Neste sentido há muito que mudar na forma de estar na sociedade, na política e na Igreja para vivermos ao jeito de Jesus, segundo as moções libertadoras do Espírito.

José Augusto Duarte Leitão, svd
Responsável pela Antena AEFJN

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