sábado, 27 de março de 2010

Santa Sé na ONU: e o resgate de dinheiro para os pobres?


É urgente priorizar a redução da pobreza
NOVA YORK, sexta-feira, 26 de março de 2010 (ZENIT.org).- A Santa Sé considera que os países que conseguiram resgatar dinheiro para salvar as instituições financeiras na crise econômica deveriam ter também recursos para ajudar os pobres.
Assim indicou o arcebispo Celestino Migliore, observador permanente da Santa Sé na ONU de Nova York, em uma intervenção durante a 64ª Assembleia Geral das Nações Unidas, no 4º Diálogo de Alto Nível sobre Financiamento para o Desenvolvimento, sob o tema: “O Consenso de Monterrei e a Declaração de Doha sobre o Financiamento para o Desenvolvimento: estado de aplicação e tarefa futura”.
Destacando o “impacto devastador da recente crise financeira nas populações mais vulneráveis do mundo”, mas também a “cooperação internacional sem precedentes”, afirmou que “a estabilização de algumas economias ou a recuperação de outras não significa que a crise tenha acabado”.
“De fato, o conjunto da economia mundial, em que os países são muito interdependentes, nunca será capaz de funcionar sem problemas se as condições que geraram a crise persistirem, especialmente quando as desigualdades fundamentais em ingressos e riqueza entre indivíduos e entre nações continuam”, insistiu.
Imperativo moral
Assim, o representante da Santa Sé destacou que “não podemos esperar uma recuperação definitiva e permanente da economia global para tomar medidas”.
“E a razão mais importante disso é o imperativo moral: não deixar toda uma geração – quase uma quinta parte da população mundial – em extrema pobreza.”
Destacou a “urgente necessidade de reformar, fortalecer e modernizar o conjunto do sistema de financiamento para o desenvolvimento dos países, assim como os programas da ONU, incluindo as agências especializadas e as organizações regionais, tornando-as mais eficientes, transparentes e coordenadas, tanto no âmbito internacional como no local”.
Sublinhou também a necessidade de reformar o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, “cujas estruturas e procedimentos devem refletir as realidades do mundo de hoje e não mais as do período posterior à 2ª Guerra Mundial”.
O prelado afirmou que “a eficácia das medidas adotadas para enfrentar a crise atual deveriam ser avaliadas sempre por sua habilidade em resolver o problema principal”.
E concluiu: “Não deveríamos esquecer que o mesmo mundo que poderia encontrar, em poucas semanas, trilhões de dólares para resgatar os bancos e as instituições financeiras de investimento, ainda não pôde encontrar 1% dessa quantidade para as necessidades dos famintos, começando com os 3 bilhões de dólares necessários para proporcionar alimento aos escolares que têm fome ou os 5 bilhões necessários para apoiar o fundo alimentar de emergência do Programa Mundial de Alimentos”.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Terras em África: a nova corrida


Companhias de países asiáticos e árabes lançaram-se numa corrida sem precedentes para comprarem terras de cultivo em países africanos. Tal processo ameaça despojar milhões de africanos mal alimentadas do único bem que possuem: as suas terras.

Nos finais de Agosto do ano passado, ocorreu no Uganda um episódio já bastante frequente, nos dias de hoje, em muitos países africanos. O jornal da oposição The Monitor, citando fontes da imprensa egípcia, publicou a notícia de que o Governo ugandês aceitara pôr à disposição do país dos faraós 850 000 hectares de terreno (o equivalente a 2,2 por cento da sua superfície) para o cultivo, em grande escala, de trigo e de milho. Poucos meses depois, em Novembro, o ministro da Agricultura do Egipto, Amin Abaza, confirmava esta informação, em declarações ao jornal diário La Dépêche, fornecendo os pormenores sobre os sete investidores egípcios que já estavam a realizar estudos de viabilidade relativamente aos tipos de sementes mais apropriados para cultivar nos campos do Uganda.

Adaptar legislação

Este não é o único país africano onde o Egipto procura terras. Segundo Amin Abaza, o seu país «está a estudar seriamente» a possibilidade de empreender outros projectos de agricultura comercial no Sudão, um país que permite ao Governo dispor das terras com bastante facilidade. De acordo com o Unregistered Land Act (1970), qualquer terra, que não esteja registada de forma oficial, pertence ao Governo. Assim, só uns 6 por cento da terra sudanesa estão na posse de privados, pertencendo ao Governo os restantes 94 por cento. Aquela legislação tornou possível que, nos princípios do ano passado, o grupo saudita Al-Rajhi tivesse podido negociar o arrendamento, por 40 anos, de 40 000 hectares de terra de cultivo. Normalmente, o Governo sudanês só concede terras a investidores estrangeiros por um período de três anos, mas o grupo Al-Rajhi mostrou ter tanta força financeira ao desembolsar logo 70 milhões de dólares, que o Governo decidiu isentá-lo dessa limitação de tempo.

Novo colonialismo

Este novo fenómeno está a apanhar muita gente de surpresa. A própria Igreja Católica, que, sobre o tema da terra, tem bastantes documentos, na sua doutrina social, e que em vários países da América Latina pôs em marcha, nas décadas recentes, Comissões da Terra, que têm funcionado com grande eficácia, de modo a evitar que os seus camponeses ficassem sem as suas propriedades, parece ter mostrado, até agora, pouco interesse sobre este tema. Pelo menos, não existem documentos ou directrizes pastorais que alertem os fiéis para esta nova tendência: a corrida pela compra de terras africanas por parte de países estrangeiros, sobretudo árabes e asiáticos. Este processo foi acelerado de forma vertiginosa durante 2008, sobretudo devido à subida dos preços dos produtos agrícolas nos mercados internacionais e ao aumento da produção de biocombustíveis. O director-geral da FAO, o senegalês Jacques Diouf, lançou a voz de alerta contra aquilo que denominou de «um novo colonialismo», em que uma multidão de países pobres está a pôr as suas melhores terras à disposição de nações ricas, à custa dos seus próprios cidadãos mal alimentados.
A prestigiada ONG internacional GRAIN documentou sistematicamente este fenómeno, que qualifica de «uma corrida pela terra que lembra a expansão colonial da Europa». Entre os países que se estão a apropriar de enormes extensões de terreno em África, destacam-se alguns da Ásia como a China, a Índia, o Japão, a Malásia e a Coreia do Sul, bem como países árabes, aos quais sobra dinheiro e falta água: o Egipto, a Líbia, o Bahrein, a Jordânia, o Kuwait, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos. Em muitos casos, estão a receber ajuda de organizações internacionais, como o Banco Mundial e o Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento, que frequentemente pressionam os países africanos para que mudem a sua legislação e permitam aos estrangeiros aceder à propriedade da terra.

As vítimas

A lista de países africanos, que se apressam a oferecer os seus terrenos ao melhor licitador, a troco de contratos de energia ou de investimentos em infra-estruturas, é longa e aumenta a cada dia que passa: Moçambique, Sudão, Uganda, Angola, Gana, Etiópia, Zâmbia, República Democrática do Congo, Senegal, Tanzânia, Camarões, Zimbabué e Madagáscar.
O problema é que estas terras de cultivo se encontram em países com altos níveis de pobreza e onde as pessoas sofrem de desnutrição. Mais: o galopante aumento da população em África e os estragos causados pelas mudanças climáticas estão a transformar a terra, outrora abundante, num bem escasso. E, como se fosse pouco, os intermináveis conflitos, que têm flagelado muitos países africanos, provocaram a deslocalização de milhões de pessoas que abandonam as suas terras e as deixam expostas à cobiça do primeiro investidor que apareça. No Norte do Uganda, por exemplo, onde a guerra que rebentou em 1986 chegou a deslocar dois milhões de pessoas, começaram a chegar, há dois anos, representantes de companhias indianas à procura de contratos com o Governo para criarem grandes quintas de agricultura comercial, nas terras abandonadas pelos seus donos, há já mais de dez anos. Só a reacção indignada dos parlamentares desta zona e dos seus chefes tradicionais conseguiu paralisar estes projectos que o Governo tinha designado como «desenvolvimento e progresso». Por agora.

Fim do caminho

No fim, muitos camponeses, que não têm outro meio de vida a não ser as suas terras, têm pouca escolha e acabam por emigrar para as cidades onde lhes prometem postos de trabalho em novas unidades industriais, elas também nas mãos de capital estrangeiro, onde acabam por trabalhar em jornadas de mais de doze horas, com salários de 50 dólares por mês e contratos precários. O fim do caminho costuma ser este: ficam sem terras e sem postos de trabalho, engrossando a enorme legião dos novos pobres urbanos dos bairros-de-lata africanos.
A principal debilidade da África, que a expõe de maneira especial a esta nova forma de colonialismo, é o facto de a propriedade tradicional da terra costumar ser comunitária, e de a transmissão de pais para filhos sempre se ter feito oralmente, sem documentos pelo meio. Quem quiser comprar terra na Europa terá de ir e negociar com o seu dono, o qual sempre terá a segurança legal de um título de propriedade. Porém, um mecanismo semelhante não costuma ser habitual em África, onde os camponeses não têm documentos escritos. Quando chega o dia em que se encontram sem as suas terras, não têm mecanismos para as recuperar em tribunal. E, se lhes ocorre aproximarem-se da parcela onde, um dia, os seus avós lhes ensinaram a manejar uma enxada e a distinguir os diversos tipos de sementes, poderão deparar com uma cerca de arame farpado e um cartaz a dizer que para ali vai um projecto assinado por uma poderosa companhia árabe ou asiática, cujo representante nem sequer nunca tiveram a oportunidade de encontrar.


JOSÉ CARLOS RODRIGUEZ, Alem Mar, Maio 2009

terça-feira, 23 de março de 2010

NOTÍCIAS AEFJN – MARÇO 2010




Nota do Secretariado: Queremos agradecer de um modo especial aos que publicam «Africa File», pelo seu compromisso e pela informação preciosa que deles recebemos.

FRACO PADRÃO NO CONTROLE DE ARMAS
Um relatório sobre o massacre em Conakri, na Guiné, mostra que o fraco padrão de controle de armas na Europa e em África contribuiram para os acontecimentos de Setembro passado, quando 156 pessoas foram mortas ou desapareceram e, pelo menos 109 mulheres foram vítimas de violência sexual. O relatório, publicado pela Amnistia Internacional, revela que foram usadas armas e equipamento de segurança da África do Sul e da França. Em reacção ao relatório, o Dr. Cherif Karamo, coordenador da Rede da África Oriental para a Construção da Paz, exigiu que os culpados fossem levados à justiça. «Temos que lutar para que seja feita justiça e para que os responsáveis sejam julgados no Tribunal Internacional Criminal, porque a falta de punição alimenta as violações aos direitos humanos.»
http://www.iansa.org/



SEMANA GLOBAL DE ACÇÃO CONTRA A VIOLÊNCIA ARMADA: 10-16 DE MAIO DE 2010
A Semana Global de Acção Contra a Violência Armada dá o mote para a campanha internacional contra a proliferação e mau uso de armas leves.
Todos os anos os activistas recorrem à Semana Global de Acção Contra a Violência Armada para alertar as consciências e para fazer campanha em favor de melhores leis e legislação mais rígida para o comércio mundial de armas.
Em 2009, os membros da IANSA de mais de 90 países enfatizaram os custos humanos relacionados com o mau uso e a proliferação de armas leves. Exigiram também que os governos favoreçam políticas que coloquem a segurança dos cidadãos em primeiro lugar. Várias organizações da sociedade civil que tomaram parte da Semana de Acção organizaram eventos públicos, alertaram os meios de comunicação social e conseguiram o compromisso de mais pessoas para com o movimento mundial contra a violência armada. Entre outras acções, publicaram o processo da ONU sobre as armas leves, reforçaram a importância do Tratado sobre o Comércio de Armas, promoveram a aplicação do Protocolo da ONU sobre armas de fogo e apoiaram as políticas que relacionam o desenvolvimento com violência armada. Também em 2009 foi lançada a campanha para o desarmamento na violência doméstica através de cerca de 30 eventos em todo o mundo. O objectivo desta campanha é assegurar que o acesso a armas de fogo seja negado a pessoas com antecedentes de violência doméstica.
Para mais pormenores sobre a Semana de Acção ver:
http://www.iansa.org/campaigns_events/WoA2009/index.htm
A Semana de Acção Global cresce todos os anos. Ajude-nos a torná-la ainda maior em 2010:
bruce.millar@iansa.org e http://www.iansa.org/




TERRAS AFRICANAS E EXPLORAÇÕES FAMILIARES: COBIÇA DOS ESTRANGEIROS?
O artigo (em inglês) é muito interessante mas longo de mais para o reproduzirmos nestas Notícias. Poderá encontrá-lo no endereço abaixo ou informando-se junto de Africa File Infoserv : infoserv@africafiles.org .
www.grain.org; www.farmlandgrab.org e http:///seedling/?id=666

Para permitir que a agricultura em África seja tão rentável como a AGRA pretende, a Fundação Gates admite que seja necessário promover a «mobilidade da terra», ou seja, deslocar os pequenos proprietários das suas terras.
Ao longo de vários anos, foram impostas Grandes ideias vindas do estrangeiro. A última é que a região deveria vender ou arrendar milhões de hectares de terra a investidores estrangeiros, os quais levarão recursos e tecnologia actualizada. Nenhum destes projectos teve resultados e os agricultores africanos ficaram ainda mais pobres. É tempo de a África se voltar para a sua própria história, para os seus conhecimentos e recursos.



UMA VOZ AFRICANA FORTE NOS ENCONTROS SOBRE O CLIMA
por Ernest Harsch
http://www.ghanaweb.com/
A África aprendeu uma grande lição na Conferência de Copenhaga sobre as alterações climáticas: que pode influenciar e beneficiar mais se se unir. O autor descreve como a África se comportou na Conferência e as suas conclusões.
http://www.ghanaweb.com/public_agenda/article.php?ID=14523
Os dirigentes africanos foram muitas vezes incapazes de apresentar uma frente comum à escala mundial. Mas não desta vez. Na Conferência de Copenhaga sobre as alterações do clima, o continente apresentou-se às negociações como uma equipa unida e isso foi compensador. O Renovamento africano avalia esta nova e bem recebida mudança. Muitos meses antes da Conferência, a União Africana (UA) decidiu-se por uma participação mais unificada, mais coerente do que a que se fazia em encontros internacionais deste tipo. Para este fim, nomeou o Primeiro-Ministro da Etiópia - Meles Zenawi - para chefiar as negociações em nome do Continente. A África encontra-se muitas vezes à margem das negociações e é geralmente excluída. Mas em Copenhaga, graças a uma única equipa de negociadores, a voz dos dirigentes africanos fez-se ouvir com força.




TANZÂNIA: PEQUENOS EXPLORADORES MINEIROS FAZEM PRESSÃO PARA A REVISÃO DE LEIS
http://www.thecitizen.co.tz/newe.php?id=17528
Os pequenos exploradores mineiros da aldeia de Kalalani, no distrito de Korogwe, região de Tanga, pediram ao governo que restringisse as leis mineiras para permitir que os pequenos exploradores tenham acesso a licenças de exploração. O pedido foi formulado na aldeia de Kalalani num encontro com os jornalistas das regiões de Tanga e Arusha que apresentavam aos prospectores um projecto de ajuda às mulheres e de exploração mineira na região. Falando em nome dos mineiros da aldeia, o Sr. Amanth Ngereka, actual representante local do governo, afirmou que os procedimentos para permitir o acesso, explorar e obter licenças de exploração são demasiado complicados e favorecem principalmente os mais ricos. O Sr. Ngereka acrescentou que os pequenos exploradores mineiros são os que descobrem os minerais e as pedras preciosas, mas que os procedimentos são muito pesados e impedem-nos de obter as licenças e os direitos de exploração. «Um mineiro é obrigado a pagar uma inscrição que pode ir até 400.000Sh», declarou um deles. «Um pequeno explorador mineiro não consegue fazer face a este montante – seria necessário que tivesse passado a vida toda a explorar», acrescentou o Sr. Ngereka. Falou também do custo de recrutamento de técnicos para a vigilância dos espaços e a contratação dos que fixam os limites do terreno. A Sra. Janet Gurisha, uma mulher mineira, sublinhou que a falta de mercados próximos das regiões mineiras tem também uma influência negativa sobre os pequenos mineiros e as pequenas explorações porque eles são obrigados a vender os seus minérios a compradores que oferecem preços reduzidos. Falou da falta de acesso a créditos que permitiriam aos pequenos exploradores mineiros, e sobretudo às mulheres, adquirir equipamentos modernos.



BURKINA FASO: EPIDEMIA DE MENINGITE MATA 246 PESSOAS
http://www.alertnet.org/thenews/newsdesk/LDE61P1FI.htm
Os técnicos de saúde de Burkina Faso (África ocidental) estão preocupados com o aumento de mortos por meningite, que já ascende este ano a 246 pessoas. No ano passado, no mesmo período apenas morreram 203 pessoas.



A ÁFRICA MAIS VULNERÁVEL A DOENÇAS NÃO CONTAGIOSAS
http://www.afrol.com/articles/35451
Peritos vindos de todas as partes do mundo reuniram-se num fórum da ONU e comprometeram-se a elaborar novos planos para contrariar a tendência de as doenças previsíveis e não contagiosas serem responsáveis pela morte de 60% de pessoas no mundo – crises cardíacas, enfartes, diabetes, cancros e doenças crónicas respiratórias.



CHADE: INFLUÊNCIA DO PETRÓLEO NA DINÂMICA DOS CONFLITOS
Claudia Frank e Lena Guesnet
http://www.bicc.de/
O projecto do oleoduto entre o Chade e os Camarões deveria ser um modelo para provar que os investimentos no domínio petrolífero podem favorecer a redução da pobreza e aumentar o desenvolvimento. No entanto, este BICC 41 mostra que os lucros do petróleo são insuficientemente investidos em sectores de desenvolvimento, tais como a saúde e a educação. A população que vive na região petrolífera do sul do Chade está a sofrer com a degradação do ambiente e recebe compensações insuficientes pela deterioração das suas condições de vida. O documento foca o conflito e a sua ligação com a gestão de recursos, informa sobre os impactos dos novos campos petrolíferos e sobre o papel da empresa estatal chinesa – China National Petroleum Corporation – e questiona o modo de como a produção de petróleo influenciou os conflitos entre o Chade, os Camarões e a República Centro-Africana.



ERITREIA: A EXPLORAÇÃO MINEIRA DESAFIA SANÇÕES?
Opinião, Yosief Ghebrehiwet
http://asmarino.com/
Nesta artigo, o autor, Yosief Ghebrehiwet exprime a sua opinião e apela a um reforço das sanções sobre o governo repressivo, as empresas mineiras ocidentais continuarão a agir a seu bel-prazer. O Canadá, o Reino Unido, a China e outros países têm empresas mineiras prontas para se estabelecerem na Eritreia empobrecida. As populações locais são forçadas a deixar o trabalho agrícola para trabalharem nas minas em condições muito próximas da escravatura.
As empresas mineiras ocidentais lançam uma tábua de salvação ao regime brutal da Eritreia
http://asmarino.com/articles/562-eritrea-sanctions-watch-western-mining-companies-throwing-a-lifeline-to-a-brutal-regime-in-eritrea
A possibilidade de uma mudança de regime na Eritreia poderia aumentar seriamente se as sanções impostas (Resolução UNSC de 1907) bloqueassem as explorações mineiras que se preparam para avançar em 2010. Sabemos que não existem na proposta provisões para sanções económicas de conjunto como na África do Sul, pelo menos até à data. Terão certamente impacto, directo ou indirecto, sobre todas as empresas mineiras que se preparam para explorar a Eritreia.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Direitos humanos em África: questão de dignidade


A Declaração Universal dos Directos Humanos tem 60 anos, acabados de celebrar. Em muitos países africanos, ela continua letra morta. Um panorama que está a mudar, graças ao protagonismo da sociedade civil e às organizações africanas que lutam pela defesa dos direitos humanos.

A 10 de Dezembro passado, cumpriram-se 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, princípios jurídicos fundamentais que são inerentes a todos os indivíduos e povos, mas de que são privados ainda milhões de africanos. Contudo, a grande esperança está no crescente protagonismo que a sociedade civil africana tem vindo a adquirir, que em centenas de movimentos, associações e redes exigem o respeito dos direitos humanos e a universalização da justiça.
O ganês Kofi Annan dizia em 2005, quando ainda era secretário-geral das Nações Unidas: «Não teremos desenvolvimento sem segurança, não teremos segurança sem desenvolvimento e não teremos nem segurança nem desenvolvimento enquanto não se respeitarem os direitos humanos.» De facto, a aposta na segurança e a busca da paz foi uma das grandes prioridades do anterior representante máximo da ONU no continente negro. Não em vão, na actualidade existem missões de manutenção de paz no activo em sete países: República Democrática do Congo, Sudão, Darfur, Chade, República Centro-Africana, Costa do Marfim e Libéria, com um total de 61 584 capacetes azuis. É que sem paz não pode haver respeito pelos direitos humanos, e a garantia destes está intimamente ligada aos avanços no progresso e bem-estar das populações. Na África, ao longo destas seis décadas ocorreram grandes mudanças, pois em 1948 ainda não tinham começado os processos de descolonização e hoje todos os países são, pelo menos politicamente, independentes e soberanos, e desfrutam, com maior ou menor grau, de Estados de Direito. Contudo, os direitos humanos foram sistematicamente espezinhados e negados a gerações inteiras de africanos. A chegada das independências não foi garantia, desgraçadamente, de um maior respeito destas prerrogativas, se bem que a maioria delas tenham sido acolhidas nas Constituições recém-estreadas.

Direitos espezinhados

Três dos direitos básicos, como o direito à vida, à liberdade e à segurança de milhões de africanos, não foram respeitados nem garantidos devido aos múltiplos conflitos que os grandes blocos da Guerra Fria transferiram para o solo africano.
A partir da queda do Muro de Berlim em 1989, as grandes potências, sobretudo a França e os Estados Unidos, não duvidaram em incitar a rebeliões, guerrilhas ou apoiar regimes autocráticos, com o objectivo de continuarem a controlar recursos naturais e matérias-primas, deixando um rasto de milhões de vítimas civis pelo caminho, como está a suceder na República Democrática do Congo. Só entre 1990 e 2005, 23 países africanos foram afectados por conflitos, alguns de longa duração. Basta recordar alguns dos números «do horror»: em Angola, os 27 anos de guerra, o conflito mais longo de África (1975-2002), deixaram uma esteira de 500 000 mortos, 4 milhões de refugiados e 100 000 mutilados; a guerra entre o Norte e o Sul do Sudão, que durou 22 anos (1983-2005), ceifou a vida de dois milhões de pessoas e mais de quatro milhões de refugiados e deslocados; as 70 000 mortes na Serra Leoa e outras centenas de milhares na vizinha Libéria; as 800 000 vidas do genocídio ruandês; os cinco milhões de mortos sacrificados na guerra da República Democrática do Congo (1997-2003), o conflito do Norte do Uganda, com 30 000 crianças sequestradas transformadas em soldados…
Onde está aqui o respeito pelo direito à vida? Além disso, os conflitos armados representaram para África uma perda nestes 15 anos de 300 000 milhões de dólares, segundo um relatório publicado pela Oxfam Internacional, IANSA e Saferworld. Um montante mais que suficiente para cobrir o acesso a água potável, a saneamento adequado, a escolarização dos 45 milhões de crianças sem acesso a educação… Não se pode obviar que na África Subsariana um quarto da população – cerca de 210 milhões de pessoas – vivem com menos de um dólar por dia, algo que cerceia os direitos ao bem-estar e a uma vida digna acolhidos também nesta lei das leis. Por último, ainda hoje os conflitos abertos que fazem correr sangue no continente – Darfur, Somália, Leste do Congo, Chade, República Centro-Africana – e os conflitos pós-eleitorais do Quénia e do Zimbabué representam uma negação dos direitos mais básicos de milhões de africanos.

Mudanças profundas

Nestas décadas, o continente conheceu profundas mudanças políticas, económicas e sociais. Também se tem de salientar o fim do regime do apartheid – literalmente, segregação –, baseado na discriminação económica, política e social por razões de raça, que acabou em 1994 e que paradoxalmente começou a funcionar no mesmo ano da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Um dos avanços mais destacados nestas décadas é a tendência dos Estados africanos para abolirem a pena de morte. É o caso de Ruanda, que a aboliu em Julho de 2007; do Gabão, que fez o mesmo em Setembro do mesmo ano; ou do Mali, que apresentou ao Parlamento um projecto de lei abolicionista. Ainda assim, houve execuções na Etiópia, Guiné Equatorial, Somália, Sudão e Uganda, países onde os tribunais militares ordenaram a execução de soldados. Também, e apesar dos escandalosos casos de violência sexual exercida no Leste do Congo, Costa do Marfim e Burundi, temos de aplaudir que alguns países tenham legislado durante 2007 contra os delitos de violência intrafamiliar, como o caso do Gana, Serra Leoa ou Quénia, onde foi aprovada em 2006 uma lei contra delitos de natureza sexual.
No papel, todas as Constituições africanas contemplam e acolhem os direitos humanos, outro assunto é que se cumpram. Além disso, todos os países membros da actual União Africana assinaram a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, proclamada em 1987 em Banyul (Gâmbia). Esta carta instituía nos seus artigos 30-33 a Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos, encarregada de fomentar os direitos humanos na África. A Carta faz uma referência explícita à Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Contudo, os seus autores quiseram dar uma identidade própria que destacasse as particularidades africanas. Assim, reconhecem-se o direito à descolonização, à livre disposição dos recursos naturais, à paz... E, sobretudo, realçam que estes direitos não devem ser apenas inerentes ao indivíduo, mas que se aplicam também a um grupo ou colectividade, aos povos africanos, reconciliando-se assim com a tradição africana mais caracterizada pelo comunitarismo que pelo individualismo.

Para uma justiça universal

Para tornar efectivos os direitos acolhidos na Carta, a Comissão da União Africana pôs em funcionamento em 2004 o Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos. Agora basta dotá-lo dos mecanismos e do pessoal especializado para tornar efectivas as suas competências.
Também a entrada em vigor do Tribunal Penal Internacional (TPI) em 2002 marca um autêntico marco histórico neste sentido, cujo objectivo primordial é julgar todos os que possam ter cometido crimes contra a humanidade ou crimes de guerra. Em Julho passado, o procurador-geral do TPI, Luis Moreno Ocampo, emitia uma ordem de detenção contra o presidente sudanês Omar el-Bashir, um facto sem precedentes na história do direito internacional. O facto de na África se concentrarem vários processos abertos contra ex-presidentes ou líderes – como é o caso do ex-presidente chadiano, Hissène Habré, ou o ex-presidente liberiano, Charles Taylor, acusado de crimes de guerra durante o conflito da Serra Leoa, ou a ordem de busca e captura de Joseph Kony, líder do Exército de Libertação do Senhor e responsável do sequestro de 30 000 crianças no Norte do Uganda – abriu o debate sobre se o TPI foi criado unicamente para os países pobres. São vários os juristas africanos que questionaram que, por exemplo no caso do Sudão, o processo aberto contra o seu presidente cria obstáculos ao delicado processo de paz.

Despertar as consciências

Talvez precisamente porque as situações de injustiça são mais clamorosas na África, é inquestionável o protagonismo que adquiriram a sociedade civil no momento de tomar consciência dos seus direitos e exigir o seu cumprimento. Cada vez há mais membros de movimentos, redes, instituições da Igreja e ONG que aderem a espaços globais – o Fórum Social Mundial, por exemplo – como âmbitos de alternativas perante as injustiças, sob o lema «Outro mundo é possível».
Aminata Traoré, conhecida altermundialista e impulsionadora do Fórum Social Africano, além de ex-ministra da Cultura do Mali, considera fundamental, para que o continente saia da opressão, «o despertar das consciências dos africanos e africanas; a organização da resistência à mundialização neoliberal e a proposta de alternativas à submissão dos nossos Estados às nações ricas e às instituições financeiras internacionais».
Trabalhar para que os direitos humanos sejam uma realidade na África – como estão a fazer nas diversas comissões de justiça e paz dependentes de órgãos eclesiais na África milhares de africanos, à semelhança de outros organismos internacionais, nacionais e locais – é um dos aspectos mais esperançadores que se têm de realçar na comemoração dos 60 anos de uma declaração de direitos universais que ainda estão muito longe de serem usufruídos pela imensa maioria das populações africanas.


África Gerardo Gonzalez, Alem Mar, Janeiro 2009

quinta-feira, 4 de março de 2010

Superpotências: ao assalto da África


No século XXI, África constitui-se definitivamente como fornecedor de recursos naturais das duas superpotências. A China não impõe contrapartidas políticas, enquanto os Estados Unidos não são indiferentes aos problemas de segurança e às emergências humanitárias. A não ingerência de Pequim é mais sedutora para os Estados africanos.

Com a ascensão da China ao estatuto de superpotência, o novo milénio apresenta-se como um mundo bipolar tendo como centros Washington e Pequim. A nova realidade é visível especialmente no relacionamento do G2, a China e Estados Unidos, com África. Os países do continente menos desenvolvido passaram a contar com as opções das vias norte-americana ou chinesa. Pequim oferece a harmonia ao proclamar a ajuda ao desenvolvimento sem pré-condições e ao prezar a paz, desenvolvimento e comércio e ignorar modelos políticos ou económicos. O gigante asiático não está nos negócios com África para exportar modelos de desenvolvimento ou projectos políticos, em oposição aos Estados Unidos, que pretendem contrapartidas como mais democracia, liberdade, direitos humanos e o domínio da lei.
O Governo de Hu Jintao pretende apenas fazer negócios em paz sob a sua concepção do mundo em que o crescimento é o objectivo absoluto. Uma visão estratégica assente na convicção de que a economia resolverá a maioria dos problemas de direitos e desenvolvimento humano do continente. Esta ênfase na harmonia abona a favor de Pequim, tanto mais que rivaliza com a estratégia de compensações norte-americana. «Se o consenso de Washington é ideologicamente intervencionista, o emergente consenso de Pequim parece ideologicamente agnóstico», observa Roger Cohen, colunista do diário «The New York Times».
Enquanto a Administração norte-americana condiciona a ajuda a África à democracia e combate à corrupção, a China faz acordos energéticos sem pré-condições como o estabelecido no FOCAC, o fórum de cooperação China-África. Os países africanos têm agora uma superpotência alternativa e podem desvalorizar não só os Estados Unidos, como o G8, grupo dos países mais industrializados, e as ONG de ajuda ao desenvolvimento, muito preocupadas com a boa governabilidade e os direitos humanos.

Carregar fardos

Ao fazer diminuir a influência norte-americana, a abordagem chinesa tem como consequência a ajuda a presidentes ditadores, ainda que os Chineses usem discretamente o seu novo poder, como se verificou nas eleições presidenciais de 2008 na Zâmbia, onde a China fez importantes investimentos na mineração e processamento de cobre. Quando Michael Sata, candidato da oposição, denunciou as condições de trabalho oferecidas pela China aos trabalhadores, Pequim deixou bem claro que a Zâmbia sairia prejudicada se Michael Sata vencesse. O eleito viria a ser Rupiah Banda, do partido no poder. «Uma superpotência retraída é um paradoxo. A harmonia pode ser a meta, mas as divergências fazem parte do fardo global que qualquer superpotência terá de carregar», esclarece o colunista Roger Cohen.
No conflito que devasta o Darfur (Sudão) desde 2003 e já provocou 200 mil mortos e dois milhões de deslocados, só em 2007 a China aceitou participar na UNAMID, a força de manutenção da paz das Nações Unidas e União Africana. Fornecedora de armas ao país, em troca de facilidades na compra da maior parte da sua produção petrolífera, a China era um dos principais aliados do presidente sudanês, Omar al-Bechir, que se opunha ao destacamento de 20 mil capacetes azuis para a região.
A China é também criticada por vender armas a governos africanos que figuram na lista de desrespeito pelos direitos humanos dos países ocidentais. Jendaye Frazer acredita que «à medida que investir e celebrar mais contratos, a China sentir-se-á tentada a promover o primado da lei», disse a responsável do escritório para África do Departamento de Estado norte-americano. Os Estados Unidos estão agora a encorajar a China a apoiar a EITI, a iniciativa de transparência para a indústria extractiva em África.
Em Agosto, a secretária de Estado norte-americana fez um périplo por sete países da África para fazer frente à influência da China no continente. A viagem de Hillary Clinton aconteceu três semanas depois de o presidente norte-americano, Barack Obama, ter visitado o Gana e dito aos líderes africanos para agirem de forma mais responsável, alertando que, para receber ajuda ocidental, é preciso haver boa governabilidade.
O director-executivo do Institute for Global Dialogue, uma organização independente sul-africana, admite que «o compromisso da China com a África não está exactamente de acordo com as expectativas ocidentais», afirma Garth lePere. Os princípios nos quais se baseia a política chinesa são resultado da teoria do ex-presidente Jiang Zemin (1993 a 2003), que privilegia os benefícios mútuos, desenvolvimento comuns e a não interferência nos assuntos internos.
Por sua vez, o embaixador norte-americano no Jibuti, James Swann, diz que os Estados Unidos não vêem «o envolvimento de alguns países em África como algo que necessariamente exclui outros». Contudo, não deixa de apelar a que a China respeite as «normas internacionais». O CSIS, centro de estudos estratégicos internacionais, conclui que a «ofensiva chinesa em África poderá beneficiar o continente de um modo construtivo e fazer aumentar o estatuto de África em termos geopolíticos».

Má fama

O petróleo é a fonte de energia dos compromissos do G2 com África. Pequim gasta milhares de milhões de dólares para assegurar direitos de exploração de petróleo na Nigéria, Sudão e Angola. Também assinou acordos de exploração com a RD Congo e Etiópia. África representa 25 por cento das importações de petróleo feitas pela China, que tem a intenção de aumentá-las para diversificar os seus fornecedores.
Em 2005, o continente africano forneceu aos Estados Unidos 18 por cento das suas importações de petróleo, mais do que os Estados Unidos importam actualmente do Médio Oriente. Na próxima década, prevê Brett Schaefer, da Heritage Foundation, «as exportações africanas de petróleo duplicarão» e as importações norte-americanas de petróleo africano alcançarão os 25 por cento. Cada vez mais, a instabilidade e as crises humanas como a do Darfur estão a obter maior atenção dos Estados Unidos, «primeiro por preocupações humanitárias, mas também por causa de interesses estratégicos», comprova Brett Schaefer.
A companhia petrolífera nacional chinesa está particularmente activa no Sudão, onde construiu um oleoduto para o mar Vermelho e uma refinaria em Cartum. Também controla a maior parte de um campo de petróleo no Darfur. Além do Sudão, a China está activa em Angola, onde concedeu uma ajuda de 2 mil milhões de dólares para garantir direitos de exploração petrolífera. Na Zâmbia, a China investiu 170 milhões de dólares no sector da extracção de cobre. Pequim está ainda a investir em actividades na área do cobalto e do cobre na RD Congo, a explorar madeira no Gabão e na Libéria e profundamente envolvida no Zimbabué.
Esta competição por recursos está a levar a China a uma abordagem muito exploradora de África. «Os Chineses investem na exploração dos recursos e em troca apoiam os mais autoritários, chauvinistas e maus políticos», denuncia Radha Kumar, directora do Nelson Mandela Centre for Peace and Conflict Resolution. A investigadora indiana assinala que «ainda não há suficiente força nos partidos políticos das democracias africanas para resistirem ou negociarem contra uma abordagem expropriadora de África». Radha Kumar insiste que «os recursos não são tão importantes que justifiquem a má fama», sentencia.

Harmonia vs. Democracia

Em 2008, o comércio entre a China e os países africanos atingiu a soma recorde de 107 mil milhões de dólares, um aumento de 45 por cento em relação ao ano anterior. Ao contrário do que acontece com os Estados Unidos, país com que a China tem elevados excedentes comerciais, no caso de África, o saldo da balança comercial é favorável aos países africanos. O regime comunista tornou-se o maior exportador para o continente africano, com uma quota de quase 10 por cento do mercado, em 2007, de acordo com o US Department of Commerce. Os Estados Unidos continuam em segundo plano, com 5 por cento das exportações. Em 2008, o volume de negócios de África com a China atingiu 104 mil milhões de dólares e com os Estados Unidos 267 mil milhões de dólares, segundo o diário económico «Finantial Times».
Para suportar estas relações comerciais, Pequim e a União Africana institucionalizaram o diálogo estratégico no FOCAC, fórum que em 2008 reuniu 48 dos 53 países do continente em Adis-Abeba (Etiópia). Na altura, o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, visitou o Egipto, Gana, RD Congo, Angola, África do Sul, Tanzânia e Uganda. Pouco antes, o presidente, Hu Jintao, tinha visitado Marrocos, Nigéria e Quénia.
Esta intensa actividade diplomática leva a superpotência asiática a colaborar com alguns regimes ditatoriais de África. A Amnistia Internacional acusa Pequim de incentivar conflitos e violações de direitos humanos ao vender armas para regimes repressivos como os do Sudão e Zimbabué em troca de petróleo e minério. O vice-primeiro-ministro chinês, He Yafei, defende ser «tendencioso ou equivoco dizer que os vínculos de Pequim com África são apenas por causa do petróleo», esclarecendo que «a intenção da cooperação sino-africana é o benefício recíproco». Como parte das contrapartidas, a China oferece assistência económica e técnica, empréstimos sem juros e créditos preferenciais. Empresas chinesas participam na construção de estradas, hospitais, obras sanitárias, palácios e recintos desportivos. Cerca de nove centenas de projectos de investimento estão a ser financiados com dinheiro chinês.
O mundo bipolar sino-americano é uma nova era de disputa entre capitalismo democrático e capitalismo de partido único, uma luta entre a liberdade pluripartidária de Washington e o crescimento sem pré-condições mais sedutor de Pequim.
Os Estados Unidos desejam cooperar com a China na ajuda ao desenvolvimento de África. Em 2008, a responsável pelo Bureau of African Affairs admitiu a existência de oportunidades para que Washington e Pequim cooperem com o continente na construção de infra-estruturas, na agricultura e saúde. Segundo Jendaye Frazer, a ajuda coordenada das duas superpotências poderia evitar a duplicação de projectos e conduzir a uma maior racionalidade e eficiência de utilização dos recursos. Mas, para que essa colaboração aconteça, sublinhou Jendaye Frazer, a China terá de ser mais transparente na concessão de financiamentos e nos critérios de alívio da dívida aos países africanos. «Não pretendemos ver as dívidas serem canceladas, por um lado, e, por outro, a China levar os países africanos a um endividamento insustentável», disse.
Em Novembro, o presidente americano, Barack Obama, fará sua primeira visita presidencial à China para estreitar laços entre os Estados Unidos e o país asiático. Segundo o embaixador norte-americano em Pequim, Jon Huntsaman, «nunca houve um período mais importante para que os Estados Unidos e a China se unam e descubram os seus interesses em comum». África é um dos mais valiosos.



Carlos Reis, Além Mar, Novembro 2009

quarta-feira, 3 de março de 2010

Sudão 365 – Activistas em todo o mundo exigem mudanças


A campanha Sudão 365 foi lançada a 9 de Janeiro de 2010, uma vez que após 365 dias dessa data deverá ser realizado um referendo que determinará o futuro do Sudão. A população do Sul do Sudão irá votar para decidir se deseja continuar a fazer parte de um Sudão unido ou prefere formar um país independente.

O próximo ano trará sérios riscos para os Direitos Humanos, com os continuados abusos aos Direitos civis e políticos e um aumento dos ataques a cidadãos. As eleições de Abril de 2010 e o referendo em Janeiro de 2011 representam preocupantes focos de violência.

Em 2009, mais de 2.500 pessoas foram assassinadas no Sul do Sudão e mais de 350.000 foram desalojadas. No Darfur, na sequência de um conflito que já vitimou centenas de milhares de civis, os ataques contra a população continuam e milhões sofrem diariamente nos campos de refugiados. É necessária uma acção internacional urgente que vise proteger os Direitos Humanos.

A Amnistia Internacional uniu-se à campanha Sudão 365 para coordenar, com diversas organizações, um apelo à comunidade internacional para que esta reforce o seu envolvimento no Sudão. Trabalhando como uma coligação a nossa voz soará mais alto e seremos capazes de alcançar uma maior audiência.

A campanha foi lançada com uma “batida pela paz” (beat for peace) e é liderada por bateristas mundialmente famosos incluindo: Phil Selway, dos Radiohead; Stewart Copeland, dos The Police; Nick Mason, dos Pink Floyd; Jonny Quinn, dos Snow Patrol; Caroline Corr, Richard Jupp, Elbow, Mohammed Mounir; celebridade do Médio Oriente e Mustapha Tettey Addy, que não tocava bateria desde 1970. A batida foi escutada por activistas de todo o mundo, do Mali a Belfast, do Cairo a Washington DC, de Oslo a Nairobi.

A campanha apela a uma acção global coordenada para prevenir novas crises no Sudão. À medida que o ano avançar, apelaremos para que sejam realizadas acções específicas para garantir a protecção dos Direitos Humanos no Sudão. Durante Abril, a iniciativa Sudão 365 coordenará um Dia de Acção Global. Esta iniciativa começará por fazer exigências específicas sobre como deverá ser a acção global coordenada.

Sasha Jesperson
Campanha do Sudão – Amnesty International

terça-feira, 2 de março de 2010

II Sínodo africano: quando a igreja «faz política»


A situação em que se encontra o continente africano desafia a missão cristã a desenvolver uma sua práxis de transformação social. A evangelização da África, feita a partir da Europa durante o século XIX, foi expressão do empenho dos católicos europeus no campo social. Um empenho, o do apostolado social, que o presente sínodo está chamado a relançar valorizando os leigos e as mulheres, em especial.

De 5 a 25 do mês de Outubro de 2009, celebrou-se em Roma o II Sínodo Africano sob o tema: «A Igreja em África ao serviço da reconciliação, da justiça e da paz». Os participantes iniciaram as suas reflexões a partir do Documento de Trabalho (Instrumentum Laboris) entregue ao episcopado africano por Bento XVI em Yaoundé (Camarões), a 19 de Março, durante a sua primeira viagem à África.

Pontos importantes

Nos primeiros dois capítulos do Documento de Trabalho, há duas temáticas que considero importante sublinhar. Primeiro, a necessidade que o mundo aprenda a viver uma «coexistência planetária», porque o pluralismo das raças, das religiões, das etnias e das classes sociais não é um fenómeno limitado à África, mas presente em todas as cidades ocidentais. Segundo, a urgência de reconhecer a «subjectividade africana» com vista a uma nova reorganização da ordem mundial: um continente com mil milhões de pessoas (e 200 milhões de filhos e filhas espalhados na diáspora negra), com imensos recursos, muitos dos quais indispensáveis ao desenvolvimento do mundo inteiro, não pode continuar a ser totalmente ignorado, sob pena de uma crescente desestabilização, destinada a gerar sempre novas vagas de migrações e emergências humanitárias de difícil gestão.
As religiões e as Igrejas – em particular a Igreja Católica – podem dar um contributo específico quer à construção da «subjectividade africana», indispensável para a solução dos muitos problemas internos ao continente, quer ao nascimento de um «protagonismo negro» no contexto de uma coexistência planetária.
Neste texto pretendo comentar brevemente o terceiro e quarto capítulos do documento de trabalho, que apresentam a Igreja como «actor social» e detentora da uma sua «práxis de transformação em campo social».

Sacramento de salvação

Parafraseando João Paulo II, o texto diz: «A Igreja torna-se sinal visível e instrumento de justiça, de paz e de reconciliação operadas por Cristo em benefício do género humano, quando ela vive em coerência com a sua identidade de “sal da terra” e “luz do mundo”» (89). No bem e no mal, a Igreja sempre foi um «actor social». No bem, quando a sua atenção aos pobres e o seu empenho em defender a dignidade de cada pessoa humana – imagem de Deus – foram sentidos e vividos como dois dos sinais mais característicos da sua fé em Jesus Cristo. No mal, quando a comunidade eclesial se deixou manipular pelos poderes políticos e se tornou serva deste ou daquele regime e defensora do status quo. O verdadeiro rosto da Igreja «sacramento de salvação» deve ser procurado sobretudo na vida dos santos, isto é, daqueles que acolheram os carismas-dons do Espírito e produziram frutos de justiça, paz e reconciliação.
A onda de evangelização da África, verificada no século XIX, coincidiu com o início, na Europa, de um empenho sistemático em campo social por parte dos católicos, em resposta às problemáticas surgidas com as grandes revoluções oitocentistas, sobretudo a industrial. (A reflexão teológica por parte do magistério chegou mais tarde, em Maio de 1891, com a promulgação da encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, com a qual, pela primeira vez, a Igreja Católica tomava posição em relação às questões sociais.) Todos os grandes evangelizadores que naquele tempo dirigiram a sua atenção (e as forças dos institutos por eles fundados) para a África estavam animados por um espírito marcadamente social. E é por isso que, ainda hoje, a ligação entre anúncio evangélico, vida de fé e transformação social é muito mais sentida neste continente que em outros. Na Ásia e nas Américas a evangelização tinha tido lugar nos séculos XVI e XVII, quando a relação entre vida de fé e problemas sociais era vivida geralmente a nível de «caridade» e de «esmola», e a missão era de natureza quase exclusivamente religiosa. Também em África os missionários entraram com a mensagem religiosa em primeiro plano, mas no seu modo de trabalhar a atenção pelo social constituía uma parte integrante da evangelização, sobretudo por se terem deparado com problemas de carácter social e cultural de enormes dimensões (escravatura e tráfico esclavagista, condições miseráveis em que a mulher se encontrava, doenças devastadoras…) e terem sentido a urgente necessidade de uma organização social mais em linha com a acelerada e inevitável modernidade.

No feminino

O chamado «apostolado social» em África teve um salto de qualidade com a chegada e a presença das mulheres entre o pessoal missionário. Tratava-se de uma novidade inteiramente nova. Antes de 1800, as missionárias estavam totalmente ausentes da África; em 1914, pelo contrário, eram a maioria. Na mulher missionária a opção da Igreja pelos pobres atingiu níveis nunca antes conseguidos. A sua amorosa atenção aos últimos (como os portadores de deficiências físicas e psíquicas), o seu incansável cuidado dos doentes nos hospitais e nos dispensários, a sua proximidade aos doentes de lepra (símbolo dos excluídos e dos rejeitados), o seu empenho na escola faziam dela um autêntico «agente de mudança social». A importância da sua presença não desvaneceu na África de hoje. E o Instrumentum laboris podia e deveria ter reconhecido mais explicitamente o seu papel no processo de reconciliação, na luta pela justiça e paz no continente, mesmo em espaços dominados ou dependentes da hierarquia eclesial ou dos sacerdotes.
Também a «regeneração da África» propugnada por São Daniel Comboni no seu Plano de 1864 implicava uma clara dimensão social, para além de religiosa. «A missão está ao serviço da fé e da civilização». O Instrumentum laboris faz uso de categorias certamente mais bíblicas («a justiça do Reino»; «a paz do Reino»; «Reino e justiça de Deus»; «igreja, sacramento de reconciliação»…), mas estas correm o risco de perder o carácter concreto e o relevo que elas têm na Bíblia, se destituídas da sua dimensão social.

Actor social

Considero importantíssimo que o Instrumentum laboris sublinhe várias vezes que a Igreja é chamada a trabalhar no contexto social e a assumir as suas responsabilidades diante das transformações em curso na sociedade africana. Frequentemente, de facto, também em África como no resto do mundo, políticos e analistas da coisa pública não escondem um certo ressentimento quando vêem as comunidades cristãs e religiosas intervir de maneira directa na análise e na solução de problemas sociais. Acusam a Igreja de «fazer política», em vez de ficar tranquila no seu mundo espiritual e dentro das paredes da sacristia. Tentam inclusive corroborar a sua tese citando um versículo do Evangelho: «Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus» (Mt 22,21), pensando com isso justificar uma total separação entre religioso, social e político.
Não pode haver dúvidas: da forma como Jesus Cristo associou de maneira indivisível a fé em Deus ao amor do próximo, a ponto de fazer do segundo a «prova» do primeiro, a atenção ao pobre e ao marginalizado e o empenho em eliminar as causas da pobreza e da marginalização tornaram-se características essenciais do cristianismo.
Perante os problemas sociais, a Igreja não pode fugir. Pode hoje parecer surpreendente ler na Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo (Gaudim et Spes), aprovada em Dezembro de 1965 pelo Concílio Vaticano II, uma afirmação como a seguinte: «A missão própria confiada por Cristo à sua Igreja, não é de ordem política, económica ou social: o fim que lhe propôs é, com efeito, de ordem religiosa» (42). E apesar de logo a seguir precisar que «justamente desta mesma missão religiosa derivam encargos, luz e energia que podem servir para o estabelecimento e consolidação da comunidade humana segundo a lei divina» (ib.). Deve-se, por isso, ter presente que aquela afirmação é uma citação quase literal de uma passagem do Discurso de Pio XII a cultores de história e de arte, no longínquo Março de 1956. Desde então registou-se uma notável evolução, até mesmo no magistério eclesial, acerca das estreitas relações existentes entre social, cultural, político e religioso. Recentes estudos de antropologia social e de teologia bíblica demonstram que estes âmbitos da vida humana não podem nunca ser totalmente separados.
É de esperar, portanto, que o sínodo africano saiba elaborar uma definição de Igreja como «actor social» de pleno direito. Só assim a fé poderá mostrar que tem um relevo também histórico: precisamente aquele relevo que Cristo, o Deus incarnado, quis que tivesse. Isso não significa propor e defender regimes teocráticos. Significa, pelo contrário, «relatar» ao mundo as interessantes experiências que as Igrejas do continente têm tido – e continuam a ter – nos mais diversos contextos sociais, muitas vezes em colaboração com outras religiões (Islão, Hinduísmo…). O sínodo pode revelar-se uma ocasião propícia para uma profunda reflexão sobre estas experiências, também em vista de um enriquecimento de todo o tratado de eclesiologia, especialmente em matéria de relações Igreja-mundo.

Justiça, paz e... leigos

A criação do Conselho Pontifício da Justiça e da Paz e a difusão das comissões «Justiça e paz» em todas as conferências episcopais nacionais e em cada uma das dioceses e paróquias são passos positivos neste sentido. O Instrumentum laboris fala longamente delas, em particular no capítulo IV.
Aquilo sobre o que o sínodo se deverá interrogar (disposto também a rever inteiramente a questão) é a competência daqueles que, em geral, são propostos para estas comissões e a incidência que eles têm sobre o resto da pastoral eclesial. É hora de os bispos africanos (e não só) aceitarem de bom grado o reiterado convite expresso nos documentos oficiais da Igreja (veja-se o decreto sobre o apostolado dos leigos, Apostolicam Actuositatem, do Vaticano II, e a exortação apostólica pós-sinodal sobre a vocação e missão dos leigos na igreja e no mundo, Christifideles laici, de João Paulo II) a reconhecer que nestas comissões o papel proeminente compete aos leigos. A ordenação sacerdotal ou episcopal não garante a adequada competência exigida pelo apostolado social, que implica contínuos contactos com a sociedade civil e com a comunidade internacional. Tal competência é determinada pela comunidade civil e política, e a Igreja deve adaptar-se a ela, se quiser ser um interlocutor credível. Corre-se o risco do ridículo quando se pretende que a «competência» prescrita pelo direito canónico para a ordenação sacerdotal se possa considerar garantia suficiente para qualquer tipo de presença eclesial no mundo. A este propósito, não se pode deixar de dar o próprio assentimento ao seguinte trecho do Instrumentum laboris: «Um desenvolvimento da liderança dos leigos entre as Igrejas dos vários continentes favoreceria o intercâmbio de peritos nos diversos âmbitos que concernem a paz e a justiça, e poderiam colaborar nas instâncias internacionais pela causa da justiça e da paz em nome da sua fé comum em Jesus, Príncipe da Paz» (122).

Magistério social

Os muitos documentos dos papas, do Conselho Pontifício para a Justiça e a Paz, das conferências episcopais e de cada um dos bispos sobre os problemas sociais constituem já uma doutrina vastíssima. Doutrina que, no entanto, não chega a incidir sobre a vida dos cristãos e da sociedade. O motivo é fácil de indicar: este ensinamento, embora definido por João Paulo II «parte essencial do anúncio evangélico hoje», é ignorado na catequese ordinária; mesmo textos fundamentais como o Catecismo da Igreja Católica não lhe fazem uma alusão explícita; para não falar das homilias dominicais pronunciadas nas nossas igrejas, que fazem deste ensinamento «o ensinamento da Igreja mais bem guardado».
Há depois o problema da metodologia a seguir, quando se pretendem analisar os problemas sociais. Na carta apostólica Octagesima Adveniens, publicada em 1971 por ocasião do 80.º aniversário da Rerum Novarum, nas vésperas do importante sínodo dos bispos sobre a justiça no mundo, o Papa Paulo VI dera orientações muito precisas sobre como um magistério social dos bispos deve ser desenvolvido. Mas também este texto permaneceu letra morta. Um verdadeiro magistério social dos bispos exigiria, por sua vez, um contacto permanente com as instituições académicas e com os leigos católicos envolvidos no mundo político, económico e social; contactos que ainda não existem.
O Instrumentum laboris menciona os vários organismos envolvidos naquela que deveria ser uma práxis de transformação social cristã, como também os actores deste «ministério». É dado grande destaque aos actores hierárquicos, dando quase a impressão de que a hierarquia seja o primeiro protagonista, quando, de facto, são os leigos e os religiosos. Neste texto, é descrito brevemente aquilo que fazem, mas não se avalia o seu impacto real e não se arriscam pistas novas. Se o documento final do sínodo se assemelhar ao Instrumentum laboris será uma manta de citações de documentos passados, todos escritos no século XX ou até antes, dirigido a um mundo e a uma África que vivem um hoje totalmente diferente de ontem. E terá sido uma ocasião perdida.


Francesco Pierli, Além-Mar, Outubro 2009