quinta-feira, 6 de outubro de 2011

No Darfur o povo continua a sofrer – venha ouvir um testemunho na primeira pessoa



No dia 13 de Outubro, 5ª feira, às 17h30, na Livraria Bertrand do Chiado, em Lisboa, venha ouvir o testemunho na primeira pessoa de um missionário comboniano, o Padre Feliz Martins, que desde 2006 se encontra na região de Nyala, no sul do Darfur, mas que soma já quase 20 anos de vivência no Sudão. Neste evento, també

m se realizará a entrega simbólica do valor angariado pela Porto Editora referente às vendas da edição do livro "Lágrimas do Darfur", à Plataforma porDafur. Lembramos que por cada livro vendido, 1 euro, revertia para o trabalho da Plataforma porDarfur.

Antes do evento vamos contar com a participação do grupo Tocá Rufar, que na zona circundante à livraria, tocará os seus tambores enquanto serão distribuídos folhetos sobre a iniciativa. Esta acção será integrada na campanha internacional A Beat for Peace, que teve início no Sudão e alastrou-se a todo o mundo, tendo contado com a participação de centenas de artistas internacionais que desta forma fizeram um apelo pela paz no Sudão.

A AI Portugal deseja agradecer às voluntárias Mariana Belo e Sofia Lacerda pela colaboração na concepção gráfica dos materiais para esta acção.

A Plataforma porDarfur é dinamizada pela Amnistia Internacional, Associação Mãos Unidas Padre Damião, Comissão Justiça e Paz dos Religiosos, Fundação Ajuda à Igreja que Sofre, Fundação Gonçalo da Silveira, Missionários Combonianos, Rede Fé e Justiça Europa-África.

sábado, 27 de agosto de 2011

Continua emergência humanitária no Nordeste Africano


Cada 11 semanas, morre 10% da população somali menor de 5 anos

ROMA, sexta-feira, 26 de agosto de 2011 (ZENIT.org) – Pouco mais de um mês após o dramático apelo lançado por Bento XVI, no domingo, 17 de julho, por ocasião da oração mariana do Ângelus, continua a catástrofe humanitária no Corno de África, particularmente na já martirizada Somália: depois do Bakool Meridional e da Baixa Shabelle (especialmente os distritos de Balcad e Cadale), a de Benadir, que compreende a área da capital Mogadíscio, e o chamado corredor de Afgoye.
E tudo indica que as coisas não mudarão muito. “Não cometamos o erro de acreditar que o pior já passou, advertiu em Genebra o porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (UNHCR), Adrian Edwards (Agência EFE, 12 de agosto). “A situação não melhorará, pelo menos até janeiro”, confirmou, por sua vez, a coordenadora das intervenções humanitárias da Fundação Cooperação Internacional (COOPI) na Somália, Gemma Sammartin (Repubblica.it, 4 de agosto).
A emergência se estende também ao norte da Somália, em particular ao Puntland, ou seja, à região semi-autónoma que forma a ponta extrema da África Oriental. “As populações perderam 85% do gado pela seca e a porcentagem de desnutrição aguda chegou a 25% nos campos de refugiados de Bosaso, e a 23,6% na região do Karkaar”, declarou Daniele Timarco, de Save the Children Italia.
Segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), disponíveis em seu site (www.unicef.it, 17 de agosto), pelo menos 12,4 milhões de pessoas afetadas pela seca nos quatro países têm “necessidade imediata, urgente de ajuda humanitária”. As estimativas falam, de fato, de 4,8 milhões no leste da Etiópia, 3,7 milhões na Somália (das quais 2,8 milhões no sul do país), outros 3,7 milhões no nordeste do Quénia e, finalmente, 165 mil no pequeno Jibuti.
Ainda segundo a UNICEF, somente na Somália, 1,85 milhões de crianças precisam de assistência e mais de 780 mil estão desnutridas – 640 mil nas áreas meridionais. Deste último grupo, 310 mil crianças – isto é, quase a metade – sofrem de desnutrição aguda grave. Em todo o Corno de África, 600 mil crianças se encontram em perigo imediato de morte, ao serem afetadas pela desnutrição grave. “Calcula-se – lê-se no Situation Report da Cáritas Somália, enviado à agencia Fides (20 de agosto) – que, a cada 11 semanas, morre 10% da população somali abaixo dos 5 anos.”
Enquanto isso, prossegue o êxodo dos refugiados. Os dados do UNHCR, que na semana passada havia criado um novo site para a emergência no Corno da África [1], impressionam. Basta pensar na situação de Dadaab, a empoeirada cidade do nordeste do Quênia que acolhe atualmente o maior complexo de campos de refugiados. Segundo estimativas da agência da ONU, os diversos campos de Dadaab – Ifo, Dagahaley e Hagadera, mais a chamada "Extension Ifo", com os setores Ifo 2 e Ifo 3 – acolhem quase 440 mil refugiados somalis, um número de habitantes de cidades italianas como Bari (320 mil). Fugindo da carestia, da seca e da violência em seu país, atualmente mais de 140 mil somalis chegaram este ano ao Quênia, dos quais 700 mil nos meses de junho e julho (www.unhcr.it, 19 de agosto).
A constante afluência de refugiados coloca as agências humanitárias diante de uma imensa tarefa. A situação higiênica e sanitária nos campos superpopulados está frequentemente no limite, com todas as consequências, como demonstra o aparecimento de doenças como o cólera, o sarampo e a coqueluche. No complexo dos campo de Dollo Ado (Etiópia), por exemplo, foram registrados, segundo o UNHCR, 166 casos suspeitos de sarampo e 15 falecimentos ligados a esta doença.
Para enfrentar esta enésima emergência, as agências internacionais lançaram uma série de programas de vacinação massiva. Precisamente no complexo Dollo Ado, concluiu na semana passada, no campo de Kobe, uma primeira campanha de imunização contra o sarampo em todas as crianças na faixa dos 6 meses aos 15 anos, e se colocou em marcha uma segunda em Melkadida, que, com seus 40 mil prófugos, é a maior região da Etiópia.
Outro desafio para os agentes humanitários é a contínua violência. Na sexta-feira, 5 de agosto, um tiroteio ocorrido durante a distribuição de alimentos no maior campo de refugiados da capital somali, Mogadíscio (Badbado), provocou 12 vítimas. Segundo algumas testemunhas, a violência começou quando soldados governamentais ou milicianos próximos do fraco governo de transição tentaram roubar uma parte das quase 300 toneladas de ajuda do Programa Alimentar Mundial (WFP). O primeiro-ministro somali, Abdiweli Mohamed Ali, visitou o lugar e se declarou “profundamente incomodado” (guardian.co.uk, 5 de agosto).
Violência e abusos afetam também os prófugos somalis, que, depois de terem caminhado durante dias e noites inteiras, conseguem chegar aos campos do Quênia e da Etiópia. Um novo informe de Human Rights Watch (HRW), divulgado neste mês com o título “You Don't Know Who to Blame”. War Crimes in Somalia [2], denuncia abusos contra os direitos humanos, cometidos inclusive por parte das tropas do AMISOM (a missão da União Africana na Somália) e da polícia do Quênia. Não faltam notícias sobre as mulheres somalis estupradas em Dadaab e nas proximidades por policiais quenianos.
Um capítulo à parte são os combatentes do movimento islâmico extremista al-Shabab, que se retiraram de Mogadíscio, permitindo às tropas governamentais que estendessem o controle a toda a capital, que, segundo estimativas, acolhe cerca de 475 mil refugiados internos, dos quais 100 mil chegaram nos últimos meses. “Eu me pergunto se a de Chabab não é uma retirada estratégica para fazer confluir em Mogadíscio as ajudas humanitárias, para depois voltar de repente e tomar uma parte, ou talvez seus dirigentes tenham advertido a fortíssima pressão internacional (…) e tenham decidido deixar temporalmente a cena da capital somali”, explicou a Fides (8 de agosto) Dom Giorgio Bertin, bispo de Jibuti e administrador apostólico de Mogadíscio.
A ONG americana International Christian Concern (ICC), que denuncia a perseguição dos cristãos no mundo, acusa, por outro lado, os milicianos de al-Shabab de negar deliberadamente, aos cristãos que moram nos territórios controlados por eles, o acesso às ajudas ou a possibilidade de fugir a regiões sob controle governamental, um movimento que faz parte de uma estratégia para erradicar o cristianismo da Somália. “Qualquer somali suspeito de ser cristão ou amigo de um cristão não recebe ajuda humanitária alguma”, afirmou o chefe de uma igreja clandestina (ICC, 15 de agosto). Segundo fontes locais, pelo menos 18 cristãos morreram de inanição nas cidades de Afgoye, Baidawa e Kismayo, após terem sido excluídos das ajudas humanitárias.
Como se sabe, os al-Shabab, que no último verão vetaram três agências humanitárias cristãs, acusando-as de ser missionárias, mostraram-se sempre ferozes diante dos cristãos. Basta recordar as impactantes imagens da degolação, em 2008, de um convertido ao cristianismo, o jovem de 25 anos Mansur Mohammed, por parte dos milicianos islâmicos.
Enquanto isso, a comunidade cristã internacional mantém, junto às demais agências humanitárias, seu compromisso a favor das populações afetadas. Enquanto a Cáritas Somália está coordenando as ajudas procedentes das demais cáritas do Mundo, a organização católica irlandesa Trócaire assiste cerca de 220 mil pessoas no centro-sul da Somália (Fides, 20 de agosto). Por outro lado, os bispos católicos do Quênia lançaram, há algumas semanas, um fundo de emergência – o Catholic Charity Emergency Fund – e dirigiram um apelo para contribuições a favor desta iniciativa (Fides, 4 agosto).
Em nome do Papa Bento XVI, o Conselho Pontifício Cor Unum enviou uma “substanciosa ajuda” a 5 dioceses do Quênia e a 6 dioceses da Etiópia, que “estão enfrentando a emergência humanitária com os poucos meios que têm à sua disposição. Quem fez esta declaração foi o secretário do dicastério, Dom Giampietro Dal Toso, em uma entrevista à Radio Vaticano (12 de agosto). “A presença da comunidade internacional está garantida, mas repito: acho que a atenção deve estar sempre disposta, porque atualmente é a crise financeira que ocupa a maior parte da informação. Mas nesses países e em muitos outros do mundo, existem pessoas que morrem de fome, e no terceiro milênio isso é inadmissível”, afirmou o prelado.
[1] http://data.unhcr.org/horn-of-africa/
[2] http://www.hrw.org/sites/default/files/reports/somalia0811webwcover.pdf

(Paul De Maeyer)

terça-feira, 12 de julho de 2011

Sudão do Sul: finalmente independente


Primeiro país em reconhecer a nova nação foi o próprio Sudão

ROMA, terça-feira, 12 de julho de 2011 (ZENIT.org) – Em uma atmosfera quase de estádio de futebol – com gente até tocando vuvuzelas –, o Sudão do Sul viveu, no último dia 9, o tão esperado dia da sua independência do Sudão, tornando-se oficialmente o 54º país do continente africano e o 193º do mundo.
Na solene cerimônia, realizada na capital Juba, no mausoléu do líder independentista John Garang, que morreu em um acidente de helicóptero em julho de 2005, participaram dezenas de milhares de pessoas, formando, segundo a Neue Zürcher Zeitung (9 de julho), a mais numerosa concentração humana jamais vista na cidade situada às margens do Nilo Branco.
A celebração começou com as orações lidas por dois líderes religiosos, um muçulmano e outro cristão, Dom Paulino Luduku Loro. “Que Deus dê alegria a todo o nosso povo”, rezou o arcebispo católico de Juba, que quis recordar todos os que “nos expressaram sua solidariedade durante os longos anos de guerra” e pediu, além disso, um “novo entendimento” entre o Norte e o Sul (Agence France-Presse, 9 de julho).
O cume do evento chegou quando se recolheu a bandeira sudanesa e se içou a da República do Sudão do Sul, que, depois de Eritreia (1993), é a segunda nação africana nascida de uma secessão. A independência de Juba foi precedida por uma longa e sanguinária guerra civil entre o Norte muçulmano e o Sul animista e cristão que, explodindo em 1955, durou (com uma pausa de 1972 a 1983) até a assinatura do Acordo Geral de Paz (CPA), que se realizou em 9 de janeiro de 2005, na capital do Quênia, Nairóbi, entre o presidente sudanês, Omar Hassan al-Bashir, e os rebeldes do Movimento/Exército Popular para a Libertação do Sudão (SPLA/M) de Garang.
Calcula-se que a segunda fase da guerra civil – a mais cruenta – causou quase 2 milhões de vítimas e mais de 4 milhões de deslocados. “Nossos mártires não morreram em vão”, destacou o presidente do Sudão do Sul, Salva Kiir Mayardit, dirigindo-se à multidão (BBC, 9 de julho). “Esperamos mais de 56 anos até este dia. É um dia que ficará gravado em nossos corações e em nossas mentes”, continuou o ex-chefe rebelde, que usava seu já característico chapéu preto de cowboy.
O primeiro país em reconhecer o Sudão do Sul na sexta-feira foi o próprio Sudão. Segundo a agência Reuters (9 de julho), trata-se de um gesto de boa vontade da parte do regime de Al-Bashir, sobre cuja cabeça pende ainda uma ordem internacional de captura emitida pelo Tribunal Penal Internacional (ICC) de La Haya (Holanda) por crimes de guerra e contra a humanidade, cometidos em Darfur entre 2003 e 2004. Al-Bashir participou também da cerimônia de independência. “Nós nos alegramos com os nossos irmãos do Sul pela criação do seu novo Estado. Compartilhamos sua alegria e sua festa. A vontade das pessoas do Sul deve ser respeitada”, disse o homem forte de Cartum, que pediu aos Estados Unidos que levantasse as sanções contra o seu país (BBC, 9 de julho).
Todos concordam em que, com a independência, começa o verdadeiro trabalho para Juba. Os desafios que esperam o país, um dos mais pobres do mundo, são enormes. O primeiro deles é o da segurança, não só a exterior, mas também a interior. Sobre o terreno do Sudão do Sul agem pelo menos sete movimentos de rebeldes que, segundo Juba, são financiados por Cartum. Para muitos especialistas, o verdadeiro inimigo do Sudão do Sul se esconde, de fato, dentro do país, e são a corrupção e as divisões étnicas.
Depois estão os complicados assuntos das fronteiras com o Sudão, da dívida sudanesa e sobretudo o do petróleo. Enquanto a maior parte dos jazimentos sudaneses (pelo menos 75%) se encontram no território do Sul, a infraestrutura para a exportação do ouro negro ficou nas mãos de Cartum. Ainda que o Sudão do Sul se veja obrigado a chegar a um acordo com o Norte, tudo indica que, para seu desenvolvimento econômico, precisará sobretudo da ajuda dos seus vizinhos Etiópia, Quênia e Uganda.
Como recorda a Reuters (6 de julho), o Sudão do Sul é, de fato, o principal destinatário das exportações ugandesas, que, segundo Uganda Exports Pormotions Board, chegaram, em 2009, a um volume de 184,6 milhões de dólares. No mesmo ano, o Quênia exportou bens e serviços no valor de 157,7 milhões de dólares rumo a Juba. Segundo um informe do centro de consulta Frontiers Economics, uma possível retomada da guerra no Sudão do Sul custaria aos seus vizinhos até 34% do seu PIB combinado durante um período de 10 anos. Juba é, além disso, o candidato mais provável para tornar-se membro da Comunidade da África Oriental (EAC), se os atuais Estados membros (Burundi, Quênia, Ruanda, Tanzânia e Uganda) decidirem ampliar este grupo.
Para o seu desenvolvimento, Juba tem, talvez, um surpreendente ás na manga: poderia tornar-se um destino para os amantes do safári. Como recordou o jornal espanhol El mundo (10 de julho), no Sudão do Sul se esconde um Serengeti “secreto”. Exploradores da sociedade zoológica de Nova York (Wildlife Conservation Society ou WCS) e do National Geographic descobriram, em 2006, uma grande migração em massa de herbívoros, quase maior que a do famoso Parque Nacional do Serengeti, na Tanzânia. Nesta migração participaram até 1,4 milhão de antílopes e outros herbívoros. Junto ao oeste da Etiópia, a região do Sudão do Sul onde se verificou esta migração forma, segundo El Mundo, o maior ecossistema de savana ainda intacto de toda a África.
Enquanto isso, a prioridade absoluta é a criação – quase do zero – de um sistema de saúde e educativo. Com uma população igual à de Milão e Roma juntas – observa Il Corriere della Sera (9 de julho) –, o novo país africano tem menos de 449 mulheres diplomadas na escola superior. Para ajudar neste colossal desafio, as autoridades do Sudão do Sul – um país no qual 1 de cada 10 crianças morre antes dos 5 anos e 1 de cada 10 mulheres morre antes ou depois do parto – há 400 ONGs ativas, além da Igreja Católica. Nestes anos, a diocese de Torit pretende, por exemplo, dedicar 9 milhões de dólares a projetos de desenvolvimento (La Croix, 1º de abril).
(Paul De Maeyer)

sexta-feira, 8 de julho de 2011

9 Julho: Independência do Sudão do Sul


Sudão do Sul: orgulhoso por ser nova nação
Bispo de Rumbek destaca importância deste acontecimento histórico
ROMA, sexta-feira, 8 de julho de 2011 (ZENIT.org) – Um “caminho sereno” rumo à declaração de independência que amanhã, em Juba, tornará oficial o nascimento do 54º Estado africano, Sudão do Sul.
Apesar os duros enfrentamentos que no mês de junho devastaram o sul de Kordofan e os milhares de desalojados, privados de assistência adequada em Darfur e Abyei, Dom Cesare Mazzolari, bispo da diocese de Rumberk, tende a destacar a grande esperança e o entusiasmo vivido pelo povo do Sudão do Sul na véspera deste importante dia.
“O Sudão do Sul – afirma – está orgulhoso por ser uma nova nação e está preparado para conquistar sua própria identidade no mundo.”
De fato, 9 de julho de 2011 representa uma data histórica: nunca, desde a década de 60, ou seja, desde a época da descolonização do continente africano, foram colocadas em discussão as fronteiras traçadas pelos estados coloniais (exceto pela secessão da Eritreia da Etiópia, em 1993).
A independência do Sudão do Sul, que marca o fim do período de transição estabelecido nos acordos de paz de 2005 e que foi aprovada pelo referendo popular do último dia 9 de janeiro (que decretou, com 98,83% dos votos, a secessão do Norte do país), foi paga com outro tributo de sofrimento. Quase 50 anos de guerra, marcados pelas fases sanguinárias de 1955 a 1972 e de 1983 a 2005, dois milhões de mortos e quatro milhões de prófugos e deslocados.
Dom Mazzolari, há 30 anos em missão no Sudão, foi testemunha de grande parte deste processo, colocando-se ao lado dos mais pobres e esquecidos, lutando para que lhes chegasse a assistência sanitária e pelos programas de desenvolvimento que fazem parte dos direitos fundamentais da pessoa.
Este é um papel importante da Igreja a serviço de um povo que é o 150º (de 182) mais pobre da terra. “A Igreja – observa Dom Mazzolari na véspera da independência – perseverou na oração e na difusão da fé em Deus, incentivando o compromisso rumo à reconciliação, em uma região repleta de conflitos, divisões e problemas tribais.”
“A voz e o testemunho da Igreja – acrescenta o bispo de Rumbek – é clara e luminosa e, depois de muitos anos de sofrimento, o Senhor está se manifestando graças à semente da fé cristã, que está crescendo no Sudão do Sul.”
O Sudão, para o bispo comboniano, “precisa se entregar a um Deus que ama esse povo, enquanto a Igreja universal deve guiar as iniciativas de solidariedade para com o Sudão do Sul, para que o povo possa sentir-se parte da família global através de sinais de comunhão”.
Ainda que o território do emergente Sudão do Sul seja muito rico em água e petróleo, 90% da população vive com menos de 1 dólar ao dia, enquanto o analfabetismo dos adultos é de 84%. À taxa mais alta do mundo de mortalidade das mulheres no parto ou aos problemas durante a gravidez une-se a desnutrição de quase a metade da população infantil.
Hoje, o Sudão do Sul é uma região cujo sistema econômico deve ser reconstruído, a saúde e a educação devem ser refundadas e é preciso criar as infraestruturas necessárias para o desenvolvimento. Também o recurso do petróleo – que representa 98% do balanço estatal – tem de fazer contras com a falta de oleoductos e de refinarias.
“Precisaremos – explica Mazzolari – do apoio internacional sobretudo nos próximos anos, para tornar-nos membros da comunidade global.”
As celebrações oficiais da independência, informa uma nota da Coordenação de Entes Solidários em Rumbek, começarão amanhã, 9 de julho, às 10h, em Juba, no mausoléu de John Garang, político e guia do Exército Sudanês de Libertação Popular (SPLA) na 2ª Guerra Civil (1983-2005).
Além do presidente do Sul do Sudão, Salva Kiir Mayardit, de Cartum se unirá também Omar El-Bashir, atual presidente da República do Sudão. “A presença de El-Bashir – destaca a nota – é um sinal da vontade de diálogo e cooperação entre o Sudão e o Sudão do Sul.”
Como bênção à nação nascente, está previsto que, antes da proclamação da independência, representações cristãs e muçulmanas (o Sudão do Sul conta com quase 9 milhões de habitantes, a maioria composta por cristãos e animistas) se reunirão para um momento de oração comum.
À assinatura da constituição da República do Sudão do Sul por parte do presidente Salva Kiir, seguirão as intervenções das delegações internacionais. Entre elas, a Liga Árabe, expoentes do governo chinês, representantes da União Europeia e dos Estados Unidos, da presidência da União Africana e o secretário das Nações Unidas, Ban Ki Moon.
Depois dos momentos institucionais, a palavra será dada ao esporte. No dia seguinte, domingo 10 de julho, no Juba Footbal Stadium, a nova seleção de futebol do Sudão do Sul enfrentará a seleção do Quênia. Já no dia 11 de julho, o basquete representará as cores do 54º Estado africano, com a partida da Uganda contra o Juba Basketball Complex.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Desafio para o futuro: globalizar justiça social


Congresso em Roma sobre a “Mater et Magistra” e a “Caritas in veritate”
ROMA, quarta-feira, 18 de maio de 2011 (ZENIT.org) - Em um mundo globalizado, é necessário globalizar também a justiça social, quando se pretende dar uma resposta às novas situações. Além disso, é necessário respeitar novas regras, como evitar a concorrência desleal entre países e criar sistemas de segurança social nos países destinatários da deslocalização.

Estes são alguns dos temas abordados no segundo dia do congresso internacional organizado pelo Conselho Pontifício "Justiça e Paz", que estará sendo realizado em Roma até amanhã, por ocasião dos 50 anos da encíclica Mater et Magistra.

Nesse segundo dia, trabalhou-se por áreas continentais: África, América, Ásia e Europa, sobre temas precisos, como a sociedade do trabalho e o bem comum, estilos de vida, o paradigma do desenvolvimento, a pluralidade de empresas e a dignidade dos direitos dos trabalhadores.

Mas também se falou sobre o trabalho, a avaliação e remuneração, as políticas sociais, a subsidiariedade e a justiça social. Também foram importantes temas como a terra como ambiente de vida, condições climáticas, recursos materiais, desenvolvimento integral, demografia e bioética.

Antes da Missa conclusiva, Dom Mario Toso, secretário do Conselho Pontifício "Justiça e Paz", aprofundou nos problemas dos desequilíbrios tradicionais que voltam a se apresentar hoje e como resolvê-los: o ponto central continua sendo a justiça social no contexto de um mundo globalizado.

Para instituir uma justiça social global, indicou Dom Toso, "é necessário que a democracia globalizada seja sustentada por um ethos aberto à transcendência, incentivado pela fraternidade e pela lógica do dom", apoiado "no quadro jurídico e ético seguro, isto é, nos direitos e deveres arraigados na lei moral universal e não no livre arbítrio".

Dom Toso recordou que a Caritas in veritate "nos convida a praticar a justiça dentro dos desequilíbrios que hoje se acrescentam aos tradicionais".

"Um dos caminhos indicados por Bento XVI - prosseguiu - é o renascimento do pensamento moral; depois, é necessária uma reflexão sobre a unicidade da economia mundial, e sobre a globalização da economia social", assim como a universalização de "uma democracia substancial, social e participativa".

Deslocalização

Assim como a Mater et Magistra, há 50 anos, falava de uma remuneração equitativa, hoje existe "a exigência do bem comum no âmbito mundial" e, portanto, há outros parâmetros, como o de "evitar uma concorrência desleal entre as economias dos diversos países; favorecer a colaboração entre as economias nacionais, com acordos fecundos, e cooperar no desenvolvimento das comunidades política e economicamente menos avançadas".

Um ponto central é que "hoje, frente à liberalização dos mercados, da deslocalização de muitas empresas, quando se pretende realizar o desenvolvimento integral e harmônico, não se devem destruir ou considerar supérfluos os direitos sociais".

E, dado que "os direitos trabalhistas não podem se separar dos demais direitos civis e políticos, é necessário contribuir para realizar estes também onde se deslocalizam as empresas. Os sistemas de proteção e de segurança social - como diz a Caritas in veritate - devem ser reformados nos países mais ricos, em sentido societário e participativo. Assim, poupam-se energias e se pode ajudar os países mais pobres".

Uma só doutrina social

Por sua vez, o cardeal Oscar Andrés Rodríguez Maradiaga, arcebispo de Tegucigalpa e presidente da Cáritas Internacional, insistiu também na importância de uma unicidade dentro da própria doutrina social da Igreja.

"Não existe - explicou o purpurado - uma doutrina social da Igreja diferente em cada parte do mundo. Se a pessoa mora na América Latina, África ou Europa, os princípios da doutrina social que se aplicam às diversas realidades são sempre os mesmos. Não há uma forma de solidariedade ou de subsidiariedade para um continente diferente do outro."

Isso não elimina, no entanto, que "a realidade sobre a qual se aplicam os princípios da doutrina social seja uma realidade local. É a situação social, cultural, econômica e política que cada comunidade eclesial vive".

Recordou que "um papa escreve uma encíclica não só porque considera importante falar de um tema social atual. Ele recebe contribuições de bispos, que, por sua vez, são motivados pelas contribuições dos fiéis leigos".

Trata-se, portanto, de um processo "contínuo e dinâmico. Evidentemente, a doutrina fundamental não muda: a Sagrada Escritura continua sendo a base da nossa fé; e os princípios que se deduzem para a ação - como o bem comum, a solidariedade e o destino universal dos bens - são para todos".

Concluindo sua intervenção, o cardeal Rodríguez Maradiaga recordou que uma dimensão construtiva da pregação do Evangelho é "a ação a favor da justiça e da participação na transformação do mundo".

Papa incentiva “nova evangelização do social”


Audiência com participantes do congresso pelos 50 anos da “Mater et Magistra”

CIDADE DO VATICANO, terça-feira, 17 de maio de 2011 (ZENIT.org) - É necessária hoje, no mundo da globalização, uma nova evangelização do social, que ofereça luz para os desafios e exigências da justiça e do bem comum, afirmou ontem o Papa Bento XVI.

O Pontífice recebeu, em audiência, os participantes de um congresso internacional promovido pelo Conselho Pontifício "Justiça e Paz", no 50º aniversário da encíclica Mater et Magistra, de João XXIII, que está sendo realizado em Roma.

Esta encíclica de João XXIII, sublinhou, "conserva grande atualidade, também no mundo globalizado".

"O Papa Roncalli, com uma visão de Igreja colocada ao serviço da família humana sobretudo mediante sua específica missão evangelizadora, pensou na doutrina social - antecipando o Beato João Paulo II - como um elemento essencial para esta missão, por ser parte integrante da concepção cristã da vida."

Para João XXIII, a doutrina social da Igreja "tem a Verdade como luz, o Amor como força propulsora, a Justiça como objetivo", elementos que o Papa Bento XVI retoma da Caritas in veritate.

"A verdade, o amor e a justiça, indicados pela Mater et Magistra, junto ao princípio do destino universal dos bens, como critérios fundamentais para superar os desequilíbrios sociais e culturais, continuam sendo os pilares para interpretar e buscar solucionar também os desequilíbrios internos da globalização atual", observou o Papa.

Novos desafios

O Pontífice alertou que hoje as finanças, "após uma fase mais aguda da crise, voltaram a praticar com frenesi contratos de crédito que frequentemente permitem uma especulação sem limites".

Estão ocorrendo também "fenômenos de especulação daninha com referência aos produtos alimentícios, a água, a terra, acabando por empobrecer ainda mais aqueles que já vivem em situações de grave precariedade".

Também sublinhou "o aumento dos preços dos recursos energéticos primários, com a conseguinte busca de energias alternativas, guiadas, às vezes, por interesses exclusivamente econômicos de curto prazo", que "acabam por ter consequências negativas sobre o meio ambiente, além de sobre o próprio homem".

A questão social, prosseguiu, "é, sem dúvida, uma questão de justiça social mundial", de "distribuição equitativa dos recursos materiais e imateriais" e de "globalização da democracia substancial, social e participativa".

Por isso, "em um contexto em que se vive uma progressiva unificação da humanidade, é indispensável que a nova evangelização do social evidencie as implicações de uma justiça que deve ser realizada universalmente".

Esta justiça, destacou, não pode ser alcançada "apoiando-se no mero consenso social, sem reconhecer que este, para ser duradouro, deve estar arraigado no bem humano universal".

Além disso, "deve levar-se a cabo na sociedade civil, na economia de mercado, mas também por parte de uma autoridade política honrada e transparente proporcional a ela, também no âmbito internacional".

Nova evangelização social

Frente a estes desequilíbrios, é necessário "restabelecer uma razão integral que faça renascer o pensamento e a ética".

"Sem um pensamento moral que supere a apresentação das éticas seculares, como as neoutilitaristas e neocontratualistas, que se fundam em um substancioso ceticismo e em uma visão prevalentemente imanentista da história, torna-se árduo para o homem de hoje aceder ao conhecimento do verdadeiro bem humano."

Assim, acrescentou, "é necessário desenvolver sínteses culturais humanistas abertas à Transcendência, mediante uma nova evangelização - arraigada na lei nova do Evangelho, a lei do Espírito".

"Somente em comunhão pessoal com o Novo Adão - Jesus Cristo -, a razão humana é curada e potencializada, e é possível chegar a uma visão mais adequada do desenvolvimento, da economia e da política, segundo sua dimensão antropológica e as novas condições históricas."

Além disso, é necessária uma razão "restabelecida em sua capacidade especulativa e prática", para dispor "critérios fundamentais para superar os desequilíbrios globais, à luz do bem comum".

Para o Papa, de fato, "sem o conhecimento do verdadeiro bem humano, a caridade se desliza rumo ao sentimentalismo; a justiça perde sua ‘medida' fundamental; o princípio do destino universal dos bens é deslegitimado".

Na Mater et Magistra, João XXIII recordava que "é possível captar melhor as exigências fundamentais da justiça quando se vive como filhos da luz", afirmou Bento XVI, sublinhando a necessidade de "uma nova evangelização do social e do testemunho da vida nova segundo o Evangelho".

sábado, 14 de maio de 2011

Mais desenvolvimento para resolver conflitos no Norte de África


ROMA, sexta-feira, 13 de maio de 2011 (ZENIT.org) - Vendo como se movem os rebeldes na Líbia, a pergunta é: "E depois, o que virá?". Isso não quer dizer que "vamos dar-lhes armas e que resolvam o seu problema", porque, "para resolver determinadas situações de conflito e injustiça, são necessários instrumentos muito diferentes em relação aos que temos agora". É necessário "superar a resposta imediata e trabalhar nas bases do desenvolvimento".
Estes são alguns dos pensamentos apresentados por Dom Mario Toso, durante a conferência de imprensa de apresentação, na sede do Conselho Pontifício "Justiça e Paz" - do qual ele é secretário -, do Congresso por ocasião do 50º aniversário da encíclica Mater et Magistra.
"A doutrina social da Igreja aborda o uso de instrumentos de paz: esta é a direção que a Igreja oferece a todos, aos leigos, aos líderes dos Estados. A estes últimos cabe avaliar quais são os instrumentos de paz e se são eficazes para alcançá-la", disse ele.
Com grande sinceridade, Dom Toso disse que a Igreja, como muitos, foi apanhada de surpresa pelos acontecimentos do Norte de África: "Quem poderia esperar que houvesse uma intervenção de alguns países europeus mesmo antes de uma resolução da ONU?".
"Nem sempre há tempo suficiente para analisar, refletir e para sair com pronunciamentos ponderados. Diante dos acontecimentos, uma declaração pode acabar sendo tardia, mas tampouco pode ser apressada."
Aprofundando-se neste ponto, afirmou que "não é tarefa da Igreja fazer pronunciamentos políticos". Ele lembrou que "a honra da Igreja e sua força é pregar Cristo, agir no nível das consciências, no âmbito pedagógico. E depois, a sua força se expressa através de leigos bem treinados, servindo em alguns lugares, nos parlamentos, para abordar estas questões. Há pessoas bem preparadas, mas às vezes se comprova que prevalecem as menos experientes".
Não se pode esquecer também de que existe a exigência de um clima político diferente. "Se muitos fogem dessa situação, não é por espírito de aventura, mas por necessidade, porque não se respeitam os direitos fundamentais, porque não há liberdade nem oportunidades de trabalho, nem tampouco possibilidades de participação."
Na Líbia, acrescentou que é necessário trabalhar em profundidade, e os meios de comunicação têm essa tarefa. Ajudar as pessoas a refletir sobre os compromissos para além da resposta imediata. "É preciso trabalhar nas bases do desenvolvimento."
Quanto às ondas massivas de imigrantes, disse que necessária "uma cooperação séria com os Estados mais pobres. A Gaudium et spes já dizia que é preciso ajudar os pobres a resolver seus próprios problemas".
"Por que vários movimentos não estão associados e não dão respostas, como buscar financiamento ou bolsas de estudo para formar os futuros líderes desses países?", concluiu Dom Toso.

sábado, 23 de abril de 2011

A Líbia e o mundo do petróleo


18/04/2011 | Noam Chomsky *

O mundo do petróleo raramente está longe quando se trata de assuntos que envolvem o Oriente Médio e o Norte da África. Este mundo oferece um guia útil para entender as reações ocidentais diante dos levantes populares no mundo árabe. Argumenta-se que o petróleo não pode ser considerado um motivo para a intervenção na Líbia porque o Ocidente já tem acesso ao mesmo sob o regime de Kadafi. Isto é certo, mas irrelevante. Afinal, o mesmo poderia ser dito sobre o Iraque sob o regime de Saddam Hussein.

No mês passado, no tribunal internacional sobre crimes durante a guerra civil em Serra Leoa, o julgamento do ex-presidente liberiano Charles Taylor chegou ao fim. O promotor geral, o professor de Direito estadunidense David Crane, informou ao jornal The Times, de Londres, que o caso estava incompleto: os promotores queriam processar Muammar Kadafi, que, disse Crane, era, em última instância, o responsável pela mutilação e/ou assassinato de 1,2 milhões de pessoas.

Mas isso não aconteceria, esclareceu. Os Estados Unidos, o Reino Unido e outros países interviram para bloquear essa decisão. Ao ser perguntado sobre o porquê disso, respondeu: Bem-vindo ao mundo do petróleo!

Outra vítima recente de Kadafi foi sir Howard Davies, diretor da Escola de Economia de Londres, que renunciou depois de revelações sobre os laços da escola com o ditador líbio.

Em Cambridge, Massachusetts, o Monitor Group, uma empresa de consultoria fundada por professores de Harvard, foi bem paga por serviços tais como um livro para levar as palavras imortais de Kadafi ao público em conversão com famosos especialistas internacionais, junto com outros esforços para melhorar a imagem internacional da Líbia (de Kadafi). O mundo do petróleo raramente está longe quando se trata de assuntos que envolvem esta região.

Por exemplo, quando as dimensões da derrota estadunidense no Iraque já não podiam ser escondidas, a retórica bonita foi substituída pelo anúncio honesto de objetivos políticos. Em novembro de 2007, a Casa Branca emitiu uma declaração de princípios que insistia em que o Iraque deve conceder acesso e privilégio indefinidos aos invasores estadunidenses.

Dois meses depois, o presidente George W. Bush informou ao Congresso que rechaçaria a legislação que limitasse o emprego permanente das forças armadas estadunidenses no Iraque ou o controle dos Estados Unidos dos recursos petroleiros do Iraque; demandas que os Estados Unidos teriam que abandonar um pouco depois diante da resistência iraquiana.

O mundo do petróleo oferece um guia útil para entender as reações ocidentais diante dos notáveis levantes pró-democráticos no mundo árabe. O ditador rico em petróleo, que é um cliente confiável, é tratado com rédea solta. Houve pouca reação quando a Arábia Saudita declarou no dia 5 de março: as leis e regulamentos no reino proíbem totalmente qualquer tipo de manifestações, marchas e atos, assim como a sua convocação, já que vão contra os princípios da Shariah, os costumes e as tradições sauditas. O reino mobilizou enormes forças de segurança que aplicaram rigorosamente a proibição.

No Kuwait, pequenas manifestações foram sufocadas. O punho de ferro golpeou a população no Bahrein, depois que forças militares encabeçadas pela Arábia Saudita interviram para garantir que a monarquia sunita minoritária não fosse ameaçada pelas reivindicações de reformas democráticas.

O Bahrein é sensível não só porque abriga a Quinta Frota dos Estados Unidos, mas também porque faz fronteira com áreas xiitas da Arábia Saudita, local de maior parte das reservas do reino. Os recursos energéticos primários do mundo se localizam perto do Norte do Golfo Pérsico (ou Golfo Arábico, como costuma ser chamado pelos árabes), uma área em grande medida xiita, um potencial pesadelo para os planejadores ocidentais.

No Egito e na Tunísia, o levante popular conseguiu vitórias impressionantes, mas, como informou a Fundação Carnegie, os regimes permanecem e aparentemente estão decididos a frear o ímpeto pró-democracia gerado até agora. Uma mudança nas elites governantes e no sistema de governo segue sendo um objetivo distante, e que o Ocidente buscará mantê-lo assim.

A Líbia é um caso diferente, um Estado rico em petróleo dirigido por um ditador brutal que, não obstante, é pouco confiável: seria melhor ter um cliente digno de confiança. Quando iniciaram os protestos não violentos, Muammar Kadafi atuou rapidamente para sufocá-los.

No dia 22 de março, enquanto as forças de Kadafi convergiam para a capital rebelde de Bengasi, o principal assessor do presidente Barack Obama sobre Oriente Médio, Dennis Ross, advertiu que se ocorresse um massacre, todos culpariam os Estados Unidos por isso, uma consequência inaceitável.

E o Ocidente certamente não queria que o coronel Kadafi aumentasse seu poder e independência, sufocando a rebelião. Os Estados Unidos trabalharam então pela autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas de uma zona de exclusão aérea, que seria posta em prática por França, Inglaterra e os próprios Estados Unidos.

A intervenção evitou um provável massacre, mas foi interpretada pela coalizão como a autorização para o apoio direto aos rebeldes. Um cessar-fogo foi imposto às forças de Kadafi, mas se ajudou os rebeldes a avançar para o Oeste. Em pouco tempo conquistaram as principais fontes da produção petroleira da Líbia, ao menos temporariamente.

No dia 28 de março, o jornal em língua árabe sediado em Londres, Al-Quds Al-Arabi, advertiu que a intervenção dividiria a Líbia com dois estados, um Leste rico em petróleo e em mãos dos rebeldes e um Oeste encabeçado por Kadafi e mergulhado na pobreza. Com o controle dos poços petrolíferos assegurados, poderíamos estar diante de um novo emirado petroleiro líbio, escassamente habitado, protegido pelo Ocidente e muito similar aos estados emirados do Golfo. Ou a rebelião respaldada pelo Ocidente poderia seguir adiante até eliminar o irritante ditador.

Argumenta-se que o petróleo não pode ser um motivo para a intervenção porque o Ocidente já tem acesso ao mesmo sob o regime de Kadafi. Isso é certo, mas irrelevante. O mesmo poderia ser dito sobre o Iraque sob o regime de Saddam Hussein, ou sobre Irã e Cuba atualmente.

O que o Ocidente busca é o que Bush anunciou: o controle, ou ao menos clientes dignos de confiança e, no caso da Líbia, o acesso a enormes áreas inexploradas que se espera sejam ricas em petróleo. Documentos internos britânicos e estadunidenses insistem que o vírus do nacionalismo é o maior temor, já que poderia engendrar desobediência.

A intervenção está sendo realizada pelas três potências imperiais tradicionais (poderíamos lembrar - os líbios presumivelmente o fazem - que, depois da Primeira Guerra Mundial, a Itália foi responsável por um genocídio no Leste da Líbia).

As potências ocidentais estão atuando em virtual isolamento. Os estados na região - Turquia e Egito - não querem participar, tampouco a África. Os ditadores do Golfo se sentiriam felizes de ver Kadafi partir, mas, ainda empanturrados pelas armas avançadas que recebem para reciclar os petrodólares e assegurar a obediência, oferecem apenas uma participação simbólica. O mesmo se aplica em outros lugares: Índia, Brasil e, inclusive, Alemanha.

A primavera árabe tem raízes profundas. A região está em fermentação há muitos anos. A primeira da atual onda de protestos começou no ano passado, no Saara Ocidental, a última colónia africana, invadida pelo Marrocos em 1975 e retida ilegalmente desde então, de maneira similar ao Timor Oriental e aos territórios ocupados por Israel.

Um protesto não violento, em novembro do ano passado, foi sufocado por forças marroquinas. A França interveio para bloquear uma investigação do Conselho de Segurança sobre os crimes de seu cliente. Logo acendeu-se uma chama na Tunísia que, desde então, espalhou-se e tornou-se uma conflagração.

* Noam Chomsky é linguista, filósofo e ativista político estadunidense. Publicado originalmente no site da Agência Carta Maior. Tradução por Katarina Peixoto.

Fonte: www.envolverde.com.br

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Seminário sobre Advocacia social no Porto


O Workshop "Advocacia social: uma forma de pôr em prática a Doutrina Social da Igreja", previsto para o próximo sábado dia 9 de Abril, foi adiado para dia 14 de Maio, no mesmo local - CREU (Porto). Entende-se por Advocacia social, todo o esforço organizado para, em nome da justiça social, influenciar instituições e sistemas políticos, económicos e sociais no sentido de tomarem decisões que defendam os interesses de grupos desfavorecidos.

Depois da sua 1ª edição em Lisboa, no passado dia 19 de Março, avaliado pelos participantes como muito pertinente, lanço o desafio para que se inscrevam nesta nova oportunidade e para que divulguem por quem acharem por bem. O workshop dirige-se a todas as pessoas interessados em aprofundar estes temas, leigos ou religiosos, com ou sem grupo/ movimento/ organização/ paróquia de referência. A participação é gratuita. Para mais informações, consultar o cartaz em anexo.

Abraço,
Margarida

Margarida Alvim
Rede Fé e Desenvolvimento

Fundação Evangelização e Culturas (FEC)
margarida.alvim@fecongd.org
www.fecongd.org

domingo, 3 de abril de 2011

Globalizar a solidariedade


Entrevista com um responsável da Cáritas para a África

ROMA, domingo, 3 de abril de 2011 (ZENIT.org) - A trágica história da África ecoa em seu difícil presente, mas, segundo um responsável para a África da rede Cáritas, sua situação seria realmente dramática se não fosse pela Igreja Católica.
Nascido no Congo, o padre Pierre Cibambo Ntakobajira viu com seus próprios olhos a contribuição da Igreja para o continente. “Não sei qual seria a situação da África hoje se a Igreja não fosse tão dinâmica”, afirma.

Nesta entrevista, o sacerdote fala de sua própria história como católico e da necessidade permanente de “globalizar a solidariedade”.

–O senhor nasceu na República Democrática do Congo. Cresceu em um ambiente católico?

–Padre Ntakobajira: Em 1955, quando nasci, meus pais não eram cristãos. Não eram católicos. Viviam sua religião tradicional. Alguns de meus irmãos e irmãs já eram católicos, mas meus pais não.

–Custou-lhes aceitar a notícia de seu desejo de ser sacerdote?

–Padre Ntakobajira: Comecei a escola primária aos 7 anos e fui batizado em 1966. Tinha 11 anos e recebi o batismo dois anos antes de minha mãe, porque frequentava uma escola católica. Para mim era fácil ter contato com a fé católica.

–Você deixou Bukavu, no Congo, e foi para a Bélgica, estudar na Universidade Católica dali. Depois foi para o Canadá, ao Instituto Canadense para a Resolução de Conflitos. Por que deixou Bukavu?

–Padre Ntakobajira: Foi meu bispo que me pediu que fosse estudar para melhorar nossa participação no trabalho social e de desenvolvimento. Por isso fui à Bélgica. Estive ali três anos. Voltei ao meu país em 1994. Foi precisamente durante o genocídio em Ruanda. Pediram-me para assumir o escritório diocesano da Cáritas, para ajudar a organizar o trabalho em minha diocese, para auxiliar os muitos refugiados de Ruanda que naquele momento cruzavam a fronteira para entrar no Congo.

–Em um estudo da ONU de mais de 50 países subdesenvolvidos, 34 nações africanas formam parte da lista. Por que a África parece o continente do sofrimento?

–Padre Ntakobajira: Creio que levaria muito tempo para falar disso. Mas diria que é o resultado de uma combinação de muitos fatores: a perspectiva histórica, os sistemas econômicos internacionais, o governo e a cultura. É uma combinação de todos esses fatores. Ao fazer referência à história da África, é necessário que compreendamos que a história do continente é triste – a escravidão, por exemplo, e suas consequências. É uma história de colonialismo e exploração. Não é suficiente para explicar e justificar a situação atual, mas tem muito a ver com o que estamos dizendo da situação da África.

–Isso também tem a ver com a política e os governos atuais?

–Padre Ntakobajira: Durante muitos anos, o continente africano, e muitos dos países do continente, estiveram nas mãos de pessoas que foram postas ali não por serem adequadas, mas porque serviam aos interesses de outros. Durante a Guerra Fria, no Congo, por exemplo, tivemos Mobutu durante 32 anos, um homem que não fez nada para o Congo. O que sofremos no Congo hoje tem suas raízes naquela era. Mobutu foi posto no contexto da Guerra Fria, apoiado e com dinheiro da comunidade internacional, mas fazendo seus próprios negócios com este dinheiro e não desenvolvendo o país. É um país quatro vezes maior que a França, com 60 milhões de pessoas. Temos todos os recursos naturais que se podem imaginar. É como um paraíso e, ainda assim, as pessoas morrem de fome. Imagina isso?

–A África tem algumas das maiores riquezas naturais, mas sofre uma grande pobreza. É uma contradição que exige resposta.

–Padre Ntakobajira: Estes vários recursos naturais têm sido explorados por empresas externas e podemos ver que este mesmos recursos naturais são a principal razão da guerra que está causando estragos em países como o Congo. Em muitos países onde há petróleo, ouro e diamante, estabelece-se a miséria. Ter todas essas riquezas em seu solo parece ser uma maldição... Estes recursos são explorados e os lucros se gastam em armas que são trazidas para o país. No Congo, sobretudo na região oriental, sofremos com os que foram responsáveis pelo genocídio em Ruanda. Eles entraram no Congo e agora ocupam várias áreas do país, onde estão extraindo os recursos naturais e vendendo tudo para as companhias do exterior. Assim compram armas e se preparam para a guerra, para assassinar a população local e ameaçar a segurança da região. É um desastre.

–A Igreja católica é vital. Falando da educação na África, oferece educação para cerca de 1 milhão de crianças e tem mais de 2 mil hospitais, sem mencionar clínicas e orfanatos. Até que ponto é importante o trabalho da Igreja católica, ao manter essa infra-estrutura nas nações africanas?

–Padre Ntakobajira: Na África, graças a Deus, temos a Igreja, sobretudo a Igreja católica. Não sei qual seria a situação do continente hoje se a Igreja não fosse tão dinâmica. No Congo, eu venho da arquidiocese de Bakuvu, que gerencia 10 hospitais e mais de 200 centros de saúde. Assim se pode imaginar o compromisso e o impacto que a Igreja local tem nesta área, e todo mundo reconhece. A Igreja contribui muito para melhorar a situação das pessoas, sobretudo na educação e na saúde.

–Até que ponto é importante o trabalho de organizações como Cáritas, Ajuda à Igreja que Sofre e outras organizações beneficentes?

–Padre Ntakobajira: João Paulo II fez um apelo a todo o mundo que dizia: é necessário que globalizemos a solidariedade. As organizações católicas como AIS e Cáritas são uma forma concreta de globalizar a solidariedade, segundo o Evangelho e a doutrina social da Igreja. Por isso, é muito importante que estas organizações apoiem as Igrejas locais, porque elas necessitam de apoio em sua luta diária.

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Esta entrevista foi realizada por Mark Riedemann para "Onde Deus chora", um programa rádio-televisivo semanal produzido por Catholic Radio and Television Network, (CRTN), em colaboração com a organização católica Ajuda à Igreja que Sofre.
Mais informação em www.aisbrasil.org.br, www.fundacao-ais.pt.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Bispos da África austral preocupados com a situação no Zimbabué


23/02/2011 | Fides
"Escrevemos aos líderes da SADC (South African Development Community) em um momento crítico na vida da nação do Zimbabué" - escrevem os Bispos de Angola, Botsuana, Lesoto, Namíbia, Moçambique, São Tome e Príncipe, África do Sul e Zimbabué, na conclusão de sua 9a Sessão Plenária.
Em um comunicado enviado à Agência Fides, os membros da IMBISA recordam "o importante papel desempenhado pela SADC ao facilitar o Global Political Agreement (GPA) que conduziu ao governo de unidade nacional". Fazem parte do governo de unidade nacional o partido do Presidente Robert Mugabe e o do Primeiro-ministro Morgan Tsvangirai. Este último é o principal opositor de Mugabe. O duro confronto político entre as duas partes gerou uma grave crise, à negociação do GPA e à formação do governo de unidade nacional. "Todavia, dois anos após a assinatura do acordo, estamos preocupados pela ausência de progressos significativos - escrevem os Bispos da IMBISA. Nem todos os aspectos do GPA foram respeitados no prazo estabelecido. Não obstante alguns progressos, constatamos que os cidadãos do Zimbabué continuam a sofrer com a extrema pobreza, altos níveis de desemprego, inadequados serviços de saúde e da instrução, carência de investimentos e de confiança na economia do país. Trata-se de uma forma de grave injustiça, considerando a riqueza da nação em proporção a seus recursos humanos e materiais".
Em 2011, estão previstas eleições presidenciais e parlamentares. A IMBISA se demonstra preocupada com as graves carências na preparação do pleito: a não completa atuação do GPA; os atrasos do processo de reforma constitucional ("não se sabe quando será o referendo sobre a nova Constituição"); as listas eleitorais não foram atualizadas; os fortes limites à liberdade de imprensa e de associação; o aumento das intimidações e das violências enquanto a campanha eleitoral se inicia. 46 pessoas foram presas enquanto assistiam vídeos dos protestos na Tunísia e no Egito, acusadas de preparar "atividades para subverter um governo legítimo".
Fonte: www.fides.org

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

44 milhões caíram no limiar da extrema pobreza devido à alta dos preços - Banco Mundial


Washington, 15 fev (Lusa) - A alta dos preços alimentares fez cair 44 milhões de pessoas no limiar da extrema pobreza, entre junho e dezembro, avançou hoje o Banco Mundial.
Para chegar a este dado, a instituição partiu das estatísticas sobre os rendimentos e as despesas domésticos nos países com rendimentos médios e baixos.
O limiar da extrema pobreza é definido por despesas de 1,25 dólares diários por pessoa.

© Elsa Resende, 2011 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.
http://www.google.com/hostednews/epa/article/ALeqM5igVK_1s-mdJxE0L6Uw0zm7eyj5wg?docId=12159002

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Assassinatos recentes ameaçam independência do Sudão


Bispo adverte sobre islamização do norte
YAMBIO, terça-feira, 8 de fevereiro de 2011 (ZENIT.org) - Uma religiosa de 37 anos de idade é apenas uma das vítimas dos recentes homicídios e sequestros ocorridos no Sudão do Sul, que ameaçam os esforços da nação africana recém-formada, disse o bispo de Tombura-Yambio.
Dom Hiiboro Kussala publicou uma carta aberta pedindo o fim da violência perpetrada pelo "Exército de Resistência do Senhor" (LRA) e pelo seu líder, Joseph Kony, informou Ajuda à Igreja que Sofre.
O prelado disse à agência de ajuda que, hoje, "a ameaça da crescente violência poderia afetar qualquer governo do Sul do Sudão, arruinando os recursos de uma nação jovem que se esforça para proteger seus cidadãos e evitar que outros sejam arrastados para a luta".
Em 7 de fevereiro, anunciou-se que, com 98% dos votos no referendo do Sul do Sudão, a população escolheu a independência do norte.
O atual presidente do Sudão, estabelecido em Cartum, Omar al-Bashir disse que aceitava os resultados oficiais da votação.
Portanto, o Sudão do Sul vai se tornar uma nova nação, o 54º dos estados independentes da África, seis anos após a assinatura do Comprehensive Peace Agreement, que pôs fim à guerra civil no Sudão.
Apesar disso, o arcebispo expressou sua preocupação de que a violência tenha "consequências devastadoras" nos esforços da região para se tornar uma nação independente.
Terror
"Cada dia que termina sem encontrar uma solução para o problema do LRA é outro dia de terror e pânico para os que vivem sob a ameaça constante de novos ataques", disse ele.
Dom Kussala disse que "o problema do LRA em nossas comunidades não encontrará uma solução definitiva enquanto Joseph Kony e outros líderes não estiverem prontos para deixar os bosques".
O bispo informou que "muitas das nossas crianças ainda estão nas mãos do LRA. Não sabemos se estão vivas ou mortas".
"Aqueles que escaparam do LRA estão física e mentalmente marcados pelo sofrimento pelo qual passaram e nunca voltarão a ser os mesmos."
O prelado disse à agência de ajuda que, entre as vítimas conhecidas dos assassinatos, encontra-se a Irmã Angelina, do Instituto St. Augustine, que foi assassinada no dia 17 de janeiro, enquanto viaja para levar ajuda médica aos refugiados do sul do Sudão.
Ele acrescentou que 9 pessoas foram mortas, 7 ficaram feridas e 17 foram sequestradas durante os ataques do LRA em sua diocese, de 22 a 25 de dezembro.
Desde então, a violência continua, disse o bispo, e no sábado passado, 8 pessoas foram torturadas até a morte em um vilarejo a 130 milhas de Tombura.
Mudanças políticas
Ajuda à Igreja que Sofre relatou que os cristãos, em particular, estavam sofrendo ameaças no norte do Sudão, devido às mudanças políticas vividas naquela região.
O bispo auxiliar, Daniel Adwok, de Cartum, advertiu que a região se tornaria menos tolerante com os não-muçulmanos.
"A declaração do presidente (al-Bashir,) várias semanas após a secessão (do sul), afirmava que ele tinha um plano progressivo por meio do qual o Norte se tornaria uma nação islâmica em sua religião e arábica em sua cultura."
O arcebispo continuou: "Até este momento, o governo do norte tem sido indulgente à implementação desta política por temor à secessão do sul, mas agora nada poderá detê-los".
"Agora, em alguns lugares, as pessoas (cristãs e não-cristãs) são interrogadas sobre o motivo pelo qual ainda moram no norte", disse o bispo.
"As pessoas que normalmente trabalham na agricultura têm relatado abusos por parte dos proprietários rurais. Essas pessoas não são bem pagas e, quando reclamam, são ameaçadas com armas."
O bispo disse que muitos cristãos têm migrado para o sul e em sua região pastoral de Kosti, o comparecimento à Missa caiu de 1.000 para 100 pessoas.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Sudão do Sul: Resultados preliminares de referendo confirmam independência


Missionário português diz que as igrejas querem estar presentes na redacção de uma proposta de Constituição
Lisboa, 31 Jan (Ecclesia) – Os resultados preliminares do referendo de autodeterminação realizado entre 9 e 15 deste mês, no sul do Sudão, revelam que uma maioria de 98,83 por cento das pessoas votou pela divisão do maior país africano.
Calcula-se que a população sul-sudanesa seja de 8,3 milhões, segundo dados do censo de 2008, 85% da qual vive na pobreza.
O presidente sudanês, Omar al-Bashir, já se comprometeu a reconhecer a separação do sul do Sudão, colocando ponto final num conflito que se prolongou por décadas, matando quase dois milhões de pessoas.
O missionário português José da Silva Vieira, a residir em Juba, capital do sul do Sudão, revela que “os próximos passos são a proclamação oficial final dos resultados”.
Num comentário publicado no seu blogue «Jirenna» (palavra guji, do sul da Etiópia, que significa vida), o padre comboniano, chefe de redacção da «Rádio Bakhita», diz que “entretanto, os partidos que governam o Norte e o Sul têm que terminar as negociações sobre Abyeai, as fronteiras, a cidadania, e a partilha dos recursos naturais e da dívida externa”.
“Uma comissão técnica formada por políticos, juízes e advogados, já está a elaborar uma proposta de Constituição para o novo país. A sociedade civil e as igrejas também gostariam de fazer parte do processo”, revela o padre José da Silva.
A data prevista para a proclamação da independência é o dia 9 de Julho.
OC
http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?tpl=&id=84044

domingo, 30 de janeiro de 2011

Notícias da AEFJN, nº 44


N.º 44 – Janeiro de 2011

Armas
Negociações em vista do Tratado sobre o Comércio de Armas
Negociadores de 192 Estados encontraram-se na ONU, em 12 de Julho de 2010, para dar início a conversações formais em vista de um acordo internacional, juridicamente vinculativo, para o controle do comércio das armas. Dez dias depois, deu-se a conhecer um documento preliminar, com os princípios e pontos fundamentais do futuro Tratado sobre o Comércio de Armas. Este documento mostra que a maioria dos Estados reconhece a necessidade de um tratado deste tipo. O próximo encontro da ONU sobre este tratado terá lugar em Março de 2011.
Para saber mais consulte: www.controlarms.org

SADC-APE
Cimeira da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral [SADC] termina com um apelo à rejeição dos APE
A Cimeira de Chefes de Estado reuniu a voz da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral para partilhar opiniões sobre prosperidade pessoal e liberdade económica.
M. Makoni/CJW ed.: http://www.africafiles.org/article.asp?ID=24236

Agricultura/alimentação
Congo-Brazzaville: Comunidade de pescadores desalojada
O Porto Autónomo de Pointe-Noire, para se expandir, expulsou 8 000 habitantes de uma aldeia de pescadores. Este desalojamento é um duro golpe para os proventos da comunidade, bem como o fecho do mercado que fornecia aos habitantes alimentos com proteínas, a preços acessíveis. «Eu sempre pesquei, desde a minha juventude, e agora não sei para onde vamos!», disse Josep Takpo, um velho pescador.
http://www.ips.org/africa/2010/11/congo-beninois-fishing-community-evicted/

Congo-Kinshasa: Investimentos de empresários indianos
RDC, 13 de Agosto de 2010 – O governo da R.D. do Congo oferece facilidades de investimento nos sectores agrícola e alimentar a empresários indianos. Isto permite-lhes arrendar enormes áreas de terra agrícola.
http://farmlandgrab.org/14769 ou http://www.africafiles.org/article.asp?ID=24170.

Direitos da Natureza na ONU
A sociedade civil debruça-se sobre uma nova resolução que está, neste momento, em estudo na ONU: os direitos da Natureza. Este assunto poderá ser discutido pelos governos, no dia 22 de Abril de 2011, dia da Terra. O documento está em fase de consulta informal e, por isso, ainda não está disponível ao público. No entanto, é tempo de começar a fazer pressão política. O objectivo deste debate – que a sociedade civil já havia solicitado em 2005 – é obrigar os 192 Estados-membros da ONU a declararem publicamente a sua posição quanto aos direitos da natureza. Esta campanha pretende corrigir a abordagem baseada apenas no mercado, que predomina nos trabalhos da ONU sobre o ambiente e sobre temas cruciais como a mudança climática, as florestas, a água e a biodiversidade. Estes direitos estão consagrados na Declaração Universal da Mãe Terra, adoptada em consequência da resposta de 32 000 pessoas de todo o mundo ao apelo do presidente Morales, em Cochabamba (Bolívia), em 22 de Abril de 2010, na «Conferência dos Povos sobre a Mudança Climática e os Direitos da Mãe Terra»
http://pwccc.wordpress.com/programa/

África : A Igreja fala da promoção da segurança alimentar
Nairobi, 26 de Novembro de 2010 – Os delegados da Assembleia das Igrejas Cristãs, em Nairobi, criticaram certos países de África por terem falhado à obrigação de «alimentarem» a sua população. «Muitas vezes, os governos falharam por terem destinado uma mínima parte do seu orçamento, 10%, à agricultura.» «Entre outras coisas, isto poderia mudar se o continente africano fosse auto-suficiente em alimentos.»
«A Igreja afirma que pode tomar a seu cargo todo o sector da educação das populações, e livrar da fome o continente. Os mais pobres podem ter formação, no terreno, sobre a maneira de utilizar os recursos disponíveis para a alimentação», insiste o grupo de trabalho dos delegados.
[cisa@wananchi.com] e http://www.e-alliance.ch/en/s/food/2010-churches-week-of-action-on-food/

Medicamentos-Saúde
Manifestação a favor do acesso aos medicamentos
No quadro da campanha do Médicos Sem fronteiras «Europa, não toque nos nossos medicamentos!», nós protestámos contra as políticas comerciais agressivas da Comissão Europeia, que vão afectar o acesso aos medicamentos nos países em vias de desenvolvimento. O protesto teve lugar por ocasião da abertura da Cimeira União Europeia-Índia, em Bruxelas, no dia 10 de Dezembro, em que se negociou um acordo comercial de livre intercâmbio.

As investigações sobre saúde em África têm soluções, mas não têm apoio
Não é por falta de talento que piora a situação da saúde em África. O desinteresse por parte dos políticos e a falta de fundos para a implementação de novas tecnologias têm também grande relevância.
M. Makoni em http://news.theage.com.au/breaking-news-world/african-health-research-has-solutions-but-no-support-20101213-18ub8.html

Empresas
A ENI instala-se na R. D. do Congo através da aquisição de um bloco petrolífero
A ENI é a primeira empresa italiana de energia a ter acesso ao sector do petróleo na R. D. do Congo. Esta empresa prevê assegurar 55% do bloco petrolífero de Ndunda, na parte ocidental do Congo. A exploração do petróleo começou em Setembro de 2010.
http://www.africafiles.org/article.asp?ID=24197

Sudão
O líder do Sul do Sudão faz pressão sobre os seus funcionários para entrar na campanha do Referendo
O Presidente do Governo do Sul do Sudão, Salva Kiir Mayardit, pressionou recentemente os seus funcionários para darem início de imediato à campanha de mobilização a favor do Referendo de Janeiro sobre a auto-determinação.
GK: http://www.sudantribune.com/

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Zimbabué: 27% inscritos nos cadernos eleitorais estão mortos


Mais de um quarto dos inscritos nos cadernos eleitorais do Zimbabué estão mortos, ao passo que mais de dois mil são mais do que centenários, conforme o relatório de uma organização zimbabueana independente divulgado hoje.

Segundo a agência AFP, o documento da Rede de Apoio às Eleições no Zimbabué (ZESN, na sigla em inglês), uma rede de associações locais independentes, mostra que as listas contam com 27 por cento de pessoas que já faleceram.
Por outro lado, um controlo por computador identificou 2.344 pessoas nascidas entre 1901 e 1909 e nove entre 1890 e 1900.
O exame das listas pela ZESN permitiu também identificar 93 "eleitores" com menos de um ano.
O partido do presidente Robert Mugabe, o ZANU-PF, quer eleições gerais este ano, para acabar com dois anos de partilha do poder com o Movimento para a Mudança Democrática, MDC (ex-oposição), do primeiro-ministro, Morgan Morgan Tsvangirai.
O chefe do governo entende que não há condições para um escrutínio equitativo.
A oposição, tal como os observadores, identificou a existência de "eleitores fantasmas" nas listas.
A comissão eleitoral anunciou que a falta de fundos não permitiria "limpar" as listas.
O ZANU-PF e o MDC tinham concordado com a adoção de uma nova Constituição antes das eleições gerais, mas as consultas políticas sobre o texto estão num impasse.
Diário Digital / Lusa
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?section_id=10&id_news=489767&page=1

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

POSSE ABUSIVA DA TERRA EM ÁFRICA


(Society of African Missions, Ficha «Justiça» nº 8)

Século XXI – A posse abusiva de terra em África

Desde 2007 que terrenos três vezes maiores que a Irlanda têm sido desviados por investidores estrangeiros para neles se fazerem mega quintas em África.
Estão em curso negociações para se fazer o mesmo. Enquanto muitos governos africanos acolhem este investimento, algumas agências internacionais, ONGs e populações locais não são tão entusiastas. Alguns vêem os arrendamentos de terra como uma posse abusiva, que apenas difere da colonização do séc. XIX porque envolve agentes diferentes. O relatório da ONU - «Posse abusiva da terra ou Oportunidade de Desenvolvimento» declara de forma diplomática que o investimento estrangeiro «podia traduzir-se em boas notícias se os objectivos dos arrendatários da terra forem compatíveis com as necessidades de investimento dos países (hospedeiros)». Numa perspectiva menos diplomática, isto significa que os arrendamentos ainda não trouxeram o investimento em agricultura responsável de que a África necessita.

Factos sobre os arrendamentos

Os Estados do Golfo, a China, a Coreia do Sul e a Índia arrendaram enormes extensões de terra africana. Empresas produtoras de biocombustível de Inglaterra, Alemanha, Suécia e de outros países europeus também investiram, em menor escala. A terra é arrendada por períodos até 99 anos para produzir arroz, milho, cana-de-açúcar, frutos e legumes, e sementes para biocombustível como óleo de palma e jatropha.
Os projectos de arrendamento de terra existem em pelo menos 17 países africanos. Se o investimento estrangeiro em terra africana não é novidade, o que é diferente agora é a dimensão e o facto de os arrendamentos serem agora feitos entre governos e grandes corporações e não entre empresas. No passado o investimento ajudou as economias locais através do comércio e emprego. Um arrendamento actual em Moçambique permite que 10 000 chineses produzam sementes para exportar para a China, cortando qualquer benefício local.
O arrendamento de terra tornou-se num assunto em 2008 quando o preço dos alimentos básicos duplicou. Temendo a sua vulnerabilidade, países ricos mas com terra pobre arável, como a Arábia Saudita, o Kuwait e o Qatar, aplicaram milhões de dólares em arrendamentos a longo prazo a fim de assegurarem a futura segurança alimentar. Também as alterações alimentares resultantes do crescimento das economias da China, Coreia do Sul e Índia, levaram a uma maior procura de terra arável. A acrescentar a estes factores, deu-se a repentina procura de biocombustível. Estes três factores juntos levaram a um aumento de procura de terra arável. Como a terra em África é abundante e, comparativamente, a mais barata no mundo, é a que mais atrai os investidores. Cerca de vinte países estrangeiros têm hoje terra arrendada em África.
O secretismo que ronda os acordos de arrendamento é geral – ninguém sabe exactamente quantos hectares estão arrendados, e as informações sobre os termos desses contratos são vagas e desconhecidas. O arrendamento de terra arável trouxe emprego significativo em algumas zonas, mas em outras os trabalhadores contratados não são locais. Em alguns países, como na Zâmbia, o produto da terra entra nos mercados locais e beneficia a população local, mas noutras zonas os produtos da terra são destinados à exportação. O benefício em termos de desenvolvimento de infra-estruturas tem sido desigual e mesmo onde isto aconteceu, por exemplo na construção de estradas, pouco tem sido feito a nível da manutenção.
Uma coisa é clara: até hoje os benefícios para os africanos não têm sido proporcionais aos dos arrendatários. Os africanos só vêem os restos.

Posse da terra: é a compra ou arrendamento de vastas áreas de terra por países ricos, por países onde os alimentos escasseiam ou por investidores privados, feita a países pobres ou em desenvolvimento, a fim de produzirem produtos agrícolas para exportação.

A Terra, um recurso que tem de ser protegido – Bispos Africanos

Um relatório recente do Sínodo dos Bispos Africanos criticou o secretismo que envolve os contratos de arrendamento de terra e enfatizou a necessidade de proteger a terra como recurso para as gerações futuras.
«Se a Igreja pretende ser a voz dos mais pobres, deve trazer à discussão pública este assunto e deve defender os direitos à terra das comunidades tradicionais contra investidores gananciosos e líderes corruptos.»
A actual forma de arrendamento de terra em África contradiz de muitas maneiras os ensinamentos da Igreja e os princípios sociais católicos. As comunidades locais não são geralmente envolvidas nas decisões acerca da terra, os produtos destinam-se sobretudo à exportação e existem preocupações quanto aos efeitos que a dimensão industrial das terras arrendadas poderá ter a longo prazo sobre o ambiente.

Motivos de preocupação

Investidores ambiciosos enfatizam os benefícios de maiores colheitas híbridas e de desenvolvimento do emprego e de infra-estruturas. Há governos que, ansiosos por estes benefícios, acolhem este investimento. Opiniões contrárias variam da desconfiança à crença de que o arrendamento é um «roubo neo-colonialista». Um relatório do IFPRI (Instituto Internacional de Pesquisa para a Política Alimentar) resume a razão para a oposição: «a desigualdade das relações de poder nos contratos de aquisição de terra pode pôr em risco a sobrevivência dos pobres. Uma vez que o Estado detém muitas vezes formalmente a propriedade da terra, os pobres correm o risco de serem desalojados em favor do investidor, sem terem sido consultados ou compensados.» Muitas vezes é a elite local que beneficia, enquanto os pobres acabam por ficar em piores condições porque lhes é negado o acesso a terra já cultivada, a terra para pastagem, a floresta ou a água.
Os governos dos países hospedeiros invocam geralmente que a terra que oferecem é pertença do Estado. Por lei, isto pode ser tecnicamente verdade, mas de facto os direitos comuns de ocupação são reconhecido há gerações. Nos contratos de investimento estrangeiro estes direitos são ignorados e a população expulsa. Esta injustiça alimenta potenciais conflitos. O secretismo, a corrupção e a exclusão da população local das negociações aumentam a indignação. Em Madagáscar, a agitação em torno de 1,3 milhões de hectares contribuiu para o derrube do governo. Muitos observadores acreditam que este tipo de conflito é inevitável.
Existem também preocupações sobre o efeito que a potencial instabilidade política em muitos países africanos terá nos investidores. Terão estes cuidado com o ambiente e as economias locais? Ou a tentação do maior lucro possível e mais rápido possível levará a melhor? A resposta a estas perguntas será decisiva para definir se o arrendamento de terras é uma posse abusiva neo-colonialista ou um investimento benéfico para os africanos.

Jatropha, biocombustível e Tanzânia

Os biocombustíveis podem ser feitos de plantas como o milho, a cana-de-açúcar e o óleo de palma, mas é a Jatropha – a «planta maravilha» - que países como o Gana, Angola, Etiópia e Tanzânia estão a cultivar intensivamente. A vantagem é que esta planta pode ser cultivada em terra árida, que não é adequada a outras culturas.
Na Tanzânia, as plantações de jatropha estão a causar problemas. Em 2009, o investimento foi suspenso em consequência da agitação em torno do desalojamento de agricultores e a conversão de alimentos em produtos para biocombustível. Além disso, a irrigação necessária a estas plantações provocou faltas de água. Há também provas de negócios obscuros com as populações locais, em que estes receberam menos de $10 por hectare de terra. Os locais estão a perder e não estão a ser tomadas medidas relativas aos efeitos da desertificação e uso de pesticidas.
Esta situação exemplifica os efeitos da falta de políticas sobre o uso da terra nos países africanos. Em resposta, o governo da Tanzânia quer publicar este ano algumas directivas nacionais sobre o investimento em biocombustível. Também está consciente de que isto pode não ser suficiente e de que a protecção do ambiente e dos direitos das populações exige legislação e aplicação das leis. Embora este seja um pequeno início, é um movimento na direcção certa, muito à frente de outros países africanos.

Um passo à frente – código de conduta

O arrendamento de terra é um fait accompli. Aceitando isto, a ONU e as ONGs estão a trabalhar no sentido de desenvolverem um código internacional que permita que as duas partes tenham benefícios.
Aderir a este código internacional seria opcional e pouco limitaria a corrupção local, mas é um primeiro passo que vale a pena dar. Este código estabelecerá princípios como: respeito dos direitos comuns; partilha de benefícios entre a população local (i.e. não apenas trazer trabalhadores) e aumento da transparência (redução de oportunidades para a corrupção). No entanto, as medidas têm de ser alargadas.
«A longo prazo, é do interesse dos investidores, dos governos hospedeiros e das populações locais assegurarem que estes acordos (arrendamentos) são devidamente negociados, que as práticas são sustentáveis e que os benefícios são partilhados. Não há organismo que, sozinho, assegure este processo. Mas é necessária a combinação da lei internacional, das políticas dos governos e o envolvimento da sociedade civil, dos meios de comunicação social e das comunidades locais, para minimizar ameaças e obter benefícios.» (Land Grabbing by Foreign Investors in Developing Countries, Risks and Opportunities, IFPRI 2009)

Não é ainda possível medir o impacto que terá o arrendamento da terra. Ainda não decorreu tempo suficiente para se materializarem os benefícios prometidos. No entanto, até agora o balanço pende para um resultado negativo. Para já, o juiz está ausente e o julgamento adiado. Um comentador disse, prudentemente, que «deve haver um olhar atento, esperançoso, mas ponderado, sobre os progressos do arrendamento de terra em África.»

Quem beneficia?

Um exame aos negócios com a terra em cinco países africanos identificou o seguinte:
- os governos têm um papel fundamental na atribuição de terras para arrendamento.
- os benefícios aparecem sob a forma de compromissos por parte dos investidores, criação de emprego e desenvolvimento de infra-estruturas – NÃO na forma de pagamento em dinheiro.
- apesar de certos países terem leis que exigem envolvimento local e benefícios, há grandes discrepâncias entre o que está escrito e a prática no terreno.
- há falta de mecanismos legais ou processuais para proteger os direitos locais, interesses, sobrevivência e bem-estar.
- a falta de transparência nas negociações cria um campo favorável à corrupção e a contratos que não maximizam o interesse público.
- os contratos analisados tendem a ser simplistas, comparados com a realidade económica da transacção.
- os mecanismos que asseguram o cumprimento dos compromissos pelos investidores são tratados com cláusulas vagas, quando existem.
Os pontos acima mencionados mostram que a população local é o último a ser beneficiado.

Fonte: «Land Grab or Development Opportunity» – an interagency collaboration led by the UN.


Esta ficha foi preparada pelo Secretariado da Justiça da Society of African Missions, Wilton, Cork. Email: jpic@sma.ie. Website: http://www.sma.ie/.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O que acontecerá com o Sudão?


Alguns temem uma catástrofe, outros aclamam a "nova onda da independência"
Paul De Maeyer


ROMA, quinta-feira, 13 de janeiro de 2011 (ZENIT.org) - No domingo passado, o "grande dia" começou para o sul do Sudão, com a votação do referendo que poderia dar lugar à mais nova nação da África.
A votação vai decidir o futuro da região, mais ou menos do tamanho da França e Alemanha juntas. Os cerca de quatro milhões de pessoas que registraram seu voto deveriam decidir se queriam a independência do Sudão ou se preferiam permanecer unidos.
O referendo faz parte do Acordo de Paz Global assinado em 2005, entre o regime sudanês do presidente Omar al-Bashir e os rebeldes do People's Liberation Army Movement (SPLA/M). Para ser válido, o referendo deve atingir uma quota de 60% do total registrado. Embora a votação termine no sábado, o resultado final será anunciado um mês depois, em 6 de fevereiro (ou 14 do mesmo mês, se houver recurso).
Se os separatistas vencerem, a região se tornará o 54º estado na África em 9 de julho, exatamente seis anos após a entrada em vigor do acordo de paz que pôs fim a uma sangrenta guerra civil (com pelo menos 2 milhões de vítimas) entre os muçulmanos do norte e os animistas do sul, que eclodiu em 1959 e durou, após uma longa pausa entre os anos de 1972-1983, até 2005. Não se sabe ainda que nome terá o novo país, mas se destacam entre as possibilidades: Novo Sudão, República do Nilo e inclusive Kush (ou Cuch, mencionado na Bíblia). Juba seria a capital.

Preparados?
Todos concordam em que o maior desafio começará após a provável independência. A questão é saber se "o sul do Sudão está realmente pronto para a independência". O site da BBC respondeu, em 4 de janeiro, em "Perguntas e Respostas": "Para ser brutalmente honesto, não". "Após décadas de guerra, no sul do Sudão falta tudo". "Depois que a euforia da independência passar, eles vão enfrentar a dura realidade dos milhares e milhares de sudaneses que voltarão para o sul e não terão nada", disse o bispo de El Obeid, Dom Macram Max Gassis, à Fides no sábado. "Não há escolas, hospitais, lares, nem sequer água potável", continuou o prelado, que teme a catástrofe humanitária que ocorreria se todos os do sul do Sudão, cerca de 4 milhões apenas na área de Cartum, decidirem voltar a esta região.
De acordo com o Sudan Household Health 2006, em algumas áreas da região, a mortalidade infantil durante o primeiro ano de vida ultrapassa os 110 óbitos por mil nascidos vivos. Para efeito de comparação, na Itália essa porcentagem foi de 3,4 óbitos (dados Istat) em 2006. Outro perigo que ameaça o futuro de Juba é o espectro de novos conflitos armados, especialmente em áreas que têm petróleo.
O petróleo é realmente a chave para entender o referendo. Graças aos investimentos da China (Pequim não só construiu estradas, assim como o Grande Gasoduto do Nilo, que começa no estado do sul Unity, em árabe chamado Al-Wada), o Sudão se tornou o terceiro maior produtor de petróleo da África, depois de Nigéria e Angola. O problema em Cartum é muito simples: as maiores áreas produtoras de petróleo estão concentradas no sul e, no caso de independência, o norte perderia o controle dos poços e, portanto, o controle da produção. Mas o sul também tem o seu próprio problema com o petróleo; precisa da infraestrutura do norte e do oleoduto fabricado na China para ser capaz de exportar o ouro negro.
Confirmam esses temores as notícias que chegam da disputada região de Abyei, que fica entre o norte e o sul, uma região rica em petróleo e água. Como noticiado pela Reuters, pelo menos 36 pessoas morreram em confrontos entre nômades árabes e fazendeiros, procurando pasto e água, coincidindo a violência com o referendo. Enquanto isso, outros ataques ocorreram no estado de Unity, na fronteira com estados como Kordofan Sul (que pertence ao norte) e com Bahr el-Ghazal Norte (Área Sul), segundo a Reuters.
Abyei é uma espécie de microcosmo de conflitos que vêm ocorrendo há décadas no Sudão: uma mistura explosiva de tensões étnicas, fronteiras ambíguas, petróleo e rivalidades antigas. Dirigentes do Sudanese Dinka Ngok, grupo étnico do sul, têm acusado abertamente o regime de Cartum de fornecer armas e equipamento militar para o grupo Misseriya Arab, militantes na região de Abyei, um grupo que também goza de um status especial e que atualmente está dirigido por uma representação mista, entre oficiais do SPLA/M e do National Congress Party.
Muito vai depender do presidente Bashir, que garantiu respeitar o resultado do referendo, embora ele esteja convencido de que Juba "é incapaz de sustentar seus cidadãos, ou formar um Estado ou governo" (Al Jazeehra, 8 de janeiro). Bashir tem sobre a cabeça um mandado de prisão emitido pelo International Criminal Court, por crimes contra a humanidade em Darfur. Suas promessas sobre os referendos não têm convencido os observadores, que temem o uso da velha tática de guerra "por vicários". Em uma manchete publicada no sábado passado pelo New York Times, o presidente dos EUA, Barack Obama, advertiu que "sob nenhuma circunstância, nenhum dos lados deveria usar as forças "vicárias" em um esforço para ganhar vantagem, enquanto aguardamos o resultado final".
Uma coisa é certa: O referendo não agrada Cartum. Para o ex-presidente sudanês, Sadiq al-Mahdi, líder na década de 80 de um dos grupos mais brutais da guerra civil, o referendo abre uma caixa de Pandora, porque elimina os limites do período colonial. O New York Times sugeriu o mesmo. Além disso, especialistas internacionais, como Phil Clark, da School of Oriental and African Studies de Londres, temem o efeito dominó. "A África não precisa de um novo mapa", disse Clark, segundo o New York Times.


No entanto, para o Pe. Sean O'Leary, diretor do Denis Hurley Peace Institute, com sede em Pretória (África do Sul), o referendo sudanês é um novo começo para todo o continente. "Essa votação é importante, não só para o povo do sul do Sudão, mas também é um potencial ponto de partida para reescrever as diversas fronteiras artificiais criadas na África durante a Conferência de Berlim de 1884-85", disse à Fides na sexta-feira. "Vemos o início de uma nova onda de independência. Como na África do Sul, em 1994, estamos testemunhando o nascimento de uma nova nação."