segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Sudão do Sul: Resultados preliminares de referendo confirmam independência


Missionário português diz que as igrejas querem estar presentes na redacção de uma proposta de Constituição
Lisboa, 31 Jan (Ecclesia) – Os resultados preliminares do referendo de autodeterminação realizado entre 9 e 15 deste mês, no sul do Sudão, revelam que uma maioria de 98,83 por cento das pessoas votou pela divisão do maior país africano.
Calcula-se que a população sul-sudanesa seja de 8,3 milhões, segundo dados do censo de 2008, 85% da qual vive na pobreza.
O presidente sudanês, Omar al-Bashir, já se comprometeu a reconhecer a separação do sul do Sudão, colocando ponto final num conflito que se prolongou por décadas, matando quase dois milhões de pessoas.
O missionário português José da Silva Vieira, a residir em Juba, capital do sul do Sudão, revela que “os próximos passos são a proclamação oficial final dos resultados”.
Num comentário publicado no seu blogue «Jirenna» (palavra guji, do sul da Etiópia, que significa vida), o padre comboniano, chefe de redacção da «Rádio Bakhita», diz que “entretanto, os partidos que governam o Norte e o Sul têm que terminar as negociações sobre Abyeai, as fronteiras, a cidadania, e a partilha dos recursos naturais e da dívida externa”.
“Uma comissão técnica formada por políticos, juízes e advogados, já está a elaborar uma proposta de Constituição para o novo país. A sociedade civil e as igrejas também gostariam de fazer parte do processo”, revela o padre José da Silva.
A data prevista para a proclamação da independência é o dia 9 de Julho.
OC
http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?tpl=&id=84044

domingo, 30 de janeiro de 2011

Notícias da AEFJN, nº 44


N.º 44 – Janeiro de 2011

Armas
Negociações em vista do Tratado sobre o Comércio de Armas
Negociadores de 192 Estados encontraram-se na ONU, em 12 de Julho de 2010, para dar início a conversações formais em vista de um acordo internacional, juridicamente vinculativo, para o controle do comércio das armas. Dez dias depois, deu-se a conhecer um documento preliminar, com os princípios e pontos fundamentais do futuro Tratado sobre o Comércio de Armas. Este documento mostra que a maioria dos Estados reconhece a necessidade de um tratado deste tipo. O próximo encontro da ONU sobre este tratado terá lugar em Março de 2011.
Para saber mais consulte: www.controlarms.org

SADC-APE
Cimeira da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral [SADC] termina com um apelo à rejeição dos APE
A Cimeira de Chefes de Estado reuniu a voz da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral para partilhar opiniões sobre prosperidade pessoal e liberdade económica.
M. Makoni/CJW ed.: http://www.africafiles.org/article.asp?ID=24236

Agricultura/alimentação
Congo-Brazzaville: Comunidade de pescadores desalojada
O Porto Autónomo de Pointe-Noire, para se expandir, expulsou 8 000 habitantes de uma aldeia de pescadores. Este desalojamento é um duro golpe para os proventos da comunidade, bem como o fecho do mercado que fornecia aos habitantes alimentos com proteínas, a preços acessíveis. «Eu sempre pesquei, desde a minha juventude, e agora não sei para onde vamos!», disse Josep Takpo, um velho pescador.
http://www.ips.org/africa/2010/11/congo-beninois-fishing-community-evicted/

Congo-Kinshasa: Investimentos de empresários indianos
RDC, 13 de Agosto de 2010 – O governo da R.D. do Congo oferece facilidades de investimento nos sectores agrícola e alimentar a empresários indianos. Isto permite-lhes arrendar enormes áreas de terra agrícola.
http://farmlandgrab.org/14769 ou http://www.africafiles.org/article.asp?ID=24170.

Direitos da Natureza na ONU
A sociedade civil debruça-se sobre uma nova resolução que está, neste momento, em estudo na ONU: os direitos da Natureza. Este assunto poderá ser discutido pelos governos, no dia 22 de Abril de 2011, dia da Terra. O documento está em fase de consulta informal e, por isso, ainda não está disponível ao público. No entanto, é tempo de começar a fazer pressão política. O objectivo deste debate – que a sociedade civil já havia solicitado em 2005 – é obrigar os 192 Estados-membros da ONU a declararem publicamente a sua posição quanto aos direitos da natureza. Esta campanha pretende corrigir a abordagem baseada apenas no mercado, que predomina nos trabalhos da ONU sobre o ambiente e sobre temas cruciais como a mudança climática, as florestas, a água e a biodiversidade. Estes direitos estão consagrados na Declaração Universal da Mãe Terra, adoptada em consequência da resposta de 32 000 pessoas de todo o mundo ao apelo do presidente Morales, em Cochabamba (Bolívia), em 22 de Abril de 2010, na «Conferência dos Povos sobre a Mudança Climática e os Direitos da Mãe Terra»
http://pwccc.wordpress.com/programa/

África : A Igreja fala da promoção da segurança alimentar
Nairobi, 26 de Novembro de 2010 – Os delegados da Assembleia das Igrejas Cristãs, em Nairobi, criticaram certos países de África por terem falhado à obrigação de «alimentarem» a sua população. «Muitas vezes, os governos falharam por terem destinado uma mínima parte do seu orçamento, 10%, à agricultura.» «Entre outras coisas, isto poderia mudar se o continente africano fosse auto-suficiente em alimentos.»
«A Igreja afirma que pode tomar a seu cargo todo o sector da educação das populações, e livrar da fome o continente. Os mais pobres podem ter formação, no terreno, sobre a maneira de utilizar os recursos disponíveis para a alimentação», insiste o grupo de trabalho dos delegados.
[cisa@wananchi.com] e http://www.e-alliance.ch/en/s/food/2010-churches-week-of-action-on-food/

Medicamentos-Saúde
Manifestação a favor do acesso aos medicamentos
No quadro da campanha do Médicos Sem fronteiras «Europa, não toque nos nossos medicamentos!», nós protestámos contra as políticas comerciais agressivas da Comissão Europeia, que vão afectar o acesso aos medicamentos nos países em vias de desenvolvimento. O protesto teve lugar por ocasião da abertura da Cimeira União Europeia-Índia, em Bruxelas, no dia 10 de Dezembro, em que se negociou um acordo comercial de livre intercâmbio.

As investigações sobre saúde em África têm soluções, mas não têm apoio
Não é por falta de talento que piora a situação da saúde em África. O desinteresse por parte dos políticos e a falta de fundos para a implementação de novas tecnologias têm também grande relevância.
M. Makoni em http://news.theage.com.au/breaking-news-world/african-health-research-has-solutions-but-no-support-20101213-18ub8.html

Empresas
A ENI instala-se na R. D. do Congo através da aquisição de um bloco petrolífero
A ENI é a primeira empresa italiana de energia a ter acesso ao sector do petróleo na R. D. do Congo. Esta empresa prevê assegurar 55% do bloco petrolífero de Ndunda, na parte ocidental do Congo. A exploração do petróleo começou em Setembro de 2010.
http://www.africafiles.org/article.asp?ID=24197

Sudão
O líder do Sul do Sudão faz pressão sobre os seus funcionários para entrar na campanha do Referendo
O Presidente do Governo do Sul do Sudão, Salva Kiir Mayardit, pressionou recentemente os seus funcionários para darem início de imediato à campanha de mobilização a favor do Referendo de Janeiro sobre a auto-determinação.
GK: http://www.sudantribune.com/

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Zimbabué: 27% inscritos nos cadernos eleitorais estão mortos


Mais de um quarto dos inscritos nos cadernos eleitorais do Zimbabué estão mortos, ao passo que mais de dois mil são mais do que centenários, conforme o relatório de uma organização zimbabueana independente divulgado hoje.

Segundo a agência AFP, o documento da Rede de Apoio às Eleições no Zimbabué (ZESN, na sigla em inglês), uma rede de associações locais independentes, mostra que as listas contam com 27 por cento de pessoas que já faleceram.
Por outro lado, um controlo por computador identificou 2.344 pessoas nascidas entre 1901 e 1909 e nove entre 1890 e 1900.
O exame das listas pela ZESN permitiu também identificar 93 "eleitores" com menos de um ano.
O partido do presidente Robert Mugabe, o ZANU-PF, quer eleições gerais este ano, para acabar com dois anos de partilha do poder com o Movimento para a Mudança Democrática, MDC (ex-oposição), do primeiro-ministro, Morgan Morgan Tsvangirai.
O chefe do governo entende que não há condições para um escrutínio equitativo.
A oposição, tal como os observadores, identificou a existência de "eleitores fantasmas" nas listas.
A comissão eleitoral anunciou que a falta de fundos não permitiria "limpar" as listas.
O ZANU-PF e o MDC tinham concordado com a adoção de uma nova Constituição antes das eleições gerais, mas as consultas políticas sobre o texto estão num impasse.
Diário Digital / Lusa
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?section_id=10&id_news=489767&page=1

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

POSSE ABUSIVA DA TERRA EM ÁFRICA


(Society of African Missions, Ficha «Justiça» nº 8)

Século XXI – A posse abusiva de terra em África

Desde 2007 que terrenos três vezes maiores que a Irlanda têm sido desviados por investidores estrangeiros para neles se fazerem mega quintas em África.
Estão em curso negociações para se fazer o mesmo. Enquanto muitos governos africanos acolhem este investimento, algumas agências internacionais, ONGs e populações locais não são tão entusiastas. Alguns vêem os arrendamentos de terra como uma posse abusiva, que apenas difere da colonização do séc. XIX porque envolve agentes diferentes. O relatório da ONU - «Posse abusiva da terra ou Oportunidade de Desenvolvimento» declara de forma diplomática que o investimento estrangeiro «podia traduzir-se em boas notícias se os objectivos dos arrendatários da terra forem compatíveis com as necessidades de investimento dos países (hospedeiros)». Numa perspectiva menos diplomática, isto significa que os arrendamentos ainda não trouxeram o investimento em agricultura responsável de que a África necessita.

Factos sobre os arrendamentos

Os Estados do Golfo, a China, a Coreia do Sul e a Índia arrendaram enormes extensões de terra africana. Empresas produtoras de biocombustível de Inglaterra, Alemanha, Suécia e de outros países europeus também investiram, em menor escala. A terra é arrendada por períodos até 99 anos para produzir arroz, milho, cana-de-açúcar, frutos e legumes, e sementes para biocombustível como óleo de palma e jatropha.
Os projectos de arrendamento de terra existem em pelo menos 17 países africanos. Se o investimento estrangeiro em terra africana não é novidade, o que é diferente agora é a dimensão e o facto de os arrendamentos serem agora feitos entre governos e grandes corporações e não entre empresas. No passado o investimento ajudou as economias locais através do comércio e emprego. Um arrendamento actual em Moçambique permite que 10 000 chineses produzam sementes para exportar para a China, cortando qualquer benefício local.
O arrendamento de terra tornou-se num assunto em 2008 quando o preço dos alimentos básicos duplicou. Temendo a sua vulnerabilidade, países ricos mas com terra pobre arável, como a Arábia Saudita, o Kuwait e o Qatar, aplicaram milhões de dólares em arrendamentos a longo prazo a fim de assegurarem a futura segurança alimentar. Também as alterações alimentares resultantes do crescimento das economias da China, Coreia do Sul e Índia, levaram a uma maior procura de terra arável. A acrescentar a estes factores, deu-se a repentina procura de biocombustível. Estes três factores juntos levaram a um aumento de procura de terra arável. Como a terra em África é abundante e, comparativamente, a mais barata no mundo, é a que mais atrai os investidores. Cerca de vinte países estrangeiros têm hoje terra arrendada em África.
O secretismo que ronda os acordos de arrendamento é geral – ninguém sabe exactamente quantos hectares estão arrendados, e as informações sobre os termos desses contratos são vagas e desconhecidas. O arrendamento de terra arável trouxe emprego significativo em algumas zonas, mas em outras os trabalhadores contratados não são locais. Em alguns países, como na Zâmbia, o produto da terra entra nos mercados locais e beneficia a população local, mas noutras zonas os produtos da terra são destinados à exportação. O benefício em termos de desenvolvimento de infra-estruturas tem sido desigual e mesmo onde isto aconteceu, por exemplo na construção de estradas, pouco tem sido feito a nível da manutenção.
Uma coisa é clara: até hoje os benefícios para os africanos não têm sido proporcionais aos dos arrendatários. Os africanos só vêem os restos.

Posse da terra: é a compra ou arrendamento de vastas áreas de terra por países ricos, por países onde os alimentos escasseiam ou por investidores privados, feita a países pobres ou em desenvolvimento, a fim de produzirem produtos agrícolas para exportação.

A Terra, um recurso que tem de ser protegido – Bispos Africanos

Um relatório recente do Sínodo dos Bispos Africanos criticou o secretismo que envolve os contratos de arrendamento de terra e enfatizou a necessidade de proteger a terra como recurso para as gerações futuras.
«Se a Igreja pretende ser a voz dos mais pobres, deve trazer à discussão pública este assunto e deve defender os direitos à terra das comunidades tradicionais contra investidores gananciosos e líderes corruptos.»
A actual forma de arrendamento de terra em África contradiz de muitas maneiras os ensinamentos da Igreja e os princípios sociais católicos. As comunidades locais não são geralmente envolvidas nas decisões acerca da terra, os produtos destinam-se sobretudo à exportação e existem preocupações quanto aos efeitos que a dimensão industrial das terras arrendadas poderá ter a longo prazo sobre o ambiente.

Motivos de preocupação

Investidores ambiciosos enfatizam os benefícios de maiores colheitas híbridas e de desenvolvimento do emprego e de infra-estruturas. Há governos que, ansiosos por estes benefícios, acolhem este investimento. Opiniões contrárias variam da desconfiança à crença de que o arrendamento é um «roubo neo-colonialista». Um relatório do IFPRI (Instituto Internacional de Pesquisa para a Política Alimentar) resume a razão para a oposição: «a desigualdade das relações de poder nos contratos de aquisição de terra pode pôr em risco a sobrevivência dos pobres. Uma vez que o Estado detém muitas vezes formalmente a propriedade da terra, os pobres correm o risco de serem desalojados em favor do investidor, sem terem sido consultados ou compensados.» Muitas vezes é a elite local que beneficia, enquanto os pobres acabam por ficar em piores condições porque lhes é negado o acesso a terra já cultivada, a terra para pastagem, a floresta ou a água.
Os governos dos países hospedeiros invocam geralmente que a terra que oferecem é pertença do Estado. Por lei, isto pode ser tecnicamente verdade, mas de facto os direitos comuns de ocupação são reconhecido há gerações. Nos contratos de investimento estrangeiro estes direitos são ignorados e a população expulsa. Esta injustiça alimenta potenciais conflitos. O secretismo, a corrupção e a exclusão da população local das negociações aumentam a indignação. Em Madagáscar, a agitação em torno de 1,3 milhões de hectares contribuiu para o derrube do governo. Muitos observadores acreditam que este tipo de conflito é inevitável.
Existem também preocupações sobre o efeito que a potencial instabilidade política em muitos países africanos terá nos investidores. Terão estes cuidado com o ambiente e as economias locais? Ou a tentação do maior lucro possível e mais rápido possível levará a melhor? A resposta a estas perguntas será decisiva para definir se o arrendamento de terras é uma posse abusiva neo-colonialista ou um investimento benéfico para os africanos.

Jatropha, biocombustível e Tanzânia

Os biocombustíveis podem ser feitos de plantas como o milho, a cana-de-açúcar e o óleo de palma, mas é a Jatropha – a «planta maravilha» - que países como o Gana, Angola, Etiópia e Tanzânia estão a cultivar intensivamente. A vantagem é que esta planta pode ser cultivada em terra árida, que não é adequada a outras culturas.
Na Tanzânia, as plantações de jatropha estão a causar problemas. Em 2009, o investimento foi suspenso em consequência da agitação em torno do desalojamento de agricultores e a conversão de alimentos em produtos para biocombustível. Além disso, a irrigação necessária a estas plantações provocou faltas de água. Há também provas de negócios obscuros com as populações locais, em que estes receberam menos de $10 por hectare de terra. Os locais estão a perder e não estão a ser tomadas medidas relativas aos efeitos da desertificação e uso de pesticidas.
Esta situação exemplifica os efeitos da falta de políticas sobre o uso da terra nos países africanos. Em resposta, o governo da Tanzânia quer publicar este ano algumas directivas nacionais sobre o investimento em biocombustível. Também está consciente de que isto pode não ser suficiente e de que a protecção do ambiente e dos direitos das populações exige legislação e aplicação das leis. Embora este seja um pequeno início, é um movimento na direcção certa, muito à frente de outros países africanos.

Um passo à frente – código de conduta

O arrendamento de terra é um fait accompli. Aceitando isto, a ONU e as ONGs estão a trabalhar no sentido de desenvolverem um código internacional que permita que as duas partes tenham benefícios.
Aderir a este código internacional seria opcional e pouco limitaria a corrupção local, mas é um primeiro passo que vale a pena dar. Este código estabelecerá princípios como: respeito dos direitos comuns; partilha de benefícios entre a população local (i.e. não apenas trazer trabalhadores) e aumento da transparência (redução de oportunidades para a corrupção). No entanto, as medidas têm de ser alargadas.
«A longo prazo, é do interesse dos investidores, dos governos hospedeiros e das populações locais assegurarem que estes acordos (arrendamentos) são devidamente negociados, que as práticas são sustentáveis e que os benefícios são partilhados. Não há organismo que, sozinho, assegure este processo. Mas é necessária a combinação da lei internacional, das políticas dos governos e o envolvimento da sociedade civil, dos meios de comunicação social e das comunidades locais, para minimizar ameaças e obter benefícios.» (Land Grabbing by Foreign Investors in Developing Countries, Risks and Opportunities, IFPRI 2009)

Não é ainda possível medir o impacto que terá o arrendamento da terra. Ainda não decorreu tempo suficiente para se materializarem os benefícios prometidos. No entanto, até agora o balanço pende para um resultado negativo. Para já, o juiz está ausente e o julgamento adiado. Um comentador disse, prudentemente, que «deve haver um olhar atento, esperançoso, mas ponderado, sobre os progressos do arrendamento de terra em África.»

Quem beneficia?

Um exame aos negócios com a terra em cinco países africanos identificou o seguinte:
- os governos têm um papel fundamental na atribuição de terras para arrendamento.
- os benefícios aparecem sob a forma de compromissos por parte dos investidores, criação de emprego e desenvolvimento de infra-estruturas – NÃO na forma de pagamento em dinheiro.
- apesar de certos países terem leis que exigem envolvimento local e benefícios, há grandes discrepâncias entre o que está escrito e a prática no terreno.
- há falta de mecanismos legais ou processuais para proteger os direitos locais, interesses, sobrevivência e bem-estar.
- a falta de transparência nas negociações cria um campo favorável à corrupção e a contratos que não maximizam o interesse público.
- os contratos analisados tendem a ser simplistas, comparados com a realidade económica da transacção.
- os mecanismos que asseguram o cumprimento dos compromissos pelos investidores são tratados com cláusulas vagas, quando existem.
Os pontos acima mencionados mostram que a população local é o último a ser beneficiado.

Fonte: «Land Grab or Development Opportunity» – an interagency collaboration led by the UN.


Esta ficha foi preparada pelo Secretariado da Justiça da Society of African Missions, Wilton, Cork. Email: jpic@sma.ie. Website: http://www.sma.ie/.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O que acontecerá com o Sudão?


Alguns temem uma catástrofe, outros aclamam a "nova onda da independência"
Paul De Maeyer


ROMA, quinta-feira, 13 de janeiro de 2011 (ZENIT.org) - No domingo passado, o "grande dia" começou para o sul do Sudão, com a votação do referendo que poderia dar lugar à mais nova nação da África.
A votação vai decidir o futuro da região, mais ou menos do tamanho da França e Alemanha juntas. Os cerca de quatro milhões de pessoas que registraram seu voto deveriam decidir se queriam a independência do Sudão ou se preferiam permanecer unidos.
O referendo faz parte do Acordo de Paz Global assinado em 2005, entre o regime sudanês do presidente Omar al-Bashir e os rebeldes do People's Liberation Army Movement (SPLA/M). Para ser válido, o referendo deve atingir uma quota de 60% do total registrado. Embora a votação termine no sábado, o resultado final será anunciado um mês depois, em 6 de fevereiro (ou 14 do mesmo mês, se houver recurso).
Se os separatistas vencerem, a região se tornará o 54º estado na África em 9 de julho, exatamente seis anos após a entrada em vigor do acordo de paz que pôs fim a uma sangrenta guerra civil (com pelo menos 2 milhões de vítimas) entre os muçulmanos do norte e os animistas do sul, que eclodiu em 1959 e durou, após uma longa pausa entre os anos de 1972-1983, até 2005. Não se sabe ainda que nome terá o novo país, mas se destacam entre as possibilidades: Novo Sudão, República do Nilo e inclusive Kush (ou Cuch, mencionado na Bíblia). Juba seria a capital.

Preparados?
Todos concordam em que o maior desafio começará após a provável independência. A questão é saber se "o sul do Sudão está realmente pronto para a independência". O site da BBC respondeu, em 4 de janeiro, em "Perguntas e Respostas": "Para ser brutalmente honesto, não". "Após décadas de guerra, no sul do Sudão falta tudo". "Depois que a euforia da independência passar, eles vão enfrentar a dura realidade dos milhares e milhares de sudaneses que voltarão para o sul e não terão nada", disse o bispo de El Obeid, Dom Macram Max Gassis, à Fides no sábado. "Não há escolas, hospitais, lares, nem sequer água potável", continuou o prelado, que teme a catástrofe humanitária que ocorreria se todos os do sul do Sudão, cerca de 4 milhões apenas na área de Cartum, decidirem voltar a esta região.
De acordo com o Sudan Household Health 2006, em algumas áreas da região, a mortalidade infantil durante o primeiro ano de vida ultrapassa os 110 óbitos por mil nascidos vivos. Para efeito de comparação, na Itália essa porcentagem foi de 3,4 óbitos (dados Istat) em 2006. Outro perigo que ameaça o futuro de Juba é o espectro de novos conflitos armados, especialmente em áreas que têm petróleo.
O petróleo é realmente a chave para entender o referendo. Graças aos investimentos da China (Pequim não só construiu estradas, assim como o Grande Gasoduto do Nilo, que começa no estado do sul Unity, em árabe chamado Al-Wada), o Sudão se tornou o terceiro maior produtor de petróleo da África, depois de Nigéria e Angola. O problema em Cartum é muito simples: as maiores áreas produtoras de petróleo estão concentradas no sul e, no caso de independência, o norte perderia o controle dos poços e, portanto, o controle da produção. Mas o sul também tem o seu próprio problema com o petróleo; precisa da infraestrutura do norte e do oleoduto fabricado na China para ser capaz de exportar o ouro negro.
Confirmam esses temores as notícias que chegam da disputada região de Abyei, que fica entre o norte e o sul, uma região rica em petróleo e água. Como noticiado pela Reuters, pelo menos 36 pessoas morreram em confrontos entre nômades árabes e fazendeiros, procurando pasto e água, coincidindo a violência com o referendo. Enquanto isso, outros ataques ocorreram no estado de Unity, na fronteira com estados como Kordofan Sul (que pertence ao norte) e com Bahr el-Ghazal Norte (Área Sul), segundo a Reuters.
Abyei é uma espécie de microcosmo de conflitos que vêm ocorrendo há décadas no Sudão: uma mistura explosiva de tensões étnicas, fronteiras ambíguas, petróleo e rivalidades antigas. Dirigentes do Sudanese Dinka Ngok, grupo étnico do sul, têm acusado abertamente o regime de Cartum de fornecer armas e equipamento militar para o grupo Misseriya Arab, militantes na região de Abyei, um grupo que também goza de um status especial e que atualmente está dirigido por uma representação mista, entre oficiais do SPLA/M e do National Congress Party.
Muito vai depender do presidente Bashir, que garantiu respeitar o resultado do referendo, embora ele esteja convencido de que Juba "é incapaz de sustentar seus cidadãos, ou formar um Estado ou governo" (Al Jazeehra, 8 de janeiro). Bashir tem sobre a cabeça um mandado de prisão emitido pelo International Criminal Court, por crimes contra a humanidade em Darfur. Suas promessas sobre os referendos não têm convencido os observadores, que temem o uso da velha tática de guerra "por vicários". Em uma manchete publicada no sábado passado pelo New York Times, o presidente dos EUA, Barack Obama, advertiu que "sob nenhuma circunstância, nenhum dos lados deveria usar as forças "vicárias" em um esforço para ganhar vantagem, enquanto aguardamos o resultado final".
Uma coisa é certa: O referendo não agrada Cartum. Para o ex-presidente sudanês, Sadiq al-Mahdi, líder na década de 80 de um dos grupos mais brutais da guerra civil, o referendo abre uma caixa de Pandora, porque elimina os limites do período colonial. O New York Times sugeriu o mesmo. Além disso, especialistas internacionais, como Phil Clark, da School of Oriental and African Studies de Londres, temem o efeito dominó. "A África não precisa de um novo mapa", disse Clark, segundo o New York Times.


No entanto, para o Pe. Sean O'Leary, diretor do Denis Hurley Peace Institute, com sede em Pretória (África do Sul), o referendo sudanês é um novo começo para todo o continente. "Essa votação é importante, não só para o povo do sul do Sudão, mas também é um potencial ponto de partida para reescrever as diversas fronteiras artificiais criadas na África durante a Conferência de Berlim de 1884-85", disse à Fides na sexta-feira. "Vemos o início de uma nova onda de independência. Como na África do Sul, em 1994, estamos testemunhando o nascimento de uma nova nação."

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Sudão corre risco de instrumentalização da religião


No contexto do referendo de independência do sul
CARTUM, terça-feira, 11 de janeiro de 2011 (ZENIT.org) – O “maior risco” do referendo que está ocorrendo no Sudão de 9 a 15 de janeiro (e em geral dos projetos separatistas na África) “é o de um uso instrumental da religião para apoiar projetos de independência”.
Este é o alerta lançado neste sábado por Fides, a agência de notícias vinculada à Congregação para a Evangelização dos Povos.
“A população está votando massivamente”, em clima de relativa calma, segundo Dom Edward Hiiboro Kussala, bispo de Tombura-Yambio, no sul do Sudão.
Porém, mais de trinta pessoas morreram em enfrentamentos nos últimos dias na região de Abyei, na divisa entre o norte e o sul do país, rica em petróleo e reivindicada tanto pelo norte, liderado por grupos muçulmanos, quanto pelo sul, de maioria cristã.
Cerca de 3,9 milhões de eleitores devem se manifestar a favor ou contra a independência do sul do país.
A maioria dos eleitores vive no sul, mas há um número importante de residentes no norte do Sudão, originários do sul, que estão registrados nas listas do referendo, assim como cidadãos que fazem parte da diáspora sudanesa no exterior.
Por um processo pacífico
É justamente para garantir o desenvolvimento pacífico do referendo que diversos organismos, instituições e personalidades, entre elas a Igreja Católica, estão levando adiante uma série de iniciativas.
O arcebispo da diocese sul-africana de Durban, cardeal Charles Napier, lidera uma delegação encarregada de fiscalizar as votações. A delegação faz parte de uma equipe ecumênica de observadores da Igreja Católica e da All African Conference of Churches.
Para o cardeal Napier, esta “oportunidade de examinar a vontade do povo é um acontecimento histórico, já que permite às pessoas comuns, que suportaram o peso da guerra civil e da exclusão do desenvolvimento, a possibilidade de exigir o reconhecimento da sua dignidade”.
O purpurado participa da missão acompanhado pelo diretor do Denis Hurley Peace Institut, o padre Sean O'Leary.
Para o padre O'Leary, este “é um voto importante não só para o povo do sul do Sudão, mas também um possível ponto de partida para a redefinição de várias fronteiras artificiais criadas na África durante a Conferência de Berlim de 1884-85”.
“Este referendo tem um significado para toda a África. Pode ser que assistamos ao começo de uma nova onda de independências”, declarou. “Como na África do Sul em 1994, o que estamos presenciando agora é o nascimento de uma nova nação”.
A iniciativa 101 dias de oração, promovida em conjunto pela Conferência Episcopal do Sudão, pela Conferência Episcopal dos Estados Unidos e pelo Catholic Relief Services, foi ampliada até 16 de janeiro.
Nos últimos meses, os bispos do Sudão acompanharam com orações, declarações e atos o processo que levou ao referendo. Entre eles, a publicação de duas cartas pastorais, uma em julho e outra em novembro, abordando a mudança no país.
Retirantes
Um dos problemas que o Sudão está enfrentando é o retorno dos sudaneses do sul que moravam no norte.
Dom Kussala explica que esses retirantes sofrem “sérios problemas; são recebidos por familiares e conhecidos, mas para o nosso território é difícil absorver este fluxo de pessoas”.
Segundo o bispo, cerca de 30.000 sudaneses do sul que viviam em Cartum pretendem voltar para o sul antes do fim do referendo.
Interesses
No âmbito regional, um independente Sudão do Sul estaria na esfera de influência econômica e política do Quênia, intensificando-se uma realidade que já se verifica hoje.
Conforme o jornal queniano The Nation, no sul do Sudão vivem 70.000 quenianos que controlam o setor bancário, a construção e a aviação.
A construção de novos oleodutos, estradas e conexões ferroviárias e de telecomunicações entre os dois países contribuiria para uma integração maior de suas economias, o que permitiria que o Quênia crescesse diante dos seus parceiros e competidores regionais.
O superior provincial dos religiosos combonianos no Sudão, padre Daniele Moschetti, destacou diante dos microfones da Rádio Vaticana algumas das razões da situação atual na região.
“Politicamente, desde 1956, desde a independência do Sudão dos ingleses, houve sempre uma guerra civil. Isto nos faz entender o desejo profundo das populações do sul, que nunca foram tratadas no mesmo nível das do norte: e o fato é que o sul é realmente muito mais pobre”, explicou.
“Temos também, é claro, a questão da sharia, a lei islâmica vigente no norte, que condena os cristãos a ser cidadãos de segunda classe do ponto de vista do trabalho, e que não reconhece alguns dos seus direitos”, continuou.
“Mas o motivo fundamental desta luta, desta guerra”, acrescentou, “é o petróleo e muitos outros recursos naturais presentes neste país”.

domingo, 9 de janeiro de 2011

PLATAFORMA POR DARFUR ACOMPANHA REFERENDO NO SUDÃO


COMUNICADO DE IMPRENSA
07.01.2010

SUDÃO: PLATAFORMA POR DARFUR ACOMPANHA REFERENDO

A Plataforma por Darfur, que congrega várias organizações portuguesas, está a acompanhar o referendo sobre a independência do Sul Sudão, que vai decorrer entre 9 e 15 de Janeiro.

As várias instituições esperam que o processo decorra com justiça e transparência, lembrando que, por causa destas eleições, fora lançada em 2010 a Campanha “Sudão 365”, para alertar a comunidade internacional.

Durante uma semana, a população do Sul do Sudão irá votar para decidir se deseja continuar a fazer parte de um Sudão unido ou prefere formar um país independente. Em 2009, mais de 2500 pessoas foram assassinadas nesta região e mais de 350 mil foram desalojadas.

No Darfur, na sequência de um conflito que já vitimou centenas de milhares de civis, os ataques contra a população continuam e milhões sofrem diariamente nos campos de refugiados.

O Sudão vive, assim, nestes dias, um momento crucial da sua história, após décadas de uma guerra civil que provocou a morte de dois milhões de pessoas e o êxodo de quatro milhões de refugiados.

A previsível separação do Sul fará surgir uma nova nação, vista por alguns Estados como uma ameaça aos seus próprios interesses.

O Governo sudanês não quer perder o controle da região centro-sul de Abyei, rica em reservas de petróleo, que deveria decidir, nesta ocasião, se pertencerá ao Sudão ou ao novo Estado do Sul. O risco de uma nova guerra civil é, por isso, real.

Neste sentido, a Plataforma deseja que o referendo seja conduzido de forma justa, transparente e pacífica, e que o Governo de Cartum respeite a vontade popular, democraticamente expressa, para que no pós-Referendo não haja retaliações sobre a população indefesa.

A Plataforma por Darfur trabalha, desde Agosto de 2007, para a sensibilização da sociedade civil em torno ao conflito na região sudanesa.

Integra instituições como a Amnistia Internacional, os Missionários Combonianos, a Fundação Ajuda à Igreja que Sofre, a Fundação Gonçalo da Silveira, a Antena Fé Justiça Europa-África, a Comissão de Justiça e Paz dos Institutos Religiosos e Mãos Unidas Padre Damião.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Terra agrícola de África é o novo alvo. Mas as colheitas são para outros


O solo cultivável é o novo objectivo na corrida aos recursos naturais. Mas são os países ricos a ganhar mais com isso
A meia dúzia de estranhos que desceram à remota aldeia maliana de Soumouni traz notícias alarmantes aos agricultores de parcos recursos: os seus humildes campos, trabalhados de geração em geração, são agora controlados pelo líder da Líbia, o coronel Muammar Kadhafi, e todos eles têm de partir das suas terras: "Disseram-nos que esta seria a última estação das chuvas em que podemos cultivar os nossos campos. Depois disso, demolirão todas as casas e ficarão com a terra", lamenta Mama Keita, 73 anos, líder desta povoação escondida por detrás de vegetação cerrada. "Disseram-nos que Kadhafi é o dono desta terra."

Ao longo de toda a África e do mundo em vias de desenvolvimento, uma corrida, nova e global, à terra está a devorar grandes extensões de solo cultivável. Apesar das suas tradições sem idade, os aldeões estupefactos descobrem que os governos africanos detêm as suas terras e têm estado a arrendá-la, frequentemente a preço de saldo, a investidores privados e governos estrangeiros para as décadas que aí vêm.

Organizações como as Nações Unidas e o Banco Mundial dizem que a prática, se for feita de forma justa, pode ajudar a alimentar a crescente população mundial ao introduzir a agricultura comercial em grande escala em locais onde esta não existe.

Porém, outros condenam estes negócios, classificando-os como apropriação neocolonial das terras, que destrói as aldeias, desenraíza dezenas de milhares de agricultores e cria uma massa volátil de pessoas pobres sem terra. Para tornar as coisas piores, dizem, grande parte dos alimentos destina-se aos países mais ricos. "A segurança alimentar do país em causa deve vir em primeiro lugar na mente de toda a gente", afirma Kofi Annan, o anterior secretário-geral da ONU, que agora trabalha na questão da agricultura africana. "De outra forma será exploração pura e simples e não resultará. Já vimos antes a luta por África. Não acho que queiramos assistir a uma segunda disputa do género", sublinha.

Um estudo do Banco Mundial divulgado em Setembro calcula que os negócios com terras agrícolas cobriam pelo menos 45 milhões de hectares - o tamanho dos estados americanos da Califórnia e da Virgínia Ocidental juntos -, só durante os primeiros 11 meses de 2009. Mais de 70% destes negócios eram de terras africanas, com o Sudão, Moçambique e a Etiópia entre os países que estão a transferir milhões de hectares para os investidores.

Escassez aumenta procura Antes de 2008, a média global de tais acordos era de menos de 4 milhões de hectares por ano, diz o relatório. No entanto, a crise alimentar nessa Primavera, que causou motins em pelo menos uma dúzia de países, alargou a tendência. A possibilidade de uma futura escassez atraiu quer governos ricos com falta de terra arável para alimentar a sua população, quer fundos de investimento seduzidos por um produto em diminuição.

"Vemos o interesse na aquisição de terras continuar ao mais alto nível", afirma Klaus Deininger, o economista do Banco Mundial que escreveu o relatório e que teve de retirar vários números de um site dirigido pela Grain, uma organização de apoio, porque os governos não revelam o teor dos acordos. "É óbvio que isto ainda não acabou."

O relatório, embora apoie, na generalidade, os investimentos, aponta resultados mistos. A ajuda externa à agricultura diminuiu 20% toda a ajuda em 1980 para 5% na actualidade, criando a necessidade de mais investimento para aumentar a produção.

Porém, muitos investimentos parecem não passar de especulação pura, que deixa as terras por aproveitar, conclui o relatório. Os agricultores foram desalojados sem compensação, a terra foi arrendada muito abaixo do seu valor, aqueles que foram despejados acabam a invadir os parques nacionais e as novas iniciativas criaram, de longe, menos emprego do que foi prometido.

A impressionante dimensão de alguns negócios galvaniza os opositores. Em Madagáscar, um negócio que teria entregue quase metade da terra arável do país a um conglomerado sul-coreano ajudou a cristalizar a oposição a um já impopular presidente e contribuiu para a sua queda, em 2009.

As pessoas estão a ser escorraçadas das suas terras em países como a Etiópia, o Uganda, a República Democrática do Congo, a Libéria e a Zâmbia. Nem sequer é invulgar os investidores chegarem a terras que estavam supostamente vazias. Em Moçambique, uma empresa de investimentos descobriu uma aldeia inteira, com o seu próprio posto de correios, no que tinha sido descrito como terra vaga, revela Olivier de Schutter, inspector alimentar da ONU. No Mali, cerca de um milhão de hectares ao longo do rio Níger e do seu delta interior são controlados por um trust gerido pelo Estado chamado Office du Niger. Em quase 80 anos, apenas 80 mil hectares de terra foram irrigados, pelo que o governo considera os novos investidores uma dádiva.

"Mesmo se déssemos a terra à população, eles não têm os meios para a de-senvolver, nem sequer o Estado", diz Abou Sow, director-executivo do Office du Niger, enumerando os países cujos governos ou sectores privados fizeram já investimentos ou expressaram interesse: China e África do Sul na cana de açúcar; Líbia e Arábia Saudita no arroz; Canadá, Bélgica, França, Coreia do Sul, Índia, Holanda e organizações multinacionais como o West African Development Bank.

Ao todo, Sow fala de cerca de 60 acordos, cobrindo pelo menos 250 mil hectares no Mali, embora algumas organizações digam que mais de 600 milhões de hectares estejam já atribuídos. Sow argumenta que a maioria dos investidores são malianos que produzem alimento para o mercado doméstico, mas reconhece que investidores externos como os líbios, que arrendaram 100 mil hectares, deverão expedir o seu arroz, carne e outros produtos agrícolas para o seu país.

"Que vantagem teriam em investir no Mali se depois não pudessem ficar com a sua própria produção?", questiona Sow.

Como acontece com muitos dos negócios, o dinheiro que o Mali possa ganhar com os arrendamentos permanece incerto. O acordo assinado com os líbios atribui a estes a terra por pelo menos 50 anos, em troca do seu desenvolvimento.

"Os líbios querem produzir arroz para os líbios, não para os malianos", afirma Mamadou Goita, director de uma organização sem fins lucrativos de investigação no Mali.

Ele e outros opositores sustentam que o governo está a privatizar um recurso nacional escasso sem melhorar a distribuição doméstica de alimentos, e é essa política, não a economia, que está a conduzir o processo, porque o Mali quer estimular os laços com a Líbia e com outros países.

As grandes extensões de terra atribuídas a investidores privados estão a muitos anos de começar a produção. Porém, os responsáveis notam que a Líbia já gastou mais de 40 milhões de euros na construção de um canal e de uma estrada de 40 quilómetros, construído por uma empresa chinesa, beneficiando as aldeias locais.

Todos os agricultores afectados, acrescenta Sow, incluindo os cerca de 20 mil afectados pelo projecto líbio, receberão uma compensação. "Se perderem uma árvore que seja, receberão o valor dessa árvore", garante.

No entanto, o descontentamento e a desconfiança estão a crescer. Numa manifestação o mês passado, centenas de agricultores exigiram que o governo pare tais negócios até que eles sejam ouvidos. Muitos dizem ter sido espancados e presos por soldados, mas garantem estar prontos a morrer pelas suas terras.

"A fome começará em breve", lança Ibrahima Coulibaly, responsável da comissão coordenadora das organizações de agricultores do Mali. "Se as pessoas não se erguerem pelos seus direitos, ficarão sem nada!"

"Ante!", gritou a multidão em Bamanankan, a língua local. "Recusamos!" Kassoum Denon, responsável regional do Office du Niger, acusa os opositores malianos de serem pagos por grupos ocidentais que se opõem ideologicamente à agricultura em grande escala. "Somos responsáveis pelo desenvolvimento do Mali", diz. "Se a sociedade civil não concorda com a maneira como estamos a fazer as coisas, a melhor coisa que têm a fazer é atirar-se a um lago."

O problema, notam os especialistas, é que o Mali continua a ser uma sociedade agrária. Expulsar os agricultores da terra sem lhes dar qualquer meio de subsistência alternativo aumenta o risco de a capital, Bamako, vir a ser invadida por pessoas desempregadas e sem raízes, que podem tornar-se um problema político.

"A terra é um recurso natural que 70% da população utiliza para sobreviver", afirma Kalfo Sanogo, economista do Fundo de Desenvolvimento da ONU no Mali. "Não podemos simplesmente expulsar 70% da população das terras, nem podemos dizer-lhes que se tornem apenas trabalhadores agrícolas." Numa abordagem diferente, um projecto norte-americano de 170 milhões de euros irá ajudar cerca de 800 agricultores malianos a adquirir cada um o direito a cinco hectares de terra limpa, protegendo-os contra a expulsão.

Jon C. Anderson, o director do projecto, argumenta que nenhum país se de- senvolveu economicamente tendo uma grande percentagem da sua população na agricultura. Os pequenos agricultores com títulos de propriedade ou terão êxito ou terão de vender a terra para financiar outro modo de vida, diz, embora os críticos digam que os camponeses continuarão a ser desalojados.

"Queremos revolucionar a relação entre o agricultor e o estado, uma relação em que o agricultor seja mais responsável", afirma Anderson.

Soumoni está situada a cerca de 30 quilómetros da estrada mais próxima. Os pastores, com o seu chapéu de palha característico, oferecem indicações como "vire à direita no monte de térmitas que tem o buraco".

Sekou Traore, de 69 anos, um dos anciões da aldeia, ficou estupefacto quando o governo disse, o ano passado, que a sua terra era agora controlada pela Líbia e começou a medir os campos. Considerou sempre a terra como sua, transmitida de avô para pai para filho. "Tudo o que queremos antes de demolirem as nossas casas e ficarem com as nossas terras é que nos mostrem as novas casas onde iremos viver e as novas terras onde iremos trabalhar", disse na manifestação do mês passado. "Temos todos muito medo", diz sobre os 2229 residentes da aldeia. "Uma coisa é certa, seremos nós as vítimas desta situação."
Neil Mac Farquhar/ Exclusivo i-The New York Times
Trad.: Fabrico Próprio

http://www.ionline.pt/conteudo/95281-terra-agricola-africa-e-o-novo-alvo-mas-as-colheitas-sao-outros