sábado, 23 de abril de 2011

A Líbia e o mundo do petróleo


18/04/2011 | Noam Chomsky *

O mundo do petróleo raramente está longe quando se trata de assuntos que envolvem o Oriente Médio e o Norte da África. Este mundo oferece um guia útil para entender as reações ocidentais diante dos levantes populares no mundo árabe. Argumenta-se que o petróleo não pode ser considerado um motivo para a intervenção na Líbia porque o Ocidente já tem acesso ao mesmo sob o regime de Kadafi. Isto é certo, mas irrelevante. Afinal, o mesmo poderia ser dito sobre o Iraque sob o regime de Saddam Hussein.

No mês passado, no tribunal internacional sobre crimes durante a guerra civil em Serra Leoa, o julgamento do ex-presidente liberiano Charles Taylor chegou ao fim. O promotor geral, o professor de Direito estadunidense David Crane, informou ao jornal The Times, de Londres, que o caso estava incompleto: os promotores queriam processar Muammar Kadafi, que, disse Crane, era, em última instância, o responsável pela mutilação e/ou assassinato de 1,2 milhões de pessoas.

Mas isso não aconteceria, esclareceu. Os Estados Unidos, o Reino Unido e outros países interviram para bloquear essa decisão. Ao ser perguntado sobre o porquê disso, respondeu: Bem-vindo ao mundo do petróleo!

Outra vítima recente de Kadafi foi sir Howard Davies, diretor da Escola de Economia de Londres, que renunciou depois de revelações sobre os laços da escola com o ditador líbio.

Em Cambridge, Massachusetts, o Monitor Group, uma empresa de consultoria fundada por professores de Harvard, foi bem paga por serviços tais como um livro para levar as palavras imortais de Kadafi ao público em conversão com famosos especialistas internacionais, junto com outros esforços para melhorar a imagem internacional da Líbia (de Kadafi). O mundo do petróleo raramente está longe quando se trata de assuntos que envolvem esta região.

Por exemplo, quando as dimensões da derrota estadunidense no Iraque já não podiam ser escondidas, a retórica bonita foi substituída pelo anúncio honesto de objetivos políticos. Em novembro de 2007, a Casa Branca emitiu uma declaração de princípios que insistia em que o Iraque deve conceder acesso e privilégio indefinidos aos invasores estadunidenses.

Dois meses depois, o presidente George W. Bush informou ao Congresso que rechaçaria a legislação que limitasse o emprego permanente das forças armadas estadunidenses no Iraque ou o controle dos Estados Unidos dos recursos petroleiros do Iraque; demandas que os Estados Unidos teriam que abandonar um pouco depois diante da resistência iraquiana.

O mundo do petróleo oferece um guia útil para entender as reações ocidentais diante dos notáveis levantes pró-democráticos no mundo árabe. O ditador rico em petróleo, que é um cliente confiável, é tratado com rédea solta. Houve pouca reação quando a Arábia Saudita declarou no dia 5 de março: as leis e regulamentos no reino proíbem totalmente qualquer tipo de manifestações, marchas e atos, assim como a sua convocação, já que vão contra os princípios da Shariah, os costumes e as tradições sauditas. O reino mobilizou enormes forças de segurança que aplicaram rigorosamente a proibição.

No Kuwait, pequenas manifestações foram sufocadas. O punho de ferro golpeou a população no Bahrein, depois que forças militares encabeçadas pela Arábia Saudita interviram para garantir que a monarquia sunita minoritária não fosse ameaçada pelas reivindicações de reformas democráticas.

O Bahrein é sensível não só porque abriga a Quinta Frota dos Estados Unidos, mas também porque faz fronteira com áreas xiitas da Arábia Saudita, local de maior parte das reservas do reino. Os recursos energéticos primários do mundo se localizam perto do Norte do Golfo Pérsico (ou Golfo Arábico, como costuma ser chamado pelos árabes), uma área em grande medida xiita, um potencial pesadelo para os planejadores ocidentais.

No Egito e na Tunísia, o levante popular conseguiu vitórias impressionantes, mas, como informou a Fundação Carnegie, os regimes permanecem e aparentemente estão decididos a frear o ímpeto pró-democracia gerado até agora. Uma mudança nas elites governantes e no sistema de governo segue sendo um objetivo distante, e que o Ocidente buscará mantê-lo assim.

A Líbia é um caso diferente, um Estado rico em petróleo dirigido por um ditador brutal que, não obstante, é pouco confiável: seria melhor ter um cliente digno de confiança. Quando iniciaram os protestos não violentos, Muammar Kadafi atuou rapidamente para sufocá-los.

No dia 22 de março, enquanto as forças de Kadafi convergiam para a capital rebelde de Bengasi, o principal assessor do presidente Barack Obama sobre Oriente Médio, Dennis Ross, advertiu que se ocorresse um massacre, todos culpariam os Estados Unidos por isso, uma consequência inaceitável.

E o Ocidente certamente não queria que o coronel Kadafi aumentasse seu poder e independência, sufocando a rebelião. Os Estados Unidos trabalharam então pela autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas de uma zona de exclusão aérea, que seria posta em prática por França, Inglaterra e os próprios Estados Unidos.

A intervenção evitou um provável massacre, mas foi interpretada pela coalizão como a autorização para o apoio direto aos rebeldes. Um cessar-fogo foi imposto às forças de Kadafi, mas se ajudou os rebeldes a avançar para o Oeste. Em pouco tempo conquistaram as principais fontes da produção petroleira da Líbia, ao menos temporariamente.

No dia 28 de março, o jornal em língua árabe sediado em Londres, Al-Quds Al-Arabi, advertiu que a intervenção dividiria a Líbia com dois estados, um Leste rico em petróleo e em mãos dos rebeldes e um Oeste encabeçado por Kadafi e mergulhado na pobreza. Com o controle dos poços petrolíferos assegurados, poderíamos estar diante de um novo emirado petroleiro líbio, escassamente habitado, protegido pelo Ocidente e muito similar aos estados emirados do Golfo. Ou a rebelião respaldada pelo Ocidente poderia seguir adiante até eliminar o irritante ditador.

Argumenta-se que o petróleo não pode ser um motivo para a intervenção porque o Ocidente já tem acesso ao mesmo sob o regime de Kadafi. Isso é certo, mas irrelevante. O mesmo poderia ser dito sobre o Iraque sob o regime de Saddam Hussein, ou sobre Irã e Cuba atualmente.

O que o Ocidente busca é o que Bush anunciou: o controle, ou ao menos clientes dignos de confiança e, no caso da Líbia, o acesso a enormes áreas inexploradas que se espera sejam ricas em petróleo. Documentos internos britânicos e estadunidenses insistem que o vírus do nacionalismo é o maior temor, já que poderia engendrar desobediência.

A intervenção está sendo realizada pelas três potências imperiais tradicionais (poderíamos lembrar - os líbios presumivelmente o fazem - que, depois da Primeira Guerra Mundial, a Itália foi responsável por um genocídio no Leste da Líbia).

As potências ocidentais estão atuando em virtual isolamento. Os estados na região - Turquia e Egito - não querem participar, tampouco a África. Os ditadores do Golfo se sentiriam felizes de ver Kadafi partir, mas, ainda empanturrados pelas armas avançadas que recebem para reciclar os petrodólares e assegurar a obediência, oferecem apenas uma participação simbólica. O mesmo se aplica em outros lugares: Índia, Brasil e, inclusive, Alemanha.

A primavera árabe tem raízes profundas. A região está em fermentação há muitos anos. A primeira da atual onda de protestos começou no ano passado, no Saara Ocidental, a última colónia africana, invadida pelo Marrocos em 1975 e retida ilegalmente desde então, de maneira similar ao Timor Oriental e aos territórios ocupados por Israel.

Um protesto não violento, em novembro do ano passado, foi sufocado por forças marroquinas. A França interveio para bloquear uma investigação do Conselho de Segurança sobre os crimes de seu cliente. Logo acendeu-se uma chama na Tunísia que, desde então, espalhou-se e tornou-se uma conflagração.

* Noam Chomsky é linguista, filósofo e ativista político estadunidense. Publicado originalmente no site da Agência Carta Maior. Tradução por Katarina Peixoto.

Fonte: www.envolverde.com.br

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Seminário sobre Advocacia social no Porto


O Workshop "Advocacia social: uma forma de pôr em prática a Doutrina Social da Igreja", previsto para o próximo sábado dia 9 de Abril, foi adiado para dia 14 de Maio, no mesmo local - CREU (Porto). Entende-se por Advocacia social, todo o esforço organizado para, em nome da justiça social, influenciar instituições e sistemas políticos, económicos e sociais no sentido de tomarem decisões que defendam os interesses de grupos desfavorecidos.

Depois da sua 1ª edição em Lisboa, no passado dia 19 de Março, avaliado pelos participantes como muito pertinente, lanço o desafio para que se inscrevam nesta nova oportunidade e para que divulguem por quem acharem por bem. O workshop dirige-se a todas as pessoas interessados em aprofundar estes temas, leigos ou religiosos, com ou sem grupo/ movimento/ organização/ paróquia de referência. A participação é gratuita. Para mais informações, consultar o cartaz em anexo.

Abraço,
Margarida

Margarida Alvim
Rede Fé e Desenvolvimento

Fundação Evangelização e Culturas (FEC)
margarida.alvim@fecongd.org
www.fecongd.org

domingo, 3 de abril de 2011

Globalizar a solidariedade


Entrevista com um responsável da Cáritas para a África

ROMA, domingo, 3 de abril de 2011 (ZENIT.org) - A trágica história da África ecoa em seu difícil presente, mas, segundo um responsável para a África da rede Cáritas, sua situação seria realmente dramática se não fosse pela Igreja Católica.
Nascido no Congo, o padre Pierre Cibambo Ntakobajira viu com seus próprios olhos a contribuição da Igreja para o continente. “Não sei qual seria a situação da África hoje se a Igreja não fosse tão dinâmica”, afirma.

Nesta entrevista, o sacerdote fala de sua própria história como católico e da necessidade permanente de “globalizar a solidariedade”.

–O senhor nasceu na República Democrática do Congo. Cresceu em um ambiente católico?

–Padre Ntakobajira: Em 1955, quando nasci, meus pais não eram cristãos. Não eram católicos. Viviam sua religião tradicional. Alguns de meus irmãos e irmãs já eram católicos, mas meus pais não.

–Custou-lhes aceitar a notícia de seu desejo de ser sacerdote?

–Padre Ntakobajira: Comecei a escola primária aos 7 anos e fui batizado em 1966. Tinha 11 anos e recebi o batismo dois anos antes de minha mãe, porque frequentava uma escola católica. Para mim era fácil ter contato com a fé católica.

–Você deixou Bukavu, no Congo, e foi para a Bélgica, estudar na Universidade Católica dali. Depois foi para o Canadá, ao Instituto Canadense para a Resolução de Conflitos. Por que deixou Bukavu?

–Padre Ntakobajira: Foi meu bispo que me pediu que fosse estudar para melhorar nossa participação no trabalho social e de desenvolvimento. Por isso fui à Bélgica. Estive ali três anos. Voltei ao meu país em 1994. Foi precisamente durante o genocídio em Ruanda. Pediram-me para assumir o escritório diocesano da Cáritas, para ajudar a organizar o trabalho em minha diocese, para auxiliar os muitos refugiados de Ruanda que naquele momento cruzavam a fronteira para entrar no Congo.

–Em um estudo da ONU de mais de 50 países subdesenvolvidos, 34 nações africanas formam parte da lista. Por que a África parece o continente do sofrimento?

–Padre Ntakobajira: Creio que levaria muito tempo para falar disso. Mas diria que é o resultado de uma combinação de muitos fatores: a perspectiva histórica, os sistemas econômicos internacionais, o governo e a cultura. É uma combinação de todos esses fatores. Ao fazer referência à história da África, é necessário que compreendamos que a história do continente é triste – a escravidão, por exemplo, e suas consequências. É uma história de colonialismo e exploração. Não é suficiente para explicar e justificar a situação atual, mas tem muito a ver com o que estamos dizendo da situação da África.

–Isso também tem a ver com a política e os governos atuais?

–Padre Ntakobajira: Durante muitos anos, o continente africano, e muitos dos países do continente, estiveram nas mãos de pessoas que foram postas ali não por serem adequadas, mas porque serviam aos interesses de outros. Durante a Guerra Fria, no Congo, por exemplo, tivemos Mobutu durante 32 anos, um homem que não fez nada para o Congo. O que sofremos no Congo hoje tem suas raízes naquela era. Mobutu foi posto no contexto da Guerra Fria, apoiado e com dinheiro da comunidade internacional, mas fazendo seus próprios negócios com este dinheiro e não desenvolvendo o país. É um país quatro vezes maior que a França, com 60 milhões de pessoas. Temos todos os recursos naturais que se podem imaginar. É como um paraíso e, ainda assim, as pessoas morrem de fome. Imagina isso?

–A África tem algumas das maiores riquezas naturais, mas sofre uma grande pobreza. É uma contradição que exige resposta.

–Padre Ntakobajira: Estes vários recursos naturais têm sido explorados por empresas externas e podemos ver que este mesmos recursos naturais são a principal razão da guerra que está causando estragos em países como o Congo. Em muitos países onde há petróleo, ouro e diamante, estabelece-se a miséria. Ter todas essas riquezas em seu solo parece ser uma maldição... Estes recursos são explorados e os lucros se gastam em armas que são trazidas para o país. No Congo, sobretudo na região oriental, sofremos com os que foram responsáveis pelo genocídio em Ruanda. Eles entraram no Congo e agora ocupam várias áreas do país, onde estão extraindo os recursos naturais e vendendo tudo para as companhias do exterior. Assim compram armas e se preparam para a guerra, para assassinar a população local e ameaçar a segurança da região. É um desastre.

–A Igreja católica é vital. Falando da educação na África, oferece educação para cerca de 1 milhão de crianças e tem mais de 2 mil hospitais, sem mencionar clínicas e orfanatos. Até que ponto é importante o trabalho da Igreja católica, ao manter essa infra-estrutura nas nações africanas?

–Padre Ntakobajira: Na África, graças a Deus, temos a Igreja, sobretudo a Igreja católica. Não sei qual seria a situação do continente hoje se a Igreja não fosse tão dinâmica. No Congo, eu venho da arquidiocese de Bakuvu, que gerencia 10 hospitais e mais de 200 centros de saúde. Assim se pode imaginar o compromisso e o impacto que a Igreja local tem nesta área, e todo mundo reconhece. A Igreja contribui muito para melhorar a situação das pessoas, sobretudo na educação e na saúde.

–Até que ponto é importante o trabalho de organizações como Cáritas, Ajuda à Igreja que Sofre e outras organizações beneficentes?

–Padre Ntakobajira: João Paulo II fez um apelo a todo o mundo que dizia: é necessário que globalizemos a solidariedade. As organizações católicas como AIS e Cáritas são uma forma concreta de globalizar a solidariedade, segundo o Evangelho e a doutrina social da Igreja. Por isso, é muito importante que estas organizações apoiem as Igrejas locais, porque elas necessitam de apoio em sua luta diária.

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Esta entrevista foi realizada por Mark Riedemann para "Onde Deus chora", um programa rádio-televisivo semanal produzido por Catholic Radio and Television Network, (CRTN), em colaboração com a organização católica Ajuda à Igreja que Sofre.
Mais informação em www.aisbrasil.org.br, www.fundacao-ais.pt.