quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Referendo no Sudão: possíveis cenários


Ashworth (DHPI): “Com a secessão, a vida da Igreja do Norte será mais difícil"
Por Mariaelena Finessi

ROMA, terça-feira, 17 de Agosto de 2010 (ZENIT.org) - Os bispos católicos do Sudão reuniram-se em Juba, de 15 a 22 de Julho, numa sessão plenária extraordinária, para reflectir sobre o próximo referendo previsto para o dia 9 de Janeiro de 2011.
No final desta reunião, os prelados divulgaram uma mensagem de "esperança e um convite à acção". A mensagem dirigi-se aos líderes sudaneses e "às pessoas de boa vontade".
Na redacção do documento, os bispos foram ajudados pelo Denis Hurley Peace Institute, nascido do Departamento "Justiça e Paz" da Conferência Episcopal da África do Sul, cuja missão é auxiliar na formação de líderes católicos com capacidade de actuar também nos processos de paz de outros países africanos.
No Sudão, maior Estado do continente africano, as igrejas, não somente a católica, começaram a desenvolver cursos e seminários para garantir à população do Sul toda a informação sobre o referendo.
"Este é um momento histórico - afirmam os bispos na sua mensagem. O Sudão já não voltará a ser o mesmo. Depois de séculos de opressão e exploração, após décadas de guerra e de violência (...), agora, cinco anos depois do Comprehensive Peace Agreement (CPA), chegou o momento de nos movermos e nos prepararmos para a mudança."
O CPA foi aprovado pelo Norte e pelo Sul do Sudão depois de um sangrento conflito sobre a pertença étnica, a religião e o acesso aos recursos naturais, entre eles o ouro, o algodão e o petróleo. O acordo possibilita aos povos do Sul o direito de escolher se vão continuar a fazer parte de um Sudão unido ou se optam pela independência.
John Ashworth, actual presidente do Denis Hurley Peace Institute, explica nesta entrevista à

ZENIT a actual situação política, social e religiosa do país e os possíveis cenários depois do referendo.
ZENIT: Poderia explicar-nos em que consiste o Comprehensive Peace Agreement (CPA)?
John Ashworth: Na verdade, trata-se de um documento de forma alguma "compreensivo", porque trata apenas dum dos conflitos no Sudão (por exemplo, não aborda a questão de Darfur). Afecta somente duas das partes em guerra, excluindo todos os demais partidos políticos e as facções militares, assim como a própria sociedade civil. Não é nem sequer um documento que fala da "paz"; é simplesmente um cessar-fogo que prevê um roteiro que deveria conduzir à paz.
Naturalmente, fazendo passar o conflito do nível militar ao político, deu-se um grande passo adiante, mas com todo o conflito. Finalmente, nem sequer se pode falar de um "acordo": foi assinado em 2005 por Cartum somente após uma intensa pressão diplomática. Em outros termos, os sudaneses do sul concebem o CPA quase exclusivamente como uma preparação para o referendo de 2011.
ZENIT: Qual é a situação religiosa no Sudão?
John Ashworth: No dia a dia, cristãos, muçulmanos e seguidores de religiões tradicionais africanas vivem uns ao lado dos outros sem problemas. Contudo, o governo do Sudão é um regime islâmico, ou melhor, é uma ditadura militar (recentemente "legitimada" por eleições que, para a maior parte das pessoas, não foram livres e justas), e os sucessivos governos do Norte começaram uma política de islamização que prejudicou os não-muçulmanos.
Todos os dados estatísticos no Sudão são suspeitos, mas a divisão religiosa é provavelmente esta: 60% muçulmanos, 40% não-muçulmanos. Os seguidores da religião tradicional africana são ainda uma minoria consistente entre os não-muçulmanos. Entre os cristãos, os católicos, anglicanos (Igreja Episcopal) e os presbiterianos são os 3 maiores grupos, com uma série de pequenas igrejas evangélicas independentes e algumas igrejas orientais que, todas juntas, sempre trabalharam bem. A Igreja Católica é, além disso, um dos membros fundadores do Conselho das Igrejas do Sudão.
ZENIT: Unidade ou secessão: que significado tem para as pessoas e para os políticos? Um referendo pode resolver os problemas humanitários e económicos do país?
John Ashworth: As causas profundas dos conflitos no Sudão geralmente são consideradas identitárias e ligadas à dinâmica centro-periferia. O Sudão é uma sociedade multicultural, multiétnica, multilingue e multirreligiosa, mas, na prática, uma só identidade, a árabe-islâmica, foi imposta a todos, tentando assimilar os demais e torná-los ao mesmo tempo cidadãos de segunda classe. Isso foi feito por todos os governos do Norte, não só pelo actual regime islâmico.
O Governo do Sudão, incluindo o acesso ao poder e aos recursos, está, no entanto, fortemente centralizado, sendo as áreas periféricas marginalizadas. Além disso, o petróleo converteu-se num factor importante nos conflitos, ainda que não seja uma de suas causas primárias. Estes problemas nunca foram resolvidos por um Sudão unido, e é por isso que o povo do Sul considera que a única solução é a secessão.
Em um Estado próprio independente, o Sul não deverá enfrentar a islamização e a arabização, nem a marginalização do poder, e terá a maior parte do petróleo em seu próprio território. Na verdade, porém, o Sul já está funcionando como um verdadeiro e autêntico Estado, de maneira que a secessão não suporia uma mudança importante. Espera-se que os progressos continuem e que algumas fraquezas do governo possam ser discutidas. As igrejas estão preparando um programa de diálogo, para que ajude também nisso.
Com relação ao Norte, este depende do petróleo do Sul, mas é provável que se possa negociar uma solução conciliadora que lhes permitir continuar a receber provisões dos recursos petrolíferos. Por outro lado, o Sul precisa do gasoduto do Norte para exportar seu petróleo e não quer um vizinho instável e o falido. Como esquecer o conflito do Darfur? Este conflito está destinado a continuar, visto que ainda não há soluções em discussão.
Finalmente, se acontecer a secessão, a vida será provavelmente mais difícil para a Igreja no Norte, pois esta continuará vivendo, ainda que já esteja acostumada, sob um regime islâmico opressor.
ZENIT: As igrejas da África estão a mobilizar-se para que o Sul não se desentenda do referendo. O que espera a conferência episcopal do Sudão? Você se consideraria neutro diante do resultado das urnas?
John Ashworth: Como Igreja, os bispos se atêm à sua última declaração, com a qual analisam a situação do país, explicando alguns dos prós e contras que comportariam inevitavelmente tanto o voto pela unidade como o voto pela secessão; então, exortam as pessoas a escolher seu destino. Como cidadãos particulares, no entanto, cada bispo tem sua própria opinião e já sabe como votará nesse dia.

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