A Igreja no Sudão foi o último bastião ao serviço da paz e na assistência às populações martirizadas durante 21 anos de guerra civil – e continua a desempenhar um papel activo na consolidação da paz e na reconstrução do país.
A Igreja – refiro-me às comunidades católicas e protestantes – manteve escolas e centros de saúde a funcionar, especialmente nas áreas controladas pelo Exército de Libertação do Povo do Sudão (SPLA na sigla inglesa), distribuiu alimentos e promoveu o diálogo para a paz no Sudão junto da comunidade internacional. O Conselho das Igrejas do Sul do Sudão desenvolveu um método de reconciliação «povo-para-povo» com o fim de fomentar a paz entre as muitas tribos e clãs que lutavam entre si na região, uma iniciativa crucial para pacificar o próprio Sul durante a guerra civil.
Ao lado do povo
Muitos agentes eclesiais – bispos, padres, catequistas e leigos – foram perseguidos, presos e mesmo torturados tanto pelo Governo de Cartum como pelo SPLA por denunciarem a arabização e islamização do Sul e as injustiças e arbitrariedades de alguns comandantes da resistência armada.
Um acordo assinado em 2005 pôs fim à longa guerra civil. O tratado continua a funcionar, embora pareça cada vez mais fragilizado pelo boicote constante do partido do presidente Hassan Omar al-Bashir, o Partido do Congresso Nacional, que arrasta a sua concretização o mais que pode à revelia da comunidade internacional, que funciona como garantia de que o tratado é cumprido na íntegra.
A Igreja essa permanece ao lado do seu rebanho como guardiã da paz neste momento crítico, o sexto e último ano do chamado «período interino», embora tenha demonstrado também alguma falta de iniciativa e de visão pastoral para responder aos novos desafios da consolidação do sistema democrático no país.
Maioria silenciosa
O ministro dos Assuntos Internos do Governo semiautónomo do Sul do Sudão no início de Novembro convidou alguns líderes das Igrejas presentes na região para discutir a actualidade política e o papel das comunidades eclesiais.
O ministro Gier Chuang Aluong disse aos oito líderes presentes – os arcebispos católico e anglicano de Juba, e representantes das Igrejas Pentecostal e Adventista, entre outros – que eles eram a voz da maioria silenciosa no Sul do Sudão e que o Governo precisava de fazer equipa com eles.
«Eu creio profundamente na necessidade de o Governo, o ministério, as forças da ordem e segurança trabalharem em conjunto com a Igreja porque ela continua a ser o porta-voz da maioria silenciosa. A Igreja é o centro da informação, dos interesses, do sofrimento, o centro de tudo no Sul do Sudão», disse.
Chuang acrescentou que o Sul do Sudão está a perder mais gente no tempo de paz que durante a guerra por causa dos conflitos intertribais alimentados pelo ódio permanente para manter o Sul dividido e tentarem provar que os sulistas por si sós são ingovernáveis e a região será uma nova Somália com senhores da guerra a controlar as suas áreas de influência e o governo central sem espaço para governar.
De facto, as Nações Unidas dizem que só em 2009 os conflitos intertribais fizeram mais de 2000 vítimas mortais. E dezenas de milhares de pessoas foram deslocadas pelos ataques que deixaram de alvejar os campos onde as vacas pernoitam e atacam mulheres e crianças em aldeias postas a ferro e fogo. O deslocamento de áreas inteiras veio agravar a escassez de comida em áreas fustigadas pela seca.
O ministro apelou aos líderes religiosos para colaborarem com o seu governo na promoção da paz, reconciliação e sanação nacional.
O arcebispo Daniel Deng Bul, primaz da Igreja Episcopal do Sudão (da comunhão anglicana), respondeu que os líderes religiosos estão prontos para assegurarem que o país não resvale de novo para a guerra e mantenha a paz.
O arcebispo católico de Juba, Dom Paolino Lukudu Loro, acrescentou que as igrejas têm a inspiração para se encontrarem com as populações e promover a reconciliação entre elas.
O bispo Rafael Kenyi, da Igreja Pentecostal do Sudão, por seu turno sublinhou que as igrejas devem dar a mão ao Governo para combaterem a insegurança na região.
Outros líderes religiosos acrescentaram a necessidade de desarmarem mentes e corações e sugeriram o estabelecimento de um Conselho de Anciãos da Igreja para aconselharem o presidente do Governo do Sul do Sudão.
Guardas da paz
As Igrejas no Sudão durante a guerra assistiram as populações com comida, medicamentos, escolas e apoio espiritual. No tempo da paz querem ser sentinelas do acordo de paz.
No dia 9 de Janeiro de 2005, o SPLA – que entretanto se transformou em movimento político – e o Governo de Cartum assinaram o Acordo Global de Paz, conhecido localmente por CPA, que consagrou um país com dois regimes (islâmico no Norte e secular no Sul) e pôs termo à segunda guerra civil, que começou em 1984 promovendo a partilha do poder e do petróleo entre o Norte e o Sul.
A Igreja teve um papel preponderante nas negociações de paz – o direito dos povos do Sul à autodeterminação foi promovido pelos líderes religiosos sob o tema «Deixai o meu Povo escolher» – e quer manter-se activa e vigilante no seu cumprimento.
As Igrejas cristãs organizaram recentemente em Juba, a capital do Sul, o Fórum Ecuménico do Sudão sob o tema «Juntos permanecemos unidos pela paz».
No final, o secretário-geral do Conselho das Igrejas do Sudão, reverendo Ramadan Shan, disse aos jornalistas que as igrejas querem construir paz, reconciliação e unidade. Ele explicou que a paz, reconciliação e implementação do acordo de paz são os assuntos que necessitam de uma intervenção urgente da Igreja.
O Rev. Shan adiantou que a Igreja tem um papel importante a desempenhar na concretização total do acordo de paz e disse que ia continuar a tentar relançar as conversações entre o SPLM e o NCP para desbloquear a legislação necessária para as eleições e o referendo.
Eleições e referendo
O período interino do Sudão já tem menos de um ano mas vai testemunhar dois eventos críticos do acordo de paz: as eleições gerais de 6 a 11 de Abril de 2010 e o referendo para a autodeterminação do Sul do Sudão, o mais tardar em Janeiro de 2011, acto em que os habitantes do Sul vão escolher entre a federação com o Norte ou a independência total. Parece que a agulha da vontade política pende mais para a independência. A lei que regula o acto foi finalmente aprovada depois do Natal antes de o parlamento nacional ser desactivado.
O Rev. Shan disse que as igrejas precisam de se comprometer com urgência na concretização do acordo de paz envolvendo-se no processo eleitoral através da educação cívica e consciencialização política de gente que nunca votou e vai receber 12 boletins de votos para eleger o presidente da República, o presidente do Sul do Sudão e o governador de Estado, além dos representantes para o parlamento nacional, sulista e estatal, dos círculos uninominais, mulheres e círculos nacionais para os partidos mais pequenos.
O bispo católico de Rumbek, o comboniano César Mazzolari, concorda com o líder do Conselho das Igrejas: «O nosso papel é criar a consciência para que as pessoas entendam a participação nas eleições como dever cristão e de amor para com a nação e a paz.»
Esta é também a opinião do bispo católico de Tombura-Yambio, diocese situada no Estado de Equatória Ocidental, junto à RD Congo, e atormentada pelos ataques constantes dos guerrilheiros ugandeses do Exército de Resistência do Senhor (LRA em inglês) que actuam na floresta fronteiriça do Sul do Sudão, RD Congo e África Central depois que o seu líder Joseph Kony se recusou a assinar o tratado de paz com o Governo de Campala mediado pelo vice-presidente do Sul do Sudão.
Dom Eduardo Hiiboro, de 45 anos, é o benjamim da Conferência Episcopal dos Bispos Católicos do Sudão e um especialista em assuntos de justiça e paz. Ele disse-me durante uma entrevista para a Cadeia de Rádios Católica do Sudão que as igrejas devem trabalhar para a construção da paz e da reconciliação para garantirem o êxito de dois momentos cruciais no Sudão: as eleições e o referendo.
Ele acrescentou que a Igreja se faz ouvir, pedindo a paz e dialogando sobre modos de a preservar.
Em Novembro, dom Hiboro, organizou um encontro de dois dias com os párocos da sua diocese no Centro Catequético de Nzara para delinearem uma estratégia para prevenir a violência durante e depois das eleições e do referendo.
O programa inclui encontros entre grupos étnicos, partidos políticos, chefes tradicionais, grupos religiosos e organizações não governamentais internacionais para celebrarem a reconciliação e consolidarem a paz.
Dom Hiiboro acrescentou que a sua diocese estava muito ocupada com a organização de encontros de oração para preparar as celebrações do quinto aniversário da assinatura do acordo de paz, que este ano decorreu em Yambio, explicando que a diocese de Yambio queria celebrar o evento com os corações convertidos à paz.
JOSÉ VIEIRA (Alem Mar, Fevereiro, 2010)
A Igreja – refiro-me às comunidades católicas e protestantes – manteve escolas e centros de saúde a funcionar, especialmente nas áreas controladas pelo Exército de Libertação do Povo do Sudão (SPLA na sigla inglesa), distribuiu alimentos e promoveu o diálogo para a paz no Sudão junto da comunidade internacional. O Conselho das Igrejas do Sul do Sudão desenvolveu um método de reconciliação «povo-para-povo» com o fim de fomentar a paz entre as muitas tribos e clãs que lutavam entre si na região, uma iniciativa crucial para pacificar o próprio Sul durante a guerra civil.
Ao lado do povo
Muitos agentes eclesiais – bispos, padres, catequistas e leigos – foram perseguidos, presos e mesmo torturados tanto pelo Governo de Cartum como pelo SPLA por denunciarem a arabização e islamização do Sul e as injustiças e arbitrariedades de alguns comandantes da resistência armada.
Um acordo assinado em 2005 pôs fim à longa guerra civil. O tratado continua a funcionar, embora pareça cada vez mais fragilizado pelo boicote constante do partido do presidente Hassan Omar al-Bashir, o Partido do Congresso Nacional, que arrasta a sua concretização o mais que pode à revelia da comunidade internacional, que funciona como garantia de que o tratado é cumprido na íntegra.
A Igreja essa permanece ao lado do seu rebanho como guardiã da paz neste momento crítico, o sexto e último ano do chamado «período interino», embora tenha demonstrado também alguma falta de iniciativa e de visão pastoral para responder aos novos desafios da consolidação do sistema democrático no país.
Maioria silenciosa
O ministro dos Assuntos Internos do Governo semiautónomo do Sul do Sudão no início de Novembro convidou alguns líderes das Igrejas presentes na região para discutir a actualidade política e o papel das comunidades eclesiais.
O ministro Gier Chuang Aluong disse aos oito líderes presentes – os arcebispos católico e anglicano de Juba, e representantes das Igrejas Pentecostal e Adventista, entre outros – que eles eram a voz da maioria silenciosa no Sul do Sudão e que o Governo precisava de fazer equipa com eles.
«Eu creio profundamente na necessidade de o Governo, o ministério, as forças da ordem e segurança trabalharem em conjunto com a Igreja porque ela continua a ser o porta-voz da maioria silenciosa. A Igreja é o centro da informação, dos interesses, do sofrimento, o centro de tudo no Sul do Sudão», disse.
Chuang acrescentou que o Sul do Sudão está a perder mais gente no tempo de paz que durante a guerra por causa dos conflitos intertribais alimentados pelo ódio permanente para manter o Sul dividido e tentarem provar que os sulistas por si sós são ingovernáveis e a região será uma nova Somália com senhores da guerra a controlar as suas áreas de influência e o governo central sem espaço para governar.
De facto, as Nações Unidas dizem que só em 2009 os conflitos intertribais fizeram mais de 2000 vítimas mortais. E dezenas de milhares de pessoas foram deslocadas pelos ataques que deixaram de alvejar os campos onde as vacas pernoitam e atacam mulheres e crianças em aldeias postas a ferro e fogo. O deslocamento de áreas inteiras veio agravar a escassez de comida em áreas fustigadas pela seca.
O ministro apelou aos líderes religiosos para colaborarem com o seu governo na promoção da paz, reconciliação e sanação nacional.
O arcebispo Daniel Deng Bul, primaz da Igreja Episcopal do Sudão (da comunhão anglicana), respondeu que os líderes religiosos estão prontos para assegurarem que o país não resvale de novo para a guerra e mantenha a paz.
O arcebispo católico de Juba, Dom Paolino Lukudu Loro, acrescentou que as igrejas têm a inspiração para se encontrarem com as populações e promover a reconciliação entre elas.
O bispo Rafael Kenyi, da Igreja Pentecostal do Sudão, por seu turno sublinhou que as igrejas devem dar a mão ao Governo para combaterem a insegurança na região.
Outros líderes religiosos acrescentaram a necessidade de desarmarem mentes e corações e sugeriram o estabelecimento de um Conselho de Anciãos da Igreja para aconselharem o presidente do Governo do Sul do Sudão.
Guardas da paz
As Igrejas no Sudão durante a guerra assistiram as populações com comida, medicamentos, escolas e apoio espiritual. No tempo da paz querem ser sentinelas do acordo de paz.
No dia 9 de Janeiro de 2005, o SPLA – que entretanto se transformou em movimento político – e o Governo de Cartum assinaram o Acordo Global de Paz, conhecido localmente por CPA, que consagrou um país com dois regimes (islâmico no Norte e secular no Sul) e pôs termo à segunda guerra civil, que começou em 1984 promovendo a partilha do poder e do petróleo entre o Norte e o Sul.
A Igreja teve um papel preponderante nas negociações de paz – o direito dos povos do Sul à autodeterminação foi promovido pelos líderes religiosos sob o tema «Deixai o meu Povo escolher» – e quer manter-se activa e vigilante no seu cumprimento.
As Igrejas cristãs organizaram recentemente em Juba, a capital do Sul, o Fórum Ecuménico do Sudão sob o tema «Juntos permanecemos unidos pela paz».
No final, o secretário-geral do Conselho das Igrejas do Sudão, reverendo Ramadan Shan, disse aos jornalistas que as igrejas querem construir paz, reconciliação e unidade. Ele explicou que a paz, reconciliação e implementação do acordo de paz são os assuntos que necessitam de uma intervenção urgente da Igreja.
O Rev. Shan adiantou que a Igreja tem um papel importante a desempenhar na concretização total do acordo de paz e disse que ia continuar a tentar relançar as conversações entre o SPLM e o NCP para desbloquear a legislação necessária para as eleições e o referendo.
Eleições e referendo
O período interino do Sudão já tem menos de um ano mas vai testemunhar dois eventos críticos do acordo de paz: as eleições gerais de 6 a 11 de Abril de 2010 e o referendo para a autodeterminação do Sul do Sudão, o mais tardar em Janeiro de 2011, acto em que os habitantes do Sul vão escolher entre a federação com o Norte ou a independência total. Parece que a agulha da vontade política pende mais para a independência. A lei que regula o acto foi finalmente aprovada depois do Natal antes de o parlamento nacional ser desactivado.
O Rev. Shan disse que as igrejas precisam de se comprometer com urgência na concretização do acordo de paz envolvendo-se no processo eleitoral através da educação cívica e consciencialização política de gente que nunca votou e vai receber 12 boletins de votos para eleger o presidente da República, o presidente do Sul do Sudão e o governador de Estado, além dos representantes para o parlamento nacional, sulista e estatal, dos círculos uninominais, mulheres e círculos nacionais para os partidos mais pequenos.
O bispo católico de Rumbek, o comboniano César Mazzolari, concorda com o líder do Conselho das Igrejas: «O nosso papel é criar a consciência para que as pessoas entendam a participação nas eleições como dever cristão e de amor para com a nação e a paz.»
Esta é também a opinião do bispo católico de Tombura-Yambio, diocese situada no Estado de Equatória Ocidental, junto à RD Congo, e atormentada pelos ataques constantes dos guerrilheiros ugandeses do Exército de Resistência do Senhor (LRA em inglês) que actuam na floresta fronteiriça do Sul do Sudão, RD Congo e África Central depois que o seu líder Joseph Kony se recusou a assinar o tratado de paz com o Governo de Campala mediado pelo vice-presidente do Sul do Sudão.
Dom Eduardo Hiiboro, de 45 anos, é o benjamim da Conferência Episcopal dos Bispos Católicos do Sudão e um especialista em assuntos de justiça e paz. Ele disse-me durante uma entrevista para a Cadeia de Rádios Católica do Sudão que as igrejas devem trabalhar para a construção da paz e da reconciliação para garantirem o êxito de dois momentos cruciais no Sudão: as eleições e o referendo.
Ele acrescentou que a Igreja se faz ouvir, pedindo a paz e dialogando sobre modos de a preservar.
Em Novembro, dom Hiboro, organizou um encontro de dois dias com os párocos da sua diocese no Centro Catequético de Nzara para delinearem uma estratégia para prevenir a violência durante e depois das eleições e do referendo.
O programa inclui encontros entre grupos étnicos, partidos políticos, chefes tradicionais, grupos religiosos e organizações não governamentais internacionais para celebrarem a reconciliação e consolidarem a paz.
Dom Hiiboro acrescentou que a sua diocese estava muito ocupada com a organização de encontros de oração para preparar as celebrações do quinto aniversário da assinatura do acordo de paz, que este ano decorreu em Yambio, explicando que a diocese de Yambio queria celebrar o evento com os corações convertidos à paz.
JOSÉ VIEIRA (Alem Mar, Fevereiro, 2010)
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