segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Os ODM, um sinal de esperança - Uma visão a partir da fé cristã


No dia 27 de Setembro, reuniram-se no Seminário do Verbo Divino em Lisboa, cerca de 50 pessoas para participarem num encontro de avaliação da Cimeira da ONU sobre os ODM. O responsável da Antena Fé e Justiça Europa-África em Portugal, fez a seguinte reflexão.

Reunimo-nos para avaliar a Cimeira da ONU sobre o andamento dos ODM, em Nova Iorque, de 20-22 Setembro de 2010. A primeira reacção poderia ser o que temos nós, sociedade civil e Igreja, a ver com isto? É um assunto político, eles que se entendam; ou o mundo sempre foi assim, uns mais pobres e outros mais ricos, uns mais desenvolvidos, outros menos. Nós também estamos em crise e em Portugal também há muitos pobres e desempregados, cada um que cuide de si. Os países pobres estão na situação em que estão porque não trabalham e têm governos corruptos, por isso, não adianta ajuda-los.
Temos mil e um argumentos para nos abstrairmos dos problemas dos outros e dos assuntos políticos, no entanto, a Fé no Deus em quem acreditamos não nos deixa ficar indiferentes. Exige que nos interessemos pela sorte de toda a humanidade e de toda a criação. Nada do que acontece no mundo nos deve ser alheio e indiferente. Estamos todos agrafados na mesma história, na mesma sorte e no mesmo destino.
O facto das Nações Unidas se terem comprometido com oito metas concretas de desenvolvimento global até 2015 é um sinal de esperança. Há pelo menos a preocupação pela sorte do outro. A indiferença e o egocentrismo foram vencidos pela solidariedade e entreajuda.
Como cristão, destaco, entre muitos, três textos bíblicos que me motivam a apoiar iniciativas deste tipo: Gn 4,9; 1Cor 11,33; Jo 15,12.

1. “O Senhor disse a Caim: «Onde está o teu irmão Abel?» Caim respondeu: «Não sei dele. Sou, porventura, guarda do meu irmão?» (Gn 4,9)
O Papa Bento XVI recordou que a actualidade profética da mensagem de Fátima está na dimensão solidária e reparadora da Mensagem de Maria: preocupar-se com os pecadores e sacrificar-se por eles. Fazer da nossa vida a urgência da caridade e a salvação de todos.
Vivemos num mundo globalizado, onde tudo parece uma aldeia na hora da curiosidade informativa: gostamos de saber todas as novidades e desgraças que vão acontecendo no mundo. Seguimos a guerra em directo, o drama dos mineiros chilenos hora a hora, as tensões no Médio Oriente, os discursos de Obama, as visitas do papa... mas somos capazes de não conhecer o vizinho do apartamento ao lado e desconhecer o drama da pobreza escondida dos vizinhos com que nos cruzamos todos os dias.
A comunicação e a globalização aproxima-nos na curiosidade mas nem sempre nos faz “guardas do nosso irmão”, nem sabemos como ele está, se sente ou vive. Onde está o teu irmão idoso e solitário? Onde está o teu irmão/ã que sofre violência doméstica ou é abusado por aqueles que o deviam proteger? Onde está o teu irmão migrante ou refugiado que procura acolhimento digno? Onde está o teu irmão que morre de forme ou por falta de cuidados mínimos de saúde? Onde está o teu irmão que nem sequer teve direito a nascer? Onde está o teu irmão neste mundo globalizado na curiosidade mas nem sempre na solidariedade e fraternidade?
É Deus que pergunta a Caim e pergunta a cada um de nós: Onde está o teu irmão? O desinteresse e a omissão pela sorte do outro podem ser assassinas. Somos de facto guardas dos nossos irmãos e da integridade da criação.

2. “Por isso, meus irmãos, quando vos reunirdes para comer, esperai uns pelos outros.” (1Cor 11,33)
“Esperai uns pelos outros”. Esta frase de S. Paulo sempre me tem interpelado, pois vivemos num mundo a ritmos diferentes. Há uns que estão mais desenvolvidos tecnologicamente, outros menos; há os que têm tempo para tudo, outros que não têm tempo para nada; Há uns que vivem em conflito, outros que vivem em paz; uns que têm recursos naturais, outros que têm recursos humanos e intelectuais; uns que valorizam mais a comunidade, outros o individuo; uns mais pobres e outros mais ricos... Mas todos somos cidadãos do mesmo Planeta terra, todos navegamos no mesmo barco. Não adianta celebrarmos a Eucaristia, pão partido por todos e para todos, se não formos capazes de esperar uns pelos outros e apoiarmos os que vão na cauda do grupo. O egoísmo míope não tem lugar à volta da Mesa do Senhor. A “fracção do Pão” só é abençoada pelo Espírito quando se faz sacramentalmente dentro e fraternamente fora.
O livre mercado, entregue a si mesmo é idolátrico. Só quando colocamos no centro o bem da pessoa toda e de todos é que podemos sentar-nos todos à mesma mesa sagrada da fraternidade eucarística. Por isso, a ajuda ao desenvolvimento é fundamental, mesmo quando, como agora, estamos de corda ao pescoço devido à subida do deficit. As pessoas e os países mais ricos devem esperar pelas pessoas, grupos e países mais pobres. A Eucaristia deve ser a expressão e o alimento de fraternidade solidária e não a sacralização das desigualdades instaladas e procuradas.

3. “É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei.” (Jo 15,12).
Por fim, o mandamento novo do amor. Saber onde está e como está o meu irmão, esperar por ele, deve brotar dum amor sincero e gratuito e não dum sentimento de quem dá esmola a um coitadinho. Amar não é criar dependências nem humilhar o nosso irmão. Amar é elevar, restabelecer a dignidade, ajudar a levantar, procurar as causas e impedir a perpetuação dos atrasos no desenvolvimento. Amar a terra é promover a ecologia e denunciar as práticas destruidoras do ambiente e da biodiversidade. Amar os mais desfavorecidos é criar condições de sustentabilidade no desenvolvimento e igualdade de oportunidades.
É importante exigir os 07% de apoio ao desenvolvimento aos países menos desenvolvidos, ajudar em catástrofes e emergências, mas é também fundamental promover relações comerciais e políticas mais justas e transparentes.
É desta forma que a AEFN procura trabalhar. Influenciando as políticas nas relações comerciais entre a Europa e África, para que a dependência e o subdesenvolvimento não se perpetuem, e o desenvolvimento e a dignidade dos povos africanos se possa afirmar como um hino ao Criador que a todos ama como filhos.

Lisboa, 27/09/2010

José Augusto Duarte Leitão, svd
Responsável pela Antena AEFJN Portugal

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