domingo, 6 de junho de 2010

Zâmbia, nação “cristã”?


Entrevista com Dom Telesphore Mpundu, pastor católico de Lusaka

LUSAKA, domingo, 6 de junho de 2010 (ZENIT.org).- A Zâmbia pode ser considerada uma nação cristã, mas ainda há muito a fazer para que a fé se converta em estilo de vida para os crentes católicos, de acordo com o arcebispo Telesphore Mpundu.
O prelado de Lusaka reflete nesta entrevista sobre o porquê de ser errôneo que a Zâmbia seja considerada oficialmente cristã e as razões para a esperança em seu país.

--Excelência, em 1991, o então presidente Chiluba declarou que a Zâmbia era oficialmente uma nação cristã e cada governo, desde aquele tempo, reafirmou esta fidelidade a Deus. Pode-se dizer que a Zâmbia foi especialmente santificada por esta fidelidade, por esta generosidade, uma generosidade oficial do Estado para Deus?
--Arcebispo Mpundu: Na realidade, não. Acredito que a Zâmbia seja um país como todos os países do mundo, amado por Deus, cristão ou não cristão. Ele não distingue nem discrimina. No que diz respeito à Igreja católica oficial na Zâmbia, a declaração da Zâmbia como nação cristã é algo com o que nós não coincidimos, pelo contrário, de alguma maneira, está errada e não é aconselhável.

--Por que não é aconselhável? O que há de ruim nesta declaração?
--Arcebispo Mpundu: Em primeiro lugar, tem que ver com os direitos constitucionais das pessoas. Se você declara um país cristão como parte da Constituição, então quem não é cristão está em desvantagem. Não preciso entrar em detalhes nas implicações de tal uma declaração. A revisão de 1996 da Constituição declarou a Zâmbia como nação cristã no preâmbulo e nós pensamos, e assim o dissemos, que estava errada. A Zâmbia deveria ser um Estado laico e não uma teocracia. Bem, governos sucessivos reafirmaram isto para os próprios interesses. Eles têm seus próprios interesses.

--Que interesses?
Arcebispo Mpundu: Estes interesses, em minha humilde opinião, e acredito que na opinião dos bispos católicos, são uma forma de tentar manipular os bispos católicos e a Igreja Católica.

--Como se pode manipular proclamando uma nação como cristã?
--Arcebispo Mpundu: Dando a impressão de ter uma relação com as igrejas cristãs e de apoiar às igrejas cristãs e, deste modo, adquirir seus votos, apoio, e nós pensamos que isto não está bom.

--E é assim por razões políticas?
Arcebispo Mpundu: Sim, trata-se de manobra política e, com o curso do tempo, foi provado que era assim, porque, infelizmente, durante este tempo, nos governos sucessivos ao presidente Frederick Chiluba, foi exumada uma montanha de corrupção. Não é que não houvera corrupção antes, mas deveria ter reduzido se, de verdade, o Estado é considerado "cristão". Claro que, um país não é cristão por uma declaração, embora esta declaração seja presidencial, ministerial, isso não significa que seja cristão ou não. É a forma, é a vida das pessoas. Para mim, para os bispos católicos da Zâmbia e para a maioria dos católicos, não é mais ou menos cristão devido àquela declaração, pelo que é uma declaração inútil. Não ajuda ninguém. Pelo contrário, põe o Cristianismo sob uma sombra ruim. "César" quer ser ao mesmo tempo padre, ser papa; aqueles que na história da Igreja, na história da religião, especialmente a religião judeu-cristã, quiseram ser profetas, sacerdotes e reis, terminaram sendo mais reis que profetas ou sacerdotes.

--A situação do país não é particularmente fácil; 51% da população vive com menos que um dólar por dia, fazendo da Zâmbia um dos países mais pobres no mundo. Qual é a razão disto, embora a Zâmbia seja rica em recursos? Tem o "cinturão do cobre". Por que a Zâmbia está economicamente atrasada?
--Arcebispo Mpundu: Agradeço por suscitar este tema. Para começar, você é muito generoso. Não é 51% mas 80%, uma estimativa conservadora e de curto prazo. Diria que 85% das pessoas da Zâmbia vive abaixo do limiar da pobreza. Por quê? Você mencionou isto em parte. Não é porque nós não temos recursos na Zâmbia; há recursos naturais, mas nas últimas quatro décadas, ou deste modo, infelizmente, embora tenhamos feito algum progresso, não foi bastante para beneficiar à maioria das pessoas. A maioria das pessoas é agora mais pobre que nos anos sessenta; e eu digo "os sessenta" porque eu os vivi.
Um das razões é a falta prioridades adequadas entre os líderes políticos. Por exemplo, a educação. A educação é a chave para o desenvolvimento. Justamente após a independência, a prioridade foi dada à educação. No entanto, o programa era algo como: "Mais é melhor". Mais jovens na escola não significa que se trata de uma educação de qualidade. Infelizmente, este foi infelizmente o caso.
Nós falamos de recursos naturais. Sim, o cobre é um deles, mas, infelizmente, o cobre também tem sido nossa maldição. Os políticos da primeira geração nos ensinaram, depois dos britânicos, que nós, os cidadãos da Zâmbia, éramos afortunados com uma "colher de cobre" na boca. Sim, isso era dito e se escutava, eu mesmo escutei isto. Como conseqüência, nossa economia na Zâmbia foi uma "mono-economia", dependendo do cobre, ano após ano.

--Sem desenvolver qualquer outro setor?
--Arcebispo Mpundu: Não se tomou esforço suficiente para diversificar a economia: por exemplo, o setor da indústria agrícola. Tivemos três ou quatro programas para fazer da agricultura a coluna principal de nossa economia, para tudo não foram determinadas mais que falsas aprovações. Uma foi conhecida como a "Reforma Agrária", durante o tempo de Kenneth Kaunda, a segunda foi a "Revolução Verde", logo vindo a "Operação Produção de Alimentos", logo "Volta à Terra". Não foi tudo bem planejado, nem se destinaram recursos suficientes ao setor e, conseqüentemente, ao fim, as pessoas não viram a agricultura um setor que implicasse numa atividade econômica lucrativa e, por isso, as pessoas não se dedicaram à, todavia, temos um montão de terra cultivável vazia. Da população de 12 milhões, cerca de cinco mora nas cidades e o resto está nas áreas rurais do país, que é maior que o Quênia.

--A Zâmbia tem a taxa de urbanização mais alta da África, verdade?
--Arcebispo Mpundu: Sim, de fato é dito que a Zâmbia, com mais de 45%, talvez 46%, das pessoas morando em cidades ou áreas urbanas, é um, se não o primeiro, dos países mais urbanizados na África.

--Mas dentro do contexto africano, a Zâmbia está indo bem economicamente. Tem inflação de um único dígito. Tem indicadores macroeconômicos que são positivos. Tem investimentos, que estão entrando. A inflação está abaixando. Estamos falando de um país que economicamente, pelo menos no papel, está indo bem e, todavia, ao mesmo tempo, em nossa conversa, e pelo que entendo, as reclamações de pobreza estão aumentando. Por que esta contradição? Onde está o problema?
--Arcebispo Mpundu: Permita-me esclarecer isto. Pra começar, esta era minha avaliação do segundo mandato do último presidente Mwanawasa. Houve um aumento enorme de confiança, da confiança dos investidores, como resultado de sua dedicação ao menos para reduzir a corrupção. Infelizmente, esta "injeção de investimentos" em nossa economia foi centrada novamente em apenas uma coisa. É minha avaliação pessoal. Por quê? Abriram-se mais minas, especialmente minas de cobre. Falou-se de um segundo "cinturão de cobra". A mineração de cobre tem trabalhado na Zâmbia nos últimos 67 anos. Chamávamos aquilo de cinturão de cobre. A província do cinturão do cobre. Agora então, sob Mwanawasa começaria um segundo cinturão de cobre no município no noroeste, em Solwezi. Se centrado em um único setor, você sabe quão volátil podem ser os preços do cobre. De 1973, com o embargo na produção de petróleo - especialmente por parte das nações árabes - a produção de cobre ficou muito cara. Então os preços do cobre caíram. Nove anos depois da independência, nossa economia começou a cair. Nunca nos recuperamos daquilo. Voltamos à mesma coisa. Tem-se prometido um montão de benefícios em curto prazo, com um montão de investimentos fluindo para a Zâmbia e prometendo abrir estas minas. Agora vem a crise econômica mundial, há um montão de demissões no cinturão de cobre agora mesmo, enquanto nós falamos. E aquelas minas que se iam abrir estão reduzindo em um número considerável. Demissões em todos lugares porque a produção relacionada com o cobre diminuiu.

--Ouvimos falar do desemprego nos Estados Unidos, do impacto na China, mas, na realidade, a história não contada nesta crise econômica, é que a África é o continente que está sofrendo mais com as consequências desta crise econômica.
--Arcebispo Mpundu: Isso está correto. Quando se encontra com 5.000 mineiros demitidos por semana na Zâmbia; supõe-se muito mais que um milhão no Estados Unidos, devido à proporção, mas isto tem acontecido nos últimos dois ou três meses e ninguém pode dizer quando parará. Acredito que isto ficará pior antes de começasse a melhorar. Esta é uma razão pela qual voltar a uma "mono-economia" e não investir bastante em agricultura, para fazê-la uma atividade mais vantajosa econômica para pessoas, é um grande erro.

--Eu tenho uma pergunta um pouco comprometedora para o senhor, já que os católicos superam os três milhões, dos doze que formam a população da Zâmbia. A educação católica é forte e tem presença. Não está desempenhando seu papel a corrupção neste problema do crescimento econômico? Se a corrupção está fazendo seu papel, onde falha a educação católica na hora de confrontar isto com os futuros líderes da sociedade da Zâmbia?
--Arcebispo Mpundu: Negar que nosso laicado católico está incluso na corrupção é enterrar a cabeça na areia como um avestruz. Posso lhe dar um exemplo. Um dia os bispos tiveram a honra e o privilégio de se encontrar com o antigo presidente Chiluba: "Olhe, senhor presidente, tem que fazer algo com a corrupção. Corrupção no governo. Corrupção na vida civil. Você, como presidente, tem que assumir a liderança. O governo deve tomar a liderança na reconstrução moral, principalmente no que se refere à corrupção". E o presidente Chiluba disse: "Obrigado. Corrupção! Não falem comigo. Falem com seus próprios católicos. 70% dos secretários permanentes são católicos. São os únicos que sabem como funciona o sistema". "Senhor presidente, isto não é um problema católico, é um problema nacional", respondemos.
Eu concordo com você, por outro lado temos dito nestes últimos anos que a Igreja na Zâmbia compartilha com os fiéis, e também com aqueles que não são membros da Igreja Católica, nosso tesouro mais escondido, que é a doutrina social da Igreja. Nossa gente está cada vez mais contente de que a Igreja tenha esta herança de doutrina, sobre como os seres humanos devem se relacionar uns com os outros, sobre temas de direitos humanos, da dignidade da pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus, e devemos fazer mais. Talvez deveríamos fazer muito mais. Agora estamos acordando. No setor educacional, asseguro, a Igreja Católica tem feito muito, infelizmente, como digo, por parte dos sucessivos governos, não têm sido destinados recursos suficientes ao setor educacional e não têm visto o quão importante é. Não se trata apenas de educação. É sobre educação de qualidade. Onde estão os recursos para aumentar as salas de aula, por exemplo, os laboratórios, o número de professores?

--Qual é o tamanho de uma sala de aula na Zâmbia? Na Europa ou Estados Unidos são 25 estudantes por classe.
--Arcebispo Mpundu: Essa é uma boa pergunta. Durante muito tempo tivemos sempre 40 por classe, mas dada a pressão com o passar dos anos, tem ido a 45 e agora é de 50. Aumentou-se a admissão, não há nenhum limite. "Que entrem mais crianças". Não há um limite de admissão, mas onde os põe? Não temos bastantes classes, laboratórios, nem professores. Se se tem muitos estudantes e não se tem bastantes professores... Tem-se visto que nas escolas secundárias, por exemplo, há entre 70 e 75 estudantes por professor. Pobre professor! São impossíveis de controlar. Quer preparar um exame, mas não é um exame que pode qualificar. Quer preparar sua lição, como fazer para ganhar a atenção deles? Mais é melhor? Não. Este é um exemplo.

--Mudemos de tema. Eu quero falar sobre os não cristãos, especialmente sobre a questão do Islã. Há uma islamização crescente, especialmente ao norte da Nigéria e em outros países africanos. Em Lusaka, há 10 anos havia uma mesquita, hoje acredito que há 10. É isto uma preocupação?
--Arcebispo Mpundu: Não sei se a palavra preocupação é a palavra correta. É um fato que o Islã está crescendo. Foi determinado, em um passado não tão distante, o que eu chamaria de uma campanha de proselitismo agressivo por parte dos muçulmanos; e pode-se ver isto nas ruas de Lusaka. Em uma escola islâmica instalada em Lusaka e em áreas rurais nos municípios centrais e orientais. Ao mesmo tempo, o que as pessoas esquecem é que as Igrejas cristãs também são crescentes. As Igrejas Católicas também aumentam, não só com uma paróquia, mas com várias paróquias que tiveram que se estabelecer nos últimos anos para servir melhor a nossos cristãos. O fato de que o islã esteja crescendo não é tanto motivo de preocupação quanto motivo de auto-exame para a igreja local. Que catequese temos dado de forma que nossa gente esteja devidamente formada em sua fé, para que não sejam abalados por isto ou por aquilo, porque igualmente fazemos frente às seitas?

--Chegaremos neste assunto, mas gostaria de voltar ao Islã. O senhor mencionou que é uma forma agressiva de islamização e há provas de que o dinheiro está vindo, por exemplo, da Arábia Saudita para a islamização da África. É este o caso da Zâmbia?
--Arcebispo Mpundu: Não sei. Não posso responder para eles e isto não é absolutamente algo novo. Eu, todos os anos, tenho várias tarefas para as missões. Tenho relações com algumas dioceses no Estados Unidos e Europa que nos ajudam em nossos programas pastorais. Não vejo por que o Islã, os muçulmanos, não farão a mesma coisa com seus irmãos e irmãs na Arábia Saudita, Barém ou Deus sabe onde... Não há qualquer coisa ruim nisto. Não me assusta, mas só me força a pensar: Que classe de formação na fé estamos dando a nossos cristãos de forma que eles estejam muito mais seguros em sua fé?

--E estão?
--Arcebispo Mpundu: Bem, não tanto quanto nós queríamos que estivessem. Estão, mas queríamos que estivessem muito mais seguros. As raízes da catequese não são tão profundas, não são suficientes. A Igreja é jovem, muito dinâmica, mas tem problemas como Igreja jovem na hora de "lançar os dentes". A fé não está suficientemente profunda para o que é nossa tarefa assegurar que nossa fé se enraíze. Nossa fé ilumina nossas práticas culturais e tradicionais, de forma que estas práticas culturais e tradições fiquem ricas pela luz da fé e ambos se entrelacem, de um modo tão maravilhoso dentro de nós que tornemos verdadeiramente cristãos africanos.

--Tem esperança nos jovens?
--Arcebispo Mpundu: Os jovens me dão muita esperança. Por exemplo, quando se trata de vocações, na arquidiocese de Lusaka, tenho 70 jovens no seminário maior e não tenho dinheiro suficiente para pagar a permanência deles no seminário; e esta é uma tragédia. Perdi alguns porque não consegui que estivessem todos no seminário. Primeiro porque não tenho dinheiro suficiente como Igreja local e, segundo, que também são dadas a nós cotas de nível nacional, como no ano de preparação. Eu só posso ter lá cinco estudantes, mas se tenho 15, bem, 10 podem esperar pelo próximo ano. Alguns têm pouca paciência para esperar, por isso tentamos achar modos e meios para os manter ocupados enquanto esperarem sua troca para ir para ao seminário maior. Estes são jovens que querem tornar-se sacerdotes e estão, principalmente, nas escolas secundárias ordinárias, onde lhes fazem piadas, onde são ridicularizados por tornarem-se sacerdotes, e ainda assim dizem: "Apesar de tudo, queremos ser os sacerdotes".

[Esta entrevista foi realizada por Mark Riedemann para "Deus Chora na Terra", um programa rádio televisivo semanal feito por Catholic Radio and Television Network (CRTN) em colaboração com a organização Ajuda à Igreja que Sofre.]
Mais informação em http://www.ain-e.org/, http://www.aischile.cl/

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