sábado, 1 de agosto de 2009

Alertar para o drama humanitário no Darfur



Na passada terça-feira, 28 de Julho, a Sociedade Histórica da Independência de Portugal, em Lisboa, recebeu algumas dezenas de pessoas que não quiseram perder a oportunidade de conhecer o Padre Feliz, dos Missionários Combonianos, em Portugal depois de mais uma temporada na região de Nyala, no Darfur. A visita do Missionário deu o mote para a Plataforma por Darfur, da qual a Amnistia Internacional Portugal faz parte, promover uma mesa redonda que visa alertar para o problema humanitário que se continua a viver nesta região sudanesa.No início da sessão, o Padre Leonel, também dos Missionários Combonianos, apresentou o orador principal, que soma já quase 20 anos de vivência no Sudão. Desde 2006 que o Padre Feliz se encontra na região do Nyala, na parte sul do Darfur, uma das zonas mais pobres do país (e do mundo). A poucos quilómetros fica um dos maiores campos de refugiados da região, conhecido por Kalma, onde estão entre 90 a 100 mil deslocados internos. Foi sobre tudo o que viveu e experienciou até hoje no Darfur que o Padre Feliz veio falar, sem receios ou tabus.O Darfur de hoje

Padre Feliz


Para que todos os presentes ficassem desde logo a par da realidade no Darfur, a mesa redonda contou com a presença do jornalista Paulo Moura, que esteve na região em 2004 e conseguiu, em poucas palavras, sumarizar tudo o que testemunhou. Primeiro, as violações, quando as mulheres saem dos campos de deslocados para apanhar lenha ou quando estão sem qualquer forma de protecção. O problema, explica o Padre Feliz, é que “ser violada é uma desonra” no Sudão, passando estas mulheres a serem desprezadas pelos seus familiares. Por vergonha, também não vão ao médico, o que muitas vezes resulta em morte.Para além destas, há muitas outras pessoas que morrem diariamente em resultado do conflito entre as milícias Janjaweed, o Governo e os rebeldes, acrescentou Paulo Moura. Muitos, refere o Padre Feliz, ficam por sepultar, o que para além de ser um risco para a saúde pública, é moralmente dramático, pois, tal como os católicos, os sudaneses têm rituais de sepultura essenciais à paz interior. A somar a tudo isto, continua o jornalista, há no Darfur epidemias e centenas de feridos que, por falta de médicos, acabam por engrossar o número de mortos. Diária é também a insegurança, conclui Paulo Moura, explicando assim o que viu em 2004.


Desde então, entrou no Sudão uma força de manutenção da paz da Organização das Nações Unidas (ONU) e da União Africana, denominada UNAMID, mas o Padre Feliz garante que ao ouvir o jornalista achou que se referia aos dias de hoje. No Darfur pouco mudou, continua, apontando duas alterações apenas. Primeiro, “as milícias Janjaweed actuam hoje de forma diferente, pois antigamente passeavam-se de camelo, armados. Hoje puseram um uniforme e não têm uma unidade”, diz, contando como um dia deu boleia a um elemento da milícia pensando que era um soldado comum.A segunda grande diferença, indica o Padre Feliz, é que “há hoje três grupos de rebeldes, subdivididos em mais de 20 ou 30 subgrupos. Era gente de Darfur, que estava unida pelo seu povo. Agora estão divididos”. É por isso que, conta, os conflitos surgem hoje sem aviso prévio e em qualquer lugar. “Os vários grupos quando se encontram começam rixas que se transformam em verdadeiras guerras. E elas surgem sem sabermos como. Não é possível prever”, diz. É por isso que afirma, em jeito de conclusão: “a palavra hoje no Darfur é anarquia”.As razões do conflito Para o Padre Feliz, “a única forma de acabar com o conflito no Darfur é desarmando, porque há gente que não devia estar armada”. E o Missionário não hesita em apontar o dedo à China, enquanto principal fornecedor de armas para o Sudão, ajudando a incendiar o conflito. Pedro Matos, que está com uma força da ONU no terreno desde o início do ano, aproveitou para sair do seu lugar na plateia e explicar com maior detalhe a origem da guerra, que remonta a 2003 mas têm raízes ancestrais, uma vez que, como diz o Padre Feliz: “O Sudão está mal desenhado, como tantos outros países de África. Foi feito a régua e esquadro”. Na divisão, dois povos ficaram a partilhar um mesmo território: os de origem árabe, mais a Norte, e os de origem africana, mais a Sul e, mais concretamente, no Darfur.


Estes últimos sentiram-se sempre discriminados face aos árabes, mas existia uma convivência pacífica, diz Pedro Matos. Quando as secas levaram os árabes a procurar alimento (ou o petróleo que hoje se sabe existir) nas terras do Darfur, começou uma rebelião africana que chegou à capital, Cartum, onde está o Governo ditatorial e de origem árabe (vigente desde os anos 50). Omar al-Bashir, presidente do país, controlou a multidão perseguindo os rebeldes e toda a etnia de que eram originários. Fechou então o Darfur ao exterior e entre Abril e Setembro de 2003 promoveu uma verdadeira limpeza étnica, dando armas aos árabes para que atacassem as aldeias africanas e eliminassem esta população.A proliferação das armas fez com que o conflito evoluísse de tal forma que foge hoje ao controlo do próprio al-Bashir, defende Pedro Matos, apontando os rebeldes que tinham já sido mencionados pelo Padre Feliz. Este continua: “hoje já não há aldeias para queimar, porque já estão queimadas ou destruídas”. Apesar disso, os deslocados continuam a ser incentivados a voltarem às suas terras, “pois há mais paz, mas não há nada a que estas pessoas se possam apegar. Quase não há escolas e não há desenvolvimento”, afirma. Factos que colocam o Sudão nos lugares mais baixos do ranking do Índice de Desenvolvimento Humano.Uma realidade que se vive ainda hoje no Darfur e que a Plataforma por Darfur começou a combater em 2007, com a criação do projecto “Uma Escola para Nyala”. Com a venda do CD de música “Frágil-Artistas Portugueses por Darfur” e de contributos individuais, foi possível reunir um forte contributo para criação daquela que é actualmente a melhor instituição de ensino da região, onde estudam cerca de 900 alunos. É através da educação que se vai tentar mudar o futuro da região e das sete milhões de pessoas afectadas pelo conflito.




Mais Informações: A Plataforma por Darfur


Em Agosto de 2007 várias organizações da sociedade civil, entre elas a Amnistia Internacional Portugal e os Missionários Combonianos, uniram-se para criar a denominada Plataforma por Darfur. O objectivo é sensibilizar os portugueses para o drama humanitário que ainda se vive no Sudão e hoje, para além das organizações mencionadas, fazem também parte desta associação a Antena Fé Justiça Europa-África, a Comissão de Justiça e Paz dos Institutos Religiosos ou Mãos Unidas Padre Damião, a Fundação AIS e a Fundação Gonçalo da Silveira. Saiba mais no site oficial da Plataforma por Darfur.

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