AEFJNPORTUGAL: Vaticano organiza fórum para o desenvolvimento em África

sábado, 2 de outubro de 2010

Vaticano organiza fórum para o desenvolvimento em África

Organizado na cidade de Abidjan

ABIDJAN, terça-feira, 28 de Setembro de 2010 (ZENIT.org) - O Conselho Pontifício para a Cultura, em colaboração com a Congregação para a Evangelização dos Povos, organiza um fórum para promover o desenvolvimento em África, "fazendo da pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus, o coração de toda consideração e iniciativa".
Segundo um comunicado do dicastério, divulgado pela Rádio Vaticano, o fórum acontecerá em Março de 2011, reunirá diversas organizações eclesiásticas internacionais e não-governamentais e terá como tema "Culturas, identidade dos povos e desenvolvimento em África e na diáspora negra".
Este Fórum pretende também ser um lugar de reflexão permanente para mostrar propostas concretas, permitir um compromisso no âmbito da cultura e da educação e ser um "trampolim" para o desenvolvimento de África.

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Quem somos e quais os nossos objectivos?

A Rede AEFJN foi criada em 1988 e reúne congregações religiosas e missionárias, femininas e masculinas que trabalham em África e na Europa, ou que simplesmente levam África no seu coração.

Objectivos

- Reunir e difundir informação sobre os problemas relacionados com a justiça em África e sobre os efeitos da política europeia no continente africano;
- Fazer recomendações aos institutos membros para mobilizar a opinião pública e organizar acções eficazes;
- Influenciar positivamente as decisões da União Europeia que afectem a vida dos africanos.

Forum d'Acção -50

Fórum de Acção n.º 50

O acesso a medicamentos baratos e de qualidade está em perigo?

A globalização alterou a forma de negociar e de obter lucros. Hoje em dia, grande parte dos lucros gerados pela indústria e pelos serviços vêm dos direitos de autor sobre invenções, etc. através das leis de «propriedade intelectual» (IP). Isto tem tido implicações no acesso à tecnologia, à informação e a produtos, como os medicamentos e as sementes.

A regulamentação da propriedade intelectual tornou-se num novo meio dos países ricos «continuarem a controlar» os países do sul do globo. As regulamentações rígidas têm também repercussões nos serviços de saúde dos países em desenvolvimento.

Os chamados Acordos TRIPS sobre Direitos de Propriedade Intelectual negociados em 1994 exigiam que todos os membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) estabelecessem, nos seus países, protecções para as patentes até 2005. Isto foi visto como um entrave à saúde pública em países de rendimento médio e baixo. A regulamentação da IP resultou numa diminuição do acesso a medicamentos em muitos países em desenvolvimento, porque se tornou impossível a estes países produzirem ou comprarem medicamentos baratos semelhantes aos protegidos por patentes. Em resposta às reclamações por parte da sociedade civil e dos países atingidos, a OMC adoptou a Declaração Doha em 2001. Esta Declaração permite que os países em desenvolvimento sejam desobrigados das patentes em caso de emergência na saúde pública, através da assinatura de «licenças obrigatórias1». Deste modo podem produzir ou importar medicamentos genéricos.

Os medicamentos genéricos têm, nos países em desenvolvimento, um papel importante na melhoria da qualidade da saúde pública. Hoje, os genéricos são de boa qualidade e custam cerca de 1 / 3 do preço da marca patenteada. As regulamentações da IP aumentam o preço das patentes, mantendo assim os preços altos dos medicamentos, ao mesmo tempo que restringem e atrasam a concorrência dos genéricos por parte de África, provocando assim um atraso na saúde pública deste continente.

Nos países ocidentais as regulamentações da IP tendem a tornar-se mais exigentes a cada ano que passa. Os instrumentos usados são os Acordos de Liberalização do Comércio (Free Trade Agreements) com os países do Sul. Os conflitos entre os que defendem a lei da IP e os que defendem a saúde pública, têm vindo a intensificar-se. De um lado estão as grandes empresas farmacêuticas, a OMC, os EUA e a UE, e do outro estão a sociedade civil e as instituições de saúde pública. Estes dois grupos lutam pelo acesso a medicamentos nos países em desenvolvimento. No centro do conflito está o valor das patentes dos produtos farmacêuticos e o seu impacto negativo na protecção da saúde pública.

Apesar das limitações, os acordos TRIPS reconhecem as necessidades dos países no domínio da saúde pública e concedem uma certa flexibilidade. Em acordos comerciais posteriores, tais como os Acordos de Parceria Económica (APE) com a África, as Caraíbas e os países do Pacífico (ACP), a UE acrescenta cláusulas à IP que ultrapassam as exigências da OMC. As patentes são válidas por mais de 20 anos e a concessão de licenças obrigatórias é reduzida, atrasando ainda mais a entrada dos genéricos no mercado africano. As regulamentações da UE protegem e ampliam os monopólios dos produtos farmacêuticos patenteados e autorizam os proprietários das marcas a cobrarem preços de monopólio e obterem lucros extraordinários. Estes benefícios comerciais são obtidos à custa da saúde dos africanos. Uma vez que a concorrência feita pelos genéricos é marginalizada, o custo dos medicamentos aumenta e restringe o acesso a medicamentos de primeira necessidade. Este é o efeito do rigor da regulamentação da IP.

Apesar da Comissão Europeia dizer que a Cariforum-APE (a única região que assinou um APE definitivo) promove a flexibilidade dos TRIPS em relação ao acesso aos medicamentos, existem receios que a regulamentação exigente da IP seja imposta durante as negociações APE com as regiões africanas.

Nas relações que mantém com os países em desenvolvimento, a UE dá com uma mão e tira com a outra. Enquanto a sua política de desenvolvimento está bastante comprometida em melhorar a saúde pública, a imposição dos Direitos IP aos acordos comerciais que serão assinados com os países ACP mina aqueles compromissos. Além disso, as regulamentações da IP que a UE tenta impor às regiões africanas não estão de acordo com as resoluções do Parlamento Europeu e com os compromissos tomados pela UE a respeito do acesso a medicamentos.

Outro perigo real para o acesso a medicamentos baratos é o novo tratado - o Acordo de Comércio Anti-Contrafacção (ACTA) - que está a ser negociado entre os países ricos, onde se incluem os EUA, UE, Japão, Canadá e Austrália. O ACTA é parte de uma estratégia mais ampla usada pelos países que apoiam o rigor das regulamentações da IP. Decerto que esta estratégia mina o acesso a genéricos baratos, na medida em que os considera como produtos resultantes de contrafacção. A recente apreensão de genéricos pela alfândega holandesa ilustra bem este receio. Os medicamentos estavam em trânsito na Holanda (com destino ao Brasil e à Nigéria, provenientes da Índia) e eram de «boa qualidade». As autoridades declararam que os medicamentos eram contrafeitos e violavam as leis relacionadas com patentes, enquanto a UNITAID2, agência sediada em Genebra que pagou os medicamentos, exigiu a sua reposição, alegando que a queixa não era justificada.

A sociedade civil africana, como em todo o mundo, tem um papel a desempenhar para impedir que estas ameaças se tornem realidade. Deveria haver coerência entre os acordos económicos (APE) e a política europeia de saúde pública para os países em desenvolvimento. Os acordos deveriam assegurar que o reforço das medidas sobre IP, não desviassem recursos de outros sectores prioritários como a saúde.

Nos APE, a UE deveria, em primeiro lugar, cumprir o seu compromisso de conceder ao desenvolvimento um apoio mais significativo, em vez de procurar a aplicação rigorosa da regulamentação IP.

Begoña Iñarra

O direito à alimentação em África está ameaçado em todas as frentes

Alimentar-se depende do acesso à comida ou da capacidade de a produzir. Para tal é preciso ter um rendimento e acesso à terra, à água, às sementes e ao crédito. É também preciso possuir os necessários direitos políticos, económicos e climáticos, boas relações comerciais, bem como saúde e educação.

Uma vez que a UE exerce influência sobre os governos africanos, as suas políticas têm consequências nas condições acima citadas. A UE incentiva e financia apenas determinados investimentos. Por esta razão, o direito à alimentação em África depende das políticas da UE.

A AEFJN pode agir sobre estes factores.

1. Política energética europeia

1.1. Promoção das energias renováveis e biocombustível: A directiva europeia foi adoptada sem critérios sociais satisfatórios que obriguem as empresas europeias a respeitar os direitos africanos.

Acções possíveis:
1. Solicitar aos governos europeus que esperem pelos resultados do estudo da Comissão Europeia (CE) sobre o impacto desta directiva sobre a alimentação em África, antes de a integrar na sua legislação;
2. Contribuir para este estudo da CE fornecendo dados concretos do terreno. A CE reconhece a importância da rede da Igreja em África, e isto pode ser uma importante fonte de informação para aquele estudo. Do mesmo modo, o seu papel de informador no terreno é muito significativo, pois são as terras dos africanos que estão em jogo. Assim, pedimos que consultem a informação enviada pela AEFJN-NAD Berlin-Misereor e que respondam ao seguinte questionário.
http://www.aefjn.be/index.php?option=com_content&task=category&sectionid=12&id=115&Itemid=163&lang=en

1.2 Parcerias de energia África-Europa: resposta aos desafios sobre a segurança energética, protecção climática, desenvolvimento e realização dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM). Estes objectivos louváveis, foram negociados sem a participação da sociedade civil.

Para mais informação: http://www.aefjn.be/index.php?option=com_content&task=category&sectionid=21&id=70&Itemid=93

1.3. Partilha de novas tecnologias com África: algumas empresas europeias estão a investir na produção local de electricidade e em redes locais na Europa e em África. Pedem à UE incentivos financeiros para estas tecnologias, que são alternativas aos grandes produtores e às grandes redes.

2. Uma política que influencie directamente a Agricultura em África
«Advancing Agriculture in Africa» é um fórum onde a sociedade civil pode dialogar com regularidade com a Comissão Europeia. A Comissão estipula os termos de apoio ao desenvolvimento agrícola para as regiões pobres e para as mulheres, que são geralmente negligenciadas quando se trata de instrumentos de ajuda.

3. Políticas de Desenvolvimento e de Comércio
Um exemplo: As TIC (Information and Communication Technologies - Tecnologias de Informação e Comunicação) tiveram bastante sucesso na Europa porque criam emprego e reduzem as emissões de CO2 - tal como em África! Os telefones móveis são utilizados pelos comerciantes africanos. Outros instalaram pequenos geradores (painéis solares, biocombustível ou aparelhos hidroeléctricos) para produzirem energia para aceder à Internet ou para carregar as baterias dos automóveis. Os painéis solares são cada vez mais usuais. Na Zâmbia, Tanzânia, Mali e Burkina Faso, grupos de pequenos agricultores usam LOGICIELS, ferramentas opensource (de livre acesso) para responderem às normas europeias e exportarem os seus produtos para a Europa. Treze países africanos beneficiam já de programas europeus de cooperação. A UE vai publicar recomendações sobre as TIC a promover, até Junho de 2009. As indústrias que trabalham neste campo vêem em África um mercado em potência. Estejamos vigilantes: as TIC devem constituir uma oportunidade útil e de fácil acesso para África, e não um meio dos estrangeiros controlarem os mercados e a informação melhor que os próprios africanos.

Outras áreas de acção possíveis

Acesso à terra:
A legislação africana está a ser pressionada por empresas internacionais que procuram terras férteis ou zonas para desbastar e semear as suas próprias culturas. Os investidores querem plantar, em zonas extensas e férteis, além de café, cacau, etc., monoculturas baratas para os biocombustíveis: jatropha, cana-de-açúcar, milho, palmeiras, óleo de rícino, miscanthus (erva de elefante ou maiti); e também culturas alimentares como arroz, milho e outras, que possam exportar para o país de origem da empresa.

http://www.aefjn.be/index.php?option=com_content&task=category&sectionid=12&id=34&Itemid=55

A última a aparecer em cena foi a Biochar (carvão de lenha). O Biochar é carvão produzido pela queima de material orgânico vegetal especialmente cultivado para esse efeito. Existe um lobby industrial que está a exercer pressão sobre os políticos de todo o mundo para que a técnica de produzir e enterrar o biochar seja reconhecida e apoiada financeiramente como meio de captar e mobilizar o carvão contido na atmosfera. É o que pedem os governos da Gâmbia, Gana, Lesoto, Moçambique, Níger, Senegal, Suazilândia, Tanzânia, Uganda, Zâmbia e Zimbabué. Corre-se o risco de que outros produtos sejam misturados com o biochar antes de este ser enterrado. Em breve, e se o sonho da empresa Carbonscape se realizar (espera utilizar 930 milhões de hectares para produzir carvão de lenha), poderemos ver florestas de árvores geneticamente modificadas, a crescer em terrenos essenciais para a alimentação dos povos africanos. O carvão de lenha pode melhorar a textura do solo e facilitar a retenção de água, mas apenas acrescenta carvão ao solo, não aumenta os sais minerais! Algumas terras carboníferas indianas revelaram infertilidade.

Para mais informações:
http://www.aefjn.be/index.php?option=com_content&task=category&sectionid=21&id=70&Itemid=93

O Clima

A UE está dividida e recusa-se a quantificar a sua ajuda aos países pobres. Enquanto os países europeus prometeram ajuda financeira aos países em desenvolvimento para poderem combater os efeitos do aquecimento global, estão à espera da posição dos EUA em relação às emissões de CO2. Esta ajuda é um factor fundamental para as discussões que terão lugar em Dezembro em Copenhaga. Estas conversações visam chegar a um acordo global sobre a redução das emissões de gás com efeito de estufa, para além de 2012 .

Os países da UE não estão de acordo sobre a maneira de partilhar a ajuda. O primeiro-ministro da Polónia, sr. Tusk, afirmou que se estava a pensar numa contribuição europeia da ordem dos 20 e 40 mil milhões de euros, mas admite que esta forma simplista de «quem polui mais, paga mais» é inaceitável. O seu país é um dos que mais poluem. Os dirigentes europeus concordaram em protelar este problema para a Cimeira de Junho, para que a sua posição em Copenhaga seja mais forte.

A OMC e o direito à alimentação
Oliver de Schutter, comentador da ONU sobre o direito à alimentação, apresentou o seu relatório sobre a OMC e o direito à alimentação na sessão do Conselho dos Direitos Humanos em 26 de Março de 2009.

(Ver http://www2.ohchr.org/french/bodies/hrcouncil/10session/index.htm )

O impasse previsível no ciclo de Doha pode tornar-se positivo, porque permitiria um prazo mais alargado para se reflectir sobre o direito à alimentação e a salvaguarda da agricultura familiar.

No Fórum Económico Mundial (FEM) que se reuniu há pouco tempo em Davos, na Suíça, os peritos em Comércio e os governantes admitiram que 2009 seria um ano propício para reduzir os diferendos que levaram ao impasse das negociações de Doha. Além disso, o G20 decidiu recentemente concluir o ciclo de Doha para evitar um golpe proteccionista. O G20 é um grupo informal e multilateral de países desenvolvidos e em desenvolvimento, que se reúne para estudar questões económicas.

Para mais informações sobre os efeitos da crise de Doha na OMC:
http://www.ipsinternational.org/fr/_note.asp?idnews=5221 (em francês)

AGRA : Oportunidade ou ratoeira?

A Aliança para uma Revolução Verde em África (AGRA) foi lançada oficialmente em 2006 e é presidida por Kofi Annan, anterior Secretário-Geral da ONU. Ele e outras personalidades importantes têm vindo a exercer influência sobre os governos africanos, sobre o NEPAD (Nova Parceria para o Desenvolvimento de África) e a União Africana (UA) com vista a estabelecer a AGRA neste continente. A AGRA é uma estrutura através da qual as multinacionais privadas entram em África para expandirem os seus mercados de sementes e outros produtos agrícolas. Acenam com o desenvolvimento económico aos pequenos agricultores e propõem empregos a vendedores. Na realidade, contudo, estão a promover uma agricultura industrial cara, prejudicial ao ambiente tropical e que nega a possibilidade de autonomia a grande parte dos agricultores africanos – porque não os envolve no diálogo. A AGRA não traz vantagens aos agricultores locais. Estes correm o risco de se afundarem ainda mais na pobreza por causa da competição pela terra e pela água, da perda de biodiversidade e dos custos de investimento a curto e médio prazo. A AGRA não financia, nem o melhoramento do comércio agrícola local, nem a divulgação das boas técnicas agrícolas africanas. Para além disto, o envolvimento dos governos africanos em acordos que os motivam a tornarem-se parceiros da AGRA em ajudas financeiras, ameaça também aumentar o peso da dívida.
Ver também: http://www.aefjn.be/index.php?option=com_content&task=category&sectionid=21&id=70&Itemid=93

C. Fouarge

A crise: uma oportunidade para a África?

O estado de crise não quer apenas dizer «perigo», mas também pode representar uma «oportunidade», uma possibilidade de mudança, uma busca de novos caminhos e soluções para os problemas. As crises actuais que têm afectado o mundo, incluindo a África, são também portadoras de esperança para uma mudança e um futuro melhor. As oportunidades das pessoas se juntarem ao esforço colectivo são hoje maiores do que em qualquer outra altura no passado.
A série de crises em 2008 foi um alerta sobre a situação global, cujas vítimas principais são, como sempre, os países em desenvolvimento e os mais pobres.

A Crise em África

As economias africanas conheceram, desde 2000, um crescimento médio anual de 5.8%, o que representa o mais próspero período de sucesso de há 40 anos. A África progrediu em vários domínios fundamentais: redução da pobreza, melhores governações, reformas económicas, controle da inflação, maior investimento directo estrangeiro (sobretudo na área das infra-estruturas) e consolidação da sua macroeconomia. A estabilidade política afirmou-se em muitos países e melhorou o acesso à água, à saúde e educação, embora seja necessário progredir mais. Parte deste sucesso deve-se à subida dos preços das matérias-primas, principalmente petróleo e minerais.

A África está bem integrada na globalização da rede de fornecimentos. O continente foi protegido dos efeitos imediatos da crise financeira mundial devido a uma certa marginalização dos mercados financeiros globais. No entanto, a desaceleração da economia está a ter fortes repercussões no continente e corre o risco de minar a década de crescimento económico. O preço das matérias-primas diminuiu e resultou numa redução de lucros de exportação. A procura de matérias-primas e serviços para exportação reduziu-se drasticamente e as empresas mineiras – na R. D. Congo, Gana e Zâmbia, por exemplo – foram obrigadas a reduzir ou a fechar a actividade. Isto teve impacto directo no emprego, na produção e nos rendimentos do Governo. Os africanos estão a ter remessas menos avultadas, vindas do estrangeiro. O turismo diminuiu. Há menos crédito e capital disponível para actividades comerciais e industriais. A ajuda estrangeira será certamente reduzida. O presidente Kikwete, da Tanzânia, avisou que a recessão global «é a maior ameaça ao desenvolvimento africano da história recente».

A África continua a ser um exportador de matérias-primas, logo, mais exposta a factores externos que influenciam o seu desenvolvimento social. O preço das matérias-primas caiu abruptamente (o petróleo caiu 50%, o cobre 60%) e deve permanecer baixo durante o ano de 2009. Isto torna incertas as expectativas de crescimento da África, mesmo em países como a Zâmbia que experimentou um crescimento bastante estável, devido ao preço elevado dos metais. O decréscimo de contribuições financeiras, juntamente com a escassez de crédito disponível vai afectar o desenvolvimento de infra-estruturas (estradas, portos, transporte, mercados, comunicações, etc.) planeados para os próximos anos. À medida que baixam os rendimentos do Estado, os orçamentos nacionais ficam pressionados e os serviços sociais são afectados. Em resultado, o desenvolvimento poderá decrescer e a crise levar a um maior empobrecimento dos povos de África.

A crise socioeconómica no continente foi precedida por várias crises em 2008: o aumento do preço dos alimentos, a crise energética e o elevado preço do petróleo. As mudanças climáticas, com graves secas e inundações, deixam marcas na agricultura e na produção alimentar e aumentam a vulnerabilidade dos agricultores. Outras crises crónicas, afectam o continente e travam o desenvolvimento: o acesso à água potável e sanidade, acesso à terra, à saúde e à educação, etc. Enquanto os países que dispõem de recursos naturais beneficiam da subida dos preços, o horizonte de outros países africanos torna-se mais sombrio.

O aumento dos preços dos alimentos básicos em 2006 a 2008 – em parte resultado da especulação financeira e do cultivo para combustíveis – culminou numa crise mundial de alimentação. A carência de alimentos e a falta de poder de compra por parte de milhões de pobres levou a uma extensa crise de fome e desespero e despoletou motins em muitos países africanos. Os países que antes eram auto-suficientes, dependem agora da importação de alimentos.

Uma saída para a Crise: a África deve tomar parte na solução

A crise actual é de uma tal dimensão que se levantam sérias dúvidas sobre a viabilidade do sistema económico globalizado.
Na sua busca de soluções para a crise, os europeus procuram uma nova arquitectura mundial financeira que leve em conta e dê prioridade a novas autoridades financeiras reguladoras. Como estas instituições ainda não estão a funcionar, muitos pensam que as «instituições multilaterais falhadas» (FMI, Banco Mundial, etc.) necessitam de uma reforma radical. No entanto, levanta-se uma questão: será que se pode confiar a procura de soluções às instituições que provocaram a crise?

No mundo desenvolvido, os governos utilizam grandes montantes do dinheiro público para reduzirem o impacto da crise. A maioria dos países africanos não tem capacidade de agir deste modo.
Os países em desenvolvimento estão a sofrer por uma crise que não provocaram. Assim, a manutenção do apoio financeiro a África deve ser prioridade da opção «ética» do Ocidente. Sacrificar a ajuda estrangeira reduziria as hipóteses de chegar à estabilidade económica global necessária para emergir da crise actual.

A África do Sul é o único país africano a participar na reunião do G20. Os responsáveis africanos, as instituições internacionais e a sociedade civil reuniram-se em Dar-es-Salaam em 10 e 11 de Março de 2009 para prepararem uma mensagem e enviar ao G20. Na declaração final escreveram: «A África deve tomar parte na solução da crise financeira global (…) a comunidade internacional deve manter o seu compromisso para com a assistência ao desenvolvimento para que o continente progrida no sentido da erradicação da pobreza e se recuse a perder o que ganhou durante uma década...». Os subscritores insistiram na necessidade de uma mudança na política do Banco Mundial, do FMI, de outros doadores e dos próprios governos africanos.
Foram postas questões importantes: «Como poderá a África e a comunidade internacional responder à crise? Que tipo de políticas serão adequadas para estabilizar a África?»

Para nós, consumidores, a solução para a crise reside numa mudança do estilo de vida, do consumo e dos hábitos alimentares.

A crise, uma oportunidade para a África

O mundo está a passar, não só por uma crise no sistema, mas uma crise do sistema, onde a economia real se submete à economia financeira. As causas primeiras da crise são o excesso de produção e o excesso de consumo, que levam a um desenvolvimento insustentável. A solução exige a transformação do actual sistema económico e uma mudança radical no crescimento, consumo e produção. A crise suscita questões fundamentais. Que ordem social e económica estamos dispostos a abraçar? Estamos prontos a trabalhar para alcançar um desenvolvimento sustentável e uma sociedade que se distancie do passado e se envolva decididamente com a pobreza, a exclusão e a injustiça? Esta crise representa uma oportunidade para um debate aberto sobre o significado e o papel da economia no nosso mundo globalizado.

A crise global de alimentação, que fez os preços subirem vertiginosamente, foi benéfica para os produtores de arroz. Em 2006, apesar das condições climáticas favoráveis, a África subsariana importou arroz no montante de mil milhões de dólares. A crise permite aos governos africanos afirmarem as suas políticas agrícolas, investirem mais nas explorações agrícolas do tipo familiar e nas infra-estruturas, tornarem-se auto-suficientes em produção alimentar e consolidarem a sua soberania alimentar. É também uma oportunidade para realizar reformas agrárias, facilitar o acesso à terra por parte dos mais pobres e evitar que as grandes empresas tomem conta da terra mais fértil. Em tempos de crise alimentar não se pode aceitar que se desviem as culturas para a produção de combustível.

A África pode representar uma oportunidade para os investidores internacionais, uma vez que oferece bons rendimentos aos investimentos e incentivos às companhias de telecomunicações, construção e consumo. O investimento pode apoiar o crescimento e o crescimento de África pode trazer uma nova vida às economias ricas que se estão a afundar.

O petróleo e os recursos minerais africanos, bem como o seu potencial agrícola são bastante cobiçados pela Europa e Ásia. Embora os actuais preços das matérias-primas sejam baixos e deixem pouca margem de manobra a negociações, quando a crise terminar os governantes africanos devem estabelecer contratos mais firmes com as empresas que exploram os seus recursos naturais, para que as populações locais deles tirem partido.

«A crise financeira mundial representa uma oportunidade para a África se libertar de uma ajuda que apenas aumentou a pobreza... para depender menos na ajuda exterior e concentrar-se mais no desenvolvimento de infra-estruturas e integração regional... Os políticos precisam de apresentar modos mais inovadores de financiar o desenvolvimento económico», afirma Okonjo-Iweala, antigo director-geral do Banco Mundial.

A África encontra-se perante um desafio: criar um ambiente que permita o regresso ao crescimento e a conquista de objectivos de paz, estabilidade, desenvolvimento e erradicação da pobreza. Isto exige um novo contrato social entre os vários parceiros sociais africanos que defina o tipo de África que querem. Se houvesse um tempo para a África precisar de pensar, este é o tempo. Esta é a oportunidade de construir uma nova África.
Begoña Iñarra

O que está a acontecer na Frente da Água?

«Os que se dedicam à privatização da água, fazendo dela um bem, como o petróleo, estão a negar às pessoas um direito humano tão fundamental como o ar que respiramos»
(Declaração do Presidente da ONU no Fórum Mundial sobre a Água, Março de 2009)

A Resolução do Parlamento Europeu (PE) sobre a água foi preparada, tendo em vista o Fórum Mundial da Água (World Water Forum - WWF) em Istambul. O texto lembra-nos que 8 milhões de pessoas morrem todos os anos por falta de acesso a água potável e a instalações sanitárias. Não se trata apenas das mortes, mas sobretudo, da pobreza da qualidade de vida, da perda gratuita de potencial humano. E, no entanto, muitas vozes ainda argumentam que a água pode ser considerada uma mercadoria e negam a noção de que é um direito humano fundamental - com receio de que isto tenha efeitos adversos nos seus lucros. Contudo, há sinais de esperança em recentes movimentos na «frente» da água. Este artigo pretende dar a conhecer alguns deles e identificar as acções que nós podemos empreender (as frentes em que podemos agir) de modo a ajudar estes sinais a tornarem-se realidade para milhões de irmãos e irmãs que, escandalosamente, não beneficiam deste direito básico.

Na sua resolução3, o PE afirmou que a água é um «direito fundamental e universal». Esperemos que os membros do PE que forem eleitos em Junho provem que este espírito, não apenas continue a existir, mas se concretize em acções concretas e coerentes. É lamentável que, apesar de ser legítima, a declaração do PE reconheça explicitamente que o Fórum é uma «oportunidade para delinear a política das decisões globais sobre a gestão da água e dos recursos hídricos» quando, apesar de teoricamente aberto, este representa, na realidade, interesses em negócios e não no bem comum. Maude Barlow, conselheira do presidente da Assembleia Geral da ONU, descreveu os membros do WWC - o órgão organizativo do Fórum - como os «senhores da água», sem mandato legítimo, e insistiu que os futuros Fóruns fossem realizados sob os auspícios da ONU.

O presidente da Assembleia Geral da ONU, Miguel d'Escoto Brockmann, não esteve presente no Fórum, mas a sua comunicação4 foi entregue por Maude Barlow. Nesta declaração ele expressava, com verdade, os seus receios quanto ao processo, à estrutura e ao desempenho do Fórum, e que os presidentes alternados estavam profundamente interessados nos lucros que a privatização da água pode gerar. Para fazer face aos desafios do mundo, Brockmann defendeu que as parcerias tenham em atenção toda a população, sejam democráticas, reflexo das tendências emergentes das leis dos direitos humanos fundamentais e apelem para certos comportamentos, para contabilidades transparentes e para uma responsabilidade real por parte do Fórum. Brockmann admitiu que a «própria ambiguidade da ONU e a falta de liderança» travaram o processo. Brockmann não deseja o desaparecimento do Fórum, mas vê-o a ter um papel fundamental, sob os auspícios da ONU, na solução das crises mundiais – sendo o acesso à água fundamental.

Como o Fórum Mundial da Água não partilha, na sua forma actual, da opinião geral contra a privatização da água, algumas organizações decidiram boicotá-lo e reunir-se em Istambul num fórum semelhante – o «Fórum Popular da Água». Reuniram-se para procurar soluções para a crise da água e pedir à Assembleia Geral da ONU que organize o próximo Fórum. Viram a participação de membros influentes da ONU como sinal de mudança palpável e simbólica de legitimidade do Fórum Mundial da Água, para o Fórum Popular da Água. Este último é organizado pela sociedade civil e inclui a participação de agricultores, populações autóctones, activistas, movimentos sociais e sindicatos.

Outro sinal de esperança reside no trabalho menos mediatizado, mas importante, do IERPE (Instituto Europeu de Pesquisa sobre Políticas da Água) e do Fórum Político Mundial (sob a direcção de Mikhail Gorbachev): o Memorando para um Protocolo Mundial sobre a Água5. O Memorando foi finalizado numa conferência realizada em Fevereiro, no Parlamento Europeu, sob o tema «Paz com a Água». Tendo em mente as necessidades dos pobres - «só os pobres têm escassez de água» - e a realidade de que não pode haver paz no mundo enquanto a água não for reconhecida como uma fonte insubstituível de vida, um direito humano e um bem comum, o Memorando espera contribuir para evolução de um novo modo de pensar acerca da água e sua gestão. Espera-se que seja um instrumento influente nas conversações «pós-Quioto», a serem realizadas em Copenhaga, em Dezembro.

Enquanto decorria a conferência «Paz com a Água», a PSIRU (Unidade de Pesquisa Internacional sobre Serviços Públicos) finalizava o seu relatório «Parcerias Público-Público sobre a Água»(PUP)6. Este documento analisa a eficácia desta abordagem por parte do sector público sobre a gestão da água e nomeia vários exemplos de sucesso de parcerias solidárias internas e entre continentes, e recomenda-as. A maior parte dos operadores da água no mundo são do sector público. Isto significa que é aqui que se encontra a experiência mais vasta e os melhores exemplos de boa gestão. Desde 1990, contudo, a política dos doadores e dos bancos de desenvolvimento tem-se concentrado nas empresas privadas, menosprezando o contributo do sector público. E contudo, algumas empresas públicas de gestão de água têm vindo a ajudar, discretamente, outras empresas a desenvolverem a capacidade de se tornarem serviços públicos eficientes e de confiança. Estas parcerias são transparentes, não buscam o lucro e deixam espaço às necessidades e gestão locais.

Estas PUP são dirigidas por activistas africanos, com os quais a AEFJN está em contacto. Numa carta aberta ao presidente da União Africana (UA), em 2008, uma delegação de movimentos sociais africanos que trabalham em conjunto, nos assuntos de água e justiça social solicitaram da UA:

- Que os dadores apoiem os serviços públicos e não os destruam; (a delegação acrescentou que havia, no continente, empresas públicas fortes capazes de facilitar a reestruturação das mais fracas, através das PUP).

- Apoiar a delegação a exercer pressão sobre a UE, para que esta dê prioridade às parcerias PUP sobre as parcerias público-privadas.

- Reconhecer que a água é um direito humano e encorajar as nações a integrarem este direito nas suas constituições.

- Desenvolver esquemas de pagamento da água que assegurem aos mais pobres o acesso à água.

A delegação sublinha que estes pontos «ajudarão a reduzir o orçamento do continente para a saúde, a aumentar a produtividade, a reduzir a pobreza e aumentar a dignidade dos homens.»

A delegação fala em nome de milhões de africanos. O que pode cada um de nós fazer, com o seu conhecimento pessoal de África, para mostrar solidariedade? Com a aproximação das eleições europeias, os que vivem na Europa terão uma oportunidade única. Podemos conhecer os candidatos e:

- Tentar perceber se eles têm o sentido de «família global»;
- Tentar perceber as suas opiniões sobre a privatização da água (i.e. como um serviço?);
- Perceber o seu envolvimento pessoal com a questão da água como bem comum e direito humano;
- Ler e partilhar informação sobre as PUP com os candidatos e ver como reagem;
- Votar de acordo com o conhecimento que temos dos candidatos e encorajar outras pessoas a fazerem o mesmo.

Todos nós, onde quer que nos encontremos, mas sobretudo em zonas onde a água é distribuída livremente, podemos reflectir sobre o uso que fazemos da água. Podemos ouvir o relato de experiências dos que trabalham para melhorar o acesso à água e aos serviços sanitários em África; podemos enviar-lhes palavras de motivação; defender a sua causa nos parlamentos nacional e europeu nas questões mais importantes para as populações africanas (ex. o desvio de fundos das parcerias público-privadas para as PUP); acompanhar a evolução do Protocolo sobre a água; felicitar Brockmann pelas suas palavras verdadeiras por altura do Fórum Mundial da Água e pedir um relatório de actividades; exigir contas e transparência aos representantes que elegemos.

Não haverá certamente uma mudança mágica do dia para a noite, mas com um pouco de coragem, as pequenas acções e as palavras de encorajamento podem contribuir para a mudança. Sim, nós podemos (Yes, we can!)
Anne Rutter

Os Acordos de Parceria Económica e o Género

Os Acordos de Parceria Económica (APE), tal como todos os outros Acordos de Comércio Livre (FTA), têm como consequência desvios económicos. Isto significa que um país passa a não importar de outro como dantes, porque é economicamente mais vantajoso importar de um terceiro. Por exemplo, a assinatura de acordos de comércio entre a UE e a África do Sul desviou a importação de carne da Namíbia, porque se tornou mais barato importá-la da UE. Os desvios afectam de modo diferente os diversos sectores económicos. Para além disso, a distribuição do trabalho é diferente entre homens e mulheres, sendo que as mulheres têm cargos familiares e domésticos que reduzem o seu acesso a certos sectores. Assim, os desvios económicos resultantes dos APE tiveram um impacto específico no género, que é preciso ter em conta.

O Acordo de Cotonou, que constituiu a base legal para as negociações dos APE, faz um compromisso explícito para com a igualdade de género. No entanto, até à data não se prestou qualquer atenção aquando das negociações dos APE entre a Comissão Europeia e os países ACP. Nenhuma das partes julgou necessário envolver-se em respeitar esta igualdade.

Em África, a maioria da população trabalha no sector agrícola. Em Moçambique, por exemplo, 78% das pessoas vivem deste sector. Outro facto é a presença de mais mulheres no sector agrícola, enquanto a manufactura e os serviços públicos empregam mais os homens. O caso de Moçambique, onde 91% das mulheres trabalham na agricultura, confirma isto. Ora, se o sector agrícola for afectado pelos APE, as mulheres serão mais afectadas que os homens. Em teoria, a liberalização do comércio deveria trazer uma série de benefícios ao sector agrícola, como o acesso à maquinaria moderna do ocidente. Na realidade, porém, os pequenos agricultores e as mulheres, em particular, encontram grandes dificuldades em aceder ao crédito, não possuindo, portanto, meios para comprar máquinas modernas e outros recursos. Tais potenciais benefícios trazidos pelos APE correm o risco de não passarem de teoria.

A liberalização do comércio prevista nos APE não terá impacto positivo nas perspectivas de exportação do sector agrícola dos Países em Desenvolvimento, pois estes já beneficiam de livre acesso ao mercado da UE graças ao programa «Tudo Menos Armas». A lista dos Países em Desenvolvimento é feita pela ONU com base numa série de indicadores económicos. Actualmente são 33 os países considerados Menos Desenvolvidos. Por outro lado, a possibilidade de livre importação de alimentos levará à perda de postos de trabalho e rendimentos no sector agrícola, que irão afectar mais as mulheres. Também a criação de cadeias de supermercados como consequência da liberalização do comércio não trará certamente benefícios ao sector agrícola local. Na realidade, os supermercados exigem produtos conformes a normas muito elevadas e a preços muito baixos, e estas condições não podem ser satisfeitas pelas produções locais, mas apenas por produtos importados dos países desenvolvidos.

Os benefícios resultantes da importação de alimentos, tais como carne das nações ocidentais, ficarão, para a população agrícola, apenas ao nível teórico, porque a carne é geralmente vendida a preços incomportáveis para estes. Este caso afecta também o género, pois as mulheres são geralmente as responsáveis pela alimentação e os seus agregados familiares são dos mais altos na escala da pobreza.

Outra consequência dos APE é a perda de rendimentos para os governos africanos, devido à redução de tarifas de importação. Em Moçambique, por exemplo, espera-se uma quebra de rendimento da ordem dos 50%. Assim, o Estado terá de cortar despesas nos sectores Social e da Educação. Este caso tem também uma dimensão de género uma vez que são as mulheres que se encarregam da educação das crianças.

Um exemplo concreto, retirado dos Camarões, mostra as consequências negativas que o comércio livre pode ter para o sector agrícola dos países africanos. Nos Camarões a criação de aves de capoeira é uma actividade tradicionalmente feita por mulheres e por jovens. São geralmente pequenos ou médios produtores ou têm uma produção apenas familiar. A produção de aves contribuiu para o desenvolvimento económico das mulheres e para o bem-estar das famílias em geral. O aumento do poder financeiro das mulheres, em resultado desta actividade, permitiu-lhes ter um papel mais activo na sociedade e na política.
A dada altura começou a importação massiva de pedaços de frango congelados, que não eram vendidos nos supermercados da Europa, porque os clientes preferem peitos de frango. A importação foi feita a preço muito baixo pelos Camarões e por isso o produto era mais barato do que o produzido localmente, levando os produtores locais a abandonarem o mercado. As mulheres com menos recursos foram as mais atingidas e as primeiras a desaparecerem do mercado. Os que tinham contraído empréstimos faliram e não os puderam pagar. De um modo geral, tanto os pequenos como os médios produtores foram atingidos. As manifestações forçaram o governo a aumentar abruptamente as taxas de importação sobre a carne. Esse aumento permitiu aos produtores locais recomporem parcialmente o seu negócio e recuperarem dos efeitos negativos do comércio livre.

A necessidade de fiscalizar os APE

Está demonstrado que os APE têm um impacto específico no género. É necessário acompanhar este impacto no desenvolvimento social e nos padrões de vida, fiscalizando os APE. É neste aspecto que a sociedade civil pode ter um papel importante. Só com uma fiscalização eficaz se torna possível corrigir os impactos negativos dos APE. Para haver uma fiscalização eficaz é necessário identificar uma série de indicadores-chave e ter acesso a uma extensa base de dados. Indicadores possíveis podem ser a expansão ou a contracção do sector feminino na economia, a criação de fontes de rendimento independentes para as mulheres ou o movimento de serviços sociais prestados pelos Estados às mulheres. É preciso dispor de elementos sobre a estrutura da economia relacionada com o género e em particular sobre a divisão do comércio e do trabalho entre homens e mulheres. Não basta saber que as mulheres trabalham sobretudo no sector agrícola, mas é preciso saber quais os produtos do sector agrícola que dependem sobretudo do trabalho das mulheres. De igual modo, os dados são necessários para se saber a diferença no acesso dos homens e das mulheres aos recursos e às despesas dos governos para que melhore o conhecimento do efeito do género nas receitas.

Thomas Lazzeri

1 Uma licença obrigatória é uma licença concedida a um outro produtor para fabricar, empregar, utilizar e distribuir versões genéricas da invenção patenteada sem acordo do proprietário da patente, e isto em troca de uma remuneração que compense a redução do mercado potencial do produto patenteado.
2 A UNITAID tem o apoio de governos dadores, entre os quais alguns países da UE (França, Inglaterra)
3 http://www.aefjn.be/index.php?option=com_content&task=view&id=432&Itemid=127&lang=fr
4 http://www.aefjn.be/index.php?option=com_content&task=view&id=431&Itemid=127 (só inglês)
5 http://ierpe.eu/articles.php?lng=en&pg=71 (many languages available from this page)
6 http://www.psiru.org/publicationsindex.asp (Eng. only)